Gustavo Vaz estreia série na Netflix sobre universo sertanejo, aborda polarização política e conceito de sucesso


Artista múltiplo, ele está em “Só se for por Amor” da Netflix, onde vive o produtor musical César, um antagonista que visa atrapalhar os sonhos do principal casal romântico da série. Gustavo aposta em sua verve romancista com o livro “Como Não Morrer de Uma Só Vez” e comunicador com o podcast “Artigo de Escuta”. Entre seus sonhos, intenciona montar um monólogo em colaboração com o público das redes sociais e fazer um documentário sobre a voz da sua mãe, falecida quando o artista tinha dois anos e meio e som do qual nunca tivera acesso

*Por Vítor Antunes

Pegando carona na mega ascensão da música sertaneja, a série “Só se for por amor” estreia semana que vem no catálogo da Netflix. Gustavo Vaz viverá Cesar, um empresário musical, que se interporá entre o casal romântico formado por Lucy Alves e Felipe Bragança. Em entrevista exclusiva, o ator fala sobre projetos autorais, analisa a polarização política no Brasil, revela estar produzindo um podcast, “Artigo de Escuta”, no qual aborda assuntos que tocam a sua sensibilidade, bem como apresenta o futuro monólogo, “O Idealista”, e seu primeiro romance, Como Não Morrer de Uma Só Vez. Por ter perdido a mãe ainda na primeira infância, revela que sua carreira enquanto locutor pode ter sido estimulada pela ausência da voz dela, por não poder mais ouví-la ao longo da vida.

Ainda integrará o elenco de “A Vida Pela Frente”, nova série da Globoplay e GNT, na qual  interpreta o pai da protagonista Nina Tomsic e ex-marido da personagem de Leandra Leal, que também dirige a série. A trama, que terá como ponto de partida um suicídio em uma escola na Gávea nos anos 90, será dividida em dez episódios. Gustavo cita o filósofo alemão Nietsche (1844-1900) para alertar que “sem arte morre-se de realidade”. E questiona também o conceito de sucesso atualmente: “A sociedade é muito desequilibrada e olha pouco para a alma do ser humano. E a arte cumpre uma função importante de abraçar essas questões existenciais. Eu acho que há uma necessidade de transformação, que é profunda e que vai durar muito tempo até gerar uma mudança na lógica humana e no sentido de estarmos aqui”.

Gustavo Vaz é o antagonista de “Só se for por Amor”, da Netflix (Foto: Caio Oviedo)

“SÓ SE FOR POR AMOR”

Gustavo Vaz exalta a parceria com Lucy Alves. Segundo ele “Foi um encontro muito especial. Trata-se de uma das personagens com quem eu mais tive contato. A gente conversou bastante sobre a relação dos dois personagens, os conflitos, as dúvidas, e eu acho que o trabalho está muito genuíno”. O ator também destacou o trabalho de Agnes Nunes, cantora que está estreando no campo da atuação neste projeto.

Como toda série que será lançada nas plataformas digitais, esta também tem cláusulas de sigilo. Todavia o ator apresenta, com discrição, um pouco do que o público pode esperar de César. “Trata-se de um empresário super ambicioso, daquele tipo que faz o que pode para conseguir o que quer. É ele quem vai fazer o antagonismo entre os personagens vividos pela Lucy Alves e o Felipe Bragança”.

Gustavo Vaz. Ator está em série que investe no segmento musical sertanejo (Foto: Caio Oviedo)

Com a estreia de “Só se for por amor“, teremos duas séries no streaming retratando o ambiente rural de Goiás. “Rensga Hits”, do Globoplay, também encontrou seu público e é um dos mais vistos daquela plataforma. O ator acredita que o universo sertanejo retratado na série que ele co-estrela tem muita relevância no mercado. “Impossível não falar desse gênero em algum momento. Trata-se de uma força que caiu no gosto popular e se comunica muito com as pessoas de hoje em dia. E que bom que está sendo feito! Trata-se de uma grande produção nacional, que está super bem cuidada, com uma fotografia linda e eu acho que as pessoas vão gostar muito”. De fato, o segmento sertanejo é um dos  mais importantes da música brasileira hoje. Segundo estudo feito pelo ECAD (Escritório central de Direitos Autorais), em 2020, das 10 das músicas mais ouvidas nos streamings apenas três não eram canções sertanejas – uma delas, o famoso “Parabéns a Você”, e as outras duas interpretadas por Wesley Safadão, do gênero forró.

Sobre o momento da estreia da série, Gustavo Vaz acredita ser oportuno não só pela leveza de seu tema, mas pela pluralidade de artistas: “O projeto traz um elenco de sotaques variados e tem a vantagem de fazer um recorte muito popular que se aproxima um tanto da novela e que pode atingir positivamente o espaço e o coração das pessoas que estiverem assistindo. Trata-se de uma série que fala de amor e é tanto afetiva como afetuosa. Embora uma série musical, as canções não são forçadamente colocadas, tudo acontece muito naturalmente”.

Nesse momento em que a gente vive, de tanta violência e briga, essencialmente no campo político, este é um projeto que desperta em nós a possibilidade de sonhar. Eu acredito que seja uma série muito bonita de se ver – Gustavo Vaz

Diante da singeleza deste projeto, o ator compara-o a outro personagem que vivera numa série, em que a música também tinha importância narrativa. Trata-se de “Coisa Mais Linda”. Ele interpretou Augusto, um homem irascível e que praticava feminicídio. “O Augusto de “Coisa Mais Linda” era um cara mais violento e sem escrúpulos, ao passo que o César ocupa um lugar de antagonismo. Está em um lugar diferente, ainda que eu faça personagens que dialoguem com este lugar da masculinidade. César chega neste momento atual, no qual o machismo está desautorizado pela sociedade, que entende a necessidade do fim do patriarcado estrutural. São personagens que ocupam lugares diferentes”. Para o ator, ainda que os personagens sejam “terrivelmente maus”, ele tenta humanizá-los sempre.

Em “Coisa Mais Linda”, Gustavo Vaz foi o perverso Augusto (Foto: Divulgação/Netflix)

RECORTES AUTORAIS: POLÍTICA, MORTE  E TECNOLOGIA

 A inquietação de Gustavo Vaz é a força motriz de seu trabalho. Além de ator e locutor, o artista trabalha em várias frentes artísticas e esse recorte autoral em sua carreira é o que mais o orgulha. Ele está produzindo um monólogo e seu primeiro romance, além de um podcast vanguardista que promete trazer não apenas a escuta, mas uma experiência imersiva. Todos os projetos nasceram diante do isolamento oriundo da pandemia de Covid.

O artista relata que o isolamento da crise sanitária trouxe novos matizes para seu ofício. “Inicialmente posso dizer que a pandemia foi um divisor de águas tanto pra mim como para muitas pessoas. Quem pôde e teve tempo e espaço para olhar para onde estava caminhando com a vida, com o próprio trabalho, pôde tirar proveito disso. Eu sempre gostei de me expressar para além dos convites – tanto do audiovisual como do teatro –  e construir minhas próprias falas e lugares tanto de discussão como de expressão. Eu acho que a pandemia me fez abraçar mais ainda esse lugar do homem e do artista que eu quero ser, então acho que esses projetos falam muito sobre esse momento especial da minha vida, onde eu acho que estou muito inteiro e com muita consciência sobre o que estou fazendo”.

No teatro, além de diretor da ExCompanhia de Teatro, grupo paulistano com apresentações internacionais em locais como Alemanha e Portugal, um dos projetos, o monólogo “O Idealista”, ele diz ser o primeiro após o fenômeno “Tom na Fazenda”, que estrelou junto com Armando Babaioff. O espetáculo que lhe rendeu os mais importantes prêmios de Teatro no Brasil, como o Prêmio Shell e o Prêmio Cesgranrio de Melhor Ator em 2018. O novo trabalho alinha uma tríade que direciona de Vaz: morte, tecnologia e política. Embora será roteirizado por ele, o monólogo tem a colaboração do público da internet, através do Instagram @oidealistateatro: “É um projeto que engloba o que eu já estava querendo fazer há muito tempo. Que é discutir como a tecnologia atravessa a nossa vida e molda as nossas relações sociais afetivas, além de trazer à tona a política que é uma coisa muito forte nesse momento mundial de crise do capitalismo e a morte, que é um tema fundamental na minha vida e me parece importante não ser esquecido diante dessa construção do que somos”.

Gustavo-Vaz. Ator propõe uma monólogo colaborativo a partir das redes sociais (Foto: Caio Oviedo)

Sobre a temática da morte, o ator diz acreditar que fala-se muito pouco sobre ela. E traz sua ótica: “Creio que falamos pouco sobre a morte, não dela nesse sentido violento como o que esse governo propõe, de políticas violentas de morte, mas dela de forma simbólica, sobre o que significa esse fato de sermos todos finitos. Eu acho que se a gente passar e falar um pouco mais sobre esse assunto, podemos mudar a lógica ou a maneira de viver a vida. E as nossas decisões sobre o que fazemos em vida se tornam mais afetivas e assertivas. Então, os trabalhos trazem um pouco desses três temas que eu sempre tive vontade de mergulhar”.

O ator convida, inclusive, os leitores a seguir o perfil @oidealistateatro e a fazerem parte desta dramaturgia colaborativa, que se dá através de “algumas provocações, de algumas ideias e imagens para saber também o que as pessoas da Internet estão dizendo. Tem tudo a ver com o personagem central da história, que eu estou construindo junto com o público”, relata.

A respeito do romance, ele diz que experimentou o formato também durante a crise sanitária da Covid, “em um momento de muita dor e muita confusão por conta da separação das pessoas, do afastamento dos trabalhos, da falta de perspectiva  sobre o que ia acontecer amanhã, ou na semana seguinte ou no mês vindouro. A trama fala sobre essa busca por sentido (na vida). Eu acho que a história do livro se debruça sobre o nosso cotidiano, sobre escolhas e pela nossa impotência diante da vida”.

Gustavo Vaz lança-se como romancista em “Como Não Morrer de Uma Só Vez” (Foto: Márcio Farias)

Gustavo apresenta-nos um panorama de seu livro. O romance chama-se “Como Não Morrer de Uma Só Vez” e retrata a vida de Walter, um suicida que recebe uma nova chance para viver após haver provocado a autoquíria: “Ele ganha uma nova oportunidade de encontrar algum sentido após morrer e uma chance de transformar a própria vida. O livro tem um quê irônico, algo existencial e poético na trama, mas que visa observar o quanto a vida é profunda, complexa e bonita. Neste, falo sobre amor e sobre a morte, porém de forma poética”. Gustavo acrescenta que uma das pautas de sua investida na literatura é a esperança. Para tal, cita o poeta José Luiz Peixoto, dizendo que “sem esperança não há vida. Todas as formas de vida são movidas pela esperança”.

Diante desta temática, em pleno Setembro Amarelo, de que maneira a discussão de pautas como a depressão e o suicídio é essencial? “O suicídio é um tabu. É delicado falar sobre ele, porque a sociedade ainda não se estruturou para debater este tema. É um fato de uma sociedade, na visão minha claro, que vive uma grande falta de sentido, de propósito e na qual as pessoas não se sentem pertencentes a ela diante de suas complexidades. A gente vive baseado em uma estrutura econômica que exige das pessoas trabalhar mais e de forma mais precarizada e onde temos uma desigualdade social cada vez mais aprofundada em um Brasil que impede a cultura de acontecer enquanto espaço de sonho e de elaboração da vida”, diz, acrescentando: “Essa soma é confusa, complexa, violenta, de uma sociedade, especialmente a brasileira, que não vê a arte como uma ferramenta fundamental de elaboração da vida e como contribuidora de um olhar mais afetivo e empático para o outro”.

Gustavo Vaz aborda em seu trabalho pautas tocam a sua sensibilidade (Foto: Marcio Farias)

Ainda sobre este tema, o ator ressalta outro fator que pode colaborar a problemas relacionados ao autocuidado: “As redes sociais cumprem também esta dinâmica violenta. A gente tem uma estrutura que é vendida como conexão, mas tem gente que se suicida por ser maltratada nas redes sociais. Precisamos ver como regulamentar e fazer com que essas pessoas sejam cuidadas e protegidas nesses espaços”.

Me parece que, de alguma forma, o que me cabe enquanto artista é observar que a gente tem uma função de ajudar a construir um mundo que disseram para gente que era impossível – Gustavo Vaz

Em um momento em que vemos tantas políticas públicas para saúde mental e quando o feminicídio vem sendo uma realidade, inclusive por um de seus personagens na ficção, e a submissão de muitas mulheres também é pautada, Gustavo diz que dentro de seu lugar de fala masculina no que tange à pauta feminina ou feminista é “observar desde o núcleo micro, não permitindo que comentários e ações machistas se perpetuem, já que fomos forjados numa sociedade machista, ou seja, somos machistas em essência. Reconhecer isso pode nos ajudar a transformar algo. E numa ótica macro temos uma chance importante de colocar no Congresso e nos órgãos públicos representações femininas, em construir e defender leis, promulgá-las ali dentro e que tenham essas perspectivas de defenderem a existência plena e igualitária das mulheres e se proponham punições severas para quem cometa crimes nesse sentido”.

Nesse momento não há política pública nenhuma. Nesse momento do Brasil não há nada”. – Gustavo Vaz

O artista prossegue dizendo que “é importante que olhemos não só para a escolha presidencial, mas também para a escolha das casas dos governos, para pessoas que pensem a mulher nesse lugar de segurança e proteção para que ela possa ser quem é. Eu sinto que as mulheres, felizmente, estão conseguindo ocupar um lugar e, ainda que seu esteja falando sob a minha ótica, que é a masculina, eu acho que elas sabem muito sobre o que podem fazer”.

A respeito das próximas eleições, o artista, inclusive, preocupa-se com a possível sucessão presidencial, se ela irá acontecer de maneira pacífica ou ordeira. “Há um olhar conservador dogmático violento, excludente. Vivemos um momento terrível e temos de escolher dentro do campo democrático formas de fazer com que todos, enquanto nação, saibamos tomar as devidas atitudes para reconstruir o Brasil”.

Gustavo prossegue dizendo ser “importante que os artistas e as pessoas que têm capilaridade se posicionem. É importante, ainda que não ache obrigatório, que todos digam o que os move. Me entristece ver artistas isentos em um momento como esse. Não acho que a gente tenha que ter opinião sobre tudo, mas eu acho que em alguns momentos na nossa jornada histórica é necessário um posicionamento mais claro e esse é um deles”.

Eu acho que se abster de falar sobre política é usar mal essa ferramenta que a gente tem – Gustavo Vaz

A VIDA NA VOZ

Gustavo Vaz também é locutor. Como tem na voz uma ferramenta, tenta aproveitá-la das mais variadas formas. Tanto como veículo de comunicação como instrumento social. Um dos projetos que toca a partir da fala é o projeto “Voz na Causa”, onde possibilita oferecer a ONG’s, instituições sociais, indivíduos e/ou coletivos sociais locuções gratuitas ou a preços acessíveis. No que ele nomeia como sendo uma “ponte afetiva”. Outro projeto é o podcast “Artigo de escuta”, cujo slogan é “Textos para sentir”. Para este, Vaz tem duas propostas de formatos de escuta: em áudio mono, comum nos streamings, e outro em 3D, que permite uma experiência imersiva ao ouvinte. Segundo ele, “nesse momento em que estamos mais expostos às telas, a gente pode entregar para o público uma experiência que tira esse resultado estético e os obriga a imaginar”.

O investimento na voz e na fala tem uma justificativa sensível. O ator perdera sua mãe aos dois anos e meio e tem um projeto no qual objetiva sentir e buscar a voz da mãe, esta, que nunca ouvira. Embora tenha fotos, não tem vídeos, muito menos áudios da voz materna. Ainda que tivesse a voz gravada, ela nunca é a mesma daquela que se ouve ao natural. “As pessoas têm diferentes leituras sobre a voz dela. É muito difícil alguém explicar em palavras como é a voz de uma outra pessoa”. Porém, a beleza dessa busca reside no fato de que “me trouxe uma sensação real de minha mãe. Eu acho que a relação com a minha voz veio dessa necessidade desse momento de ruptura, que me deixou sem essa voz. Talvez seja esta a razão que me faz gostar de falar tanto e de me expressar por essa ferramenta”, pontua.

Ao encerrar esta entrevista, perguntamