* Por Carlos Lima Costa
Heloísa Périssé, a prefeita Maria do Socorro de “Cine Holliúdy”, cuja segunda temporada termina nesta terça, dia 8, postou recentemente no Instagram um vídeo brincando com a diferença da vida social da pessoa na faixa dos 20 e dos 50 anos, quando deseja mais sossego. Em entrevista exclusiva, ao explicar que a postagem reflete seu momento na maturidade, ela, um dos maiores nomes do humor brasileiro, surpreende ao dizer que profissionalmente planeja priorizar a escrita. E revela novo projeto: “É com os mais jovens que desejo estar, por isso estou me preparando para lançar o meu novo projeto que é Tati (icônica personagem dela da ‘Escolinha do Professor Raimundo’ e do filme ‘O Diário de Tati’) cresceu. Tati agora, essa mulher de 50, em relação com o mundo, com os filhos, os ex maridos, os amores, as amigas… A criança que um dia viveu, hoje, a gente acha que ela não está aí, mas estou nesse momento como uma criança solta brincando no parque, mas com um adulto atento olhando”.
“Eu me considero uma amiga do tempo. Aos 13 anos, eu disse: ‘Sou a mulher vinho, quanto mais velha melhor’. E sou mesmo, mas não só no físico. Internamente também. Sou conectada com a minha criança, primo pela inocência, pelo frescor. Quero estar sempre aberta a ouvir. E amo ver a nova geração chegando. Tenho duas filhas que saíram da minha barriga, mas tenho vários filhos energéticos, que eu cuido, contam comigo, de quem tenho orgulho. Até meus fãs e de Ingrid (Guimarães), que cresceram assistindo ‘Cócegas’. Hoje, muitos são atores, o que me deixa feliz de ter plantado algo. E para sair, sou essa do vídeo. Não tenho mais essa disposição. Meu mundo está mais interno. Até a minha casa, quero que seja menor, porque como sou a tarada da casa, quero ter bastante tempo para ler, ver séries e escrever. Isso é o que eu vou fazer da minha vida. Eu vou dando um tchau suavemente a minha carreira de atriz, vou fazer uma bobagem ou outra. O meu foco vai ser escrever, inclusive, pra nova geração”, revela a atriz e roteirista.
MACHISMO NO HUMOR
Enquanto conquistava seu espaço na profissão, Heloísa, atualmente com 56 anos, encarou o machismo da sociedade patriarcal. “Com certeza, enfrentei machismo, até porque nós mulheres comediantes nadamos realmente na contramão. Poucas coisas são tão machistas quanto o humor. Durante muito tempo, a mulher feia era a que fazia humor. Se não era feia, ela era gostosa. Eram esses dois lugares que a mulher tinha. A mulher muito subjugada ao querer do homem. Para conseguir sobressair, ela tinha que ter um grande equilíbrio, porque qualquer grito ela era histérica, se ela se abalasse, era nervosa e os homens uns santos. Agora, já não cola mais, já percebemos que assim como eles podemos perder a paciência e não aceitar algo. Agora, esse machismo ainda está muito enraizado em nós mulheres. Às vezes, me vejo dando uma recuada quando vem algo muito violento. Mas me coloco e ensino as minhas filhas a nunca deixarem de se colocar”, explica.
Em ‘Cine Holliúdy’, Heloísa é a prefeita de Pitombas. Olegário (Matheus Nachtergaele), o marido, não aceita bem ser coadjuvante na relação. Para a atriz isso reflete a sociedade, em como os homens ainda não lidam bem tendo uma mulher com maior destaque ou ganhando mais. “A minha geração ainda é aquela que veio de uma mãe, dona de casa, submissa ao marido. A minha não era submissa de jeito nenhum. Mas era uma pessoa que cuidava do lar. Ela mandava naquele microcosmo e meu pai achava ótimo, dava o maior apoio sendo ali. Quer dizer, ainda ficava sobre o machismo, tanto que hoje, converso com ela, falo: ‘Papai era um ótimo marido’. Ela diz: ‘Excelente, mas me atrapalhou muito’. Hoje, com 92 anos, está mais sem filtro. Por exemplo, ela gostava de tocar violão, ele não deixava. Isso ainda é uma questão no mundo. Nós mulheres de 50, ficamos nesse limbo, preparando o terreno para que com nossas filhas já fosse diferente”, analisa.
E acha que é isto que vem acontecendo profissionalmente com a mulher com relação aos homens. “A mulher chegou num lugar onde ela disse ‘chega, não vou mais aceitar certas coisas de jeito nenhum, não vou negociar mais a minha liberdade, o meu querer, os meus sonhos, as minhas aspirações’ e aí radicalizou por um lado. Faz parte do processo para depois encontrar um meio termo. Nesse processo, às vezes, a mulher passou do tempo de ter filho. Atualmente, já pensa sobre isso, congela óvulos para a gravidez acontecer mais tarde. Então, a mulher já não aceita mais esse lugar”, ressalta, que se identificou com o lado cuidadora da personagem. “Nós mulheres temos esse lado maternal. Ao mesmo tempo que realmente ama o Olegário, está dedicada ao papel que exerce, tem esse lado da responsabilidade. Eu acho que a Socorro hoje praticamente sou eu”, diverte-se.
PAIXÃO POR ‘CINE HOLLIÚDY’ E PELA EQUIPE
A série abordou com humor temas sérios e pertinentes como o machismo. “Chico Anysio (1931-2012) sempre falou que o melhor caminho pra tudo é o humor, mas o humor inteligente. Ele entra em lugares que ninguém mais entra, porque faz o ouvido da pessoa não ficar mouco. Quando você está rindo, você sente uma pré disposição para aquele ouvir, do que quando vem aquela coisa gritante, que aponta muito o dedo, dita muita regra”, aponta ela, que ama o projeto.
“Desejo dez temporadas para ‘Cine Holliúdy’. Se fosse resumir em uma palavra, diria ‘equipe’. Temos uma equipe parceira. O que me emociona ali é o amor, a dedicação, as pessoas que tem ali. Brinco com a Patricia (Pedrosa), diretora artística, que semelhante atrai semelhante. Quando temos uma head como ela, que preza por esse tipo de relação, os que entram tem que se encaixar”, diz.
Se vão existir dez temporadas de ‘Cine Holliúdy’, ninguém sabe. Mas a terceira já vem sendo gravada. “Ela segue a mesma paleta. Vamos ter vários convidados. Acho que agora demos um passo maior em direção ao lúdico mesmo, ao que foi ‘Saramandaia’, uma coisa nordestina Dias Gomes (1922-1999), onde tem ali algo bastante fantasioso, folclórico mesmo, mas feito com verdade. Nordestino é colorido, quente, expansivo. O clima e o humor te proporcionam isso”, adianta.
A vibração é a mesma com parceiros de cena. “A Lorena (Comparato) e a Luisa (Arraes) são dois ícones da geração delas. Elas tem um grau de profissionalismo de umas velhas maduras. Ao mesmo tempo, com um frescor da juventude. Amo as duas, são fora da curva, já adoto, ainda mais que tenho uma filha, atriz, de 23 anos, coisa mais linda de mamãe, Luisa. E Matheus é aquele príncipe, é quântico, não tem forma, sotaque, nada pelo qual você possa defini-lo, porque é tudo, tem todos os sotaques e formas, vai aonde tem que ir. Trabalhar com o Matheus é uma escola. Já estou com ele há cinco anos fazendo esse trabalho, e tenho que tomar cuidado, porque às vezes, me pego assistindo. Acordo de joelho agradecendo a Deus a oportunidade de estar com aquele elenco”, comenta.
E compara o humor atual e o que era feito nos anos 90, quando ela surgiu no cenário artístico. “Hoje em dia, as pessoas falam ‘tem que tomar muito cuidado ao se fazer humor, isso está muito chato e isso não pode ser assim’. Discordo. Quando certas portas se fecham, é porque outras têm que abrir. O universo é progressista, pró-vida, está sempre fazendo limpezas para que a vida continue e de forma melhor. Então, o humor que fazíamos em 1990 ou até no ano 2000 quando veio ‘Cócegas’, por exemplo, que queremos remontar, a gente fala: ‘Vamos rever coisas, isso aqui já não da’. Sou uma pessoa das mudanças. É a tal história. Quando perco o telhado, eu encontro o céu”, frisa.
E sobre recentes ameaças de rompimento da democracia na política brasileira com apoio de parcela considerável da população, diz: “Eu poderia dizer assim, lamentável esse momento, mas vou dizer, nada é à toa. As coisas não estão nas nossas vidas para nos derrubar. Isso eu creio real. Certas coisas que surgem, servem para que a gente tenha consciência de que não é mais aquilo que a gente quer”, aponta.
Quando você começa a ver que a construção dessa democracia, está sendo abalada, é um bom momento para que a gente diga: ‘Isso tem muito valor, não pode ser perdido e entregue assim’ – Heloísa Périssé
“A gente tem que ter a coragem de entender, que por mais que você queira o bem no mundo, o mal não vai deixar de existir. Vivemos nessa dimensão da dualidade e a gente tem que tomar cuidado pra não ser tragado. A gente tem que ter uma postura totem. Todo essa fase que passamos, eu vejo como um momento rico de firmar valores, que vão nos empurrar para um momento que, com certeza, vai ser bem positivo’. Creio nisso, sou pró vida”, reflete.
EXPERIÊNCIA TRANSFORMADORA
E ressalta sobre como espera ver o Brasil em 2023. “Que possamos ir para um lado, em que vamos realmente estar pensando no próximo, que possamos colocar em prática coisas que vão edificar mais a nossa existência nesse planeta”, diz ela, que este ano marcou presença na 2ª edição do ‘The Masked Singer Brasil’, cantando fantasiada de Coxinha. “Adorei participar. Eu brinco que tenho um erê de frente. Eu sou criança, gosto da graça boba, rio de besteira e quando recebi o convite para fazer a coxinha, achei graça disso. Uma atriz como eu vai ser a Coxinha e vou ser feliz, vou fazer uma coxinha muito gostosa. Me diverti. Agora, sabia que não ia durar, porque com a minha voz, não tenho nem como passar um trote. Mas foi incrível, eu amei. Como artista, posso fazer desde coxinha a Dercy, ou a Monalisa, a Socorro, ou com as minhas peças de teatro como eu fiz o ‘Cócegas’, durante 11 anos, como fiz ‘E Foram Quase Felizes Para Sempre’ durante 6 anos, ‘Loloucas’, três anos. Me permito passear por onde eu quiser, acho muito rico”, afirma ela, que em 2019, descobriu um câncer raro nas glândulas salivares e superou.
Experiências difíceis são transformadoras. “Aconteceu exatamente isso quando passei pelo câncer, de pegar merda e fazer adubo. Primeiro, agradecia todos os dias ser eu e não uma filha, outro alguém da minha família, porque sendo eu, me entendia com Deus. Esse lugar pra mim é confortável. Quando coisas desse porte acontecem na vida, aí que eu digo, ‘Senhor vamos embora, vamos jogar luz aqui’. Acredito que essa existência é uma projeção, a gente está aqui nessa passagem todos nós, temos coisas a realizar.”
E não perdeu o otimismo. “Óbvio, tem momentos que você fica de saco cheio, tem sua vida toda mexida, onde tive que entender que a saída era pra dentro. Então, ganhei um espaço interno, que quando veio a pandemia no coletivo, eu estava muito bem. Você lança um novo olhar sobre as coisas. Você passa a ver o mundo além dos seus cinco sentidos só, que se a gente para para pensar é muito limitado. Às vezes, estava mais em baixo, às vezes, mais pra cima, mas como falei, sou pró vida”, diz ela, que já programa para o próximo ano a retomada da comédia ‘A Iluminada’. Ela planeja turnê no Sul do país, depois retorna para São Paulo e em seguida vai para o Rio. A peça reflete sobre como viver da melhor forma. “O interessante é que cada um entra e tira dali o que tem que tirar. É um convite para você ir às suas sombras, é você decantar aquilo que você realmente quer mudar. Pra que haja a verdadeira transformação você tem que ter essa disposição”, afirma.
HERDEIRAS NO MEIO ARTÍSTICO
Recentemente, Heloísa postou vídeo da caçula Tomtom (Antonia) cantando música autoral. A humorista relata sua emoção como mãe vendo as filhas seguindo trajetória no meio artístico. “Orgulho demais, um orgulho sem fim ver minhas filhas transitando aqui nessa existência de forma edificante, empenhadas em construir um mundo melhor, indo ao encontro de sonhos, porque o que faz a roda girar? Não é você conectar com o teu egoísmo, que geralmente é a tua falta, entendeu, e aí emperra a tua vida. Mas quando você conecta com a vida com V maiúsculo, a sua vida vai fluir de uma forma que aos olhos do mundo vai parecer mágica, mas não, você só está na gira, você está sonhando o sonho de Deus. E eu consigo pedir a Deus em relação as minhas filhas. Primeira coisa que elas ouviram da minha boca foi Salmo 91, que é fortíssimo, lindíssimo. Sempre desejei essas duas energias que saíram da minha barriga. Quando vejo Luísa sendo uma comediante como ela é, com esse gene do Chico Anysio, o meu, do Lug (de Paula), do Bruno (Mazzeo), da família, ela realizando e concretizando as coisas que ela almeja. Tomtom que pra minha surpresa compondo, fazendo músicas que eu acho lindas, porque eu sou mãe de miss. Mas se não tiver bom, eu falo. Se eu não falar, quem vai falar. Enfim, conectaram com o que tinham que conectar e isso me deixa muito feliz e tranquila”, finaliza, referindo-se ao avô, o pai e o tio da primogênita.
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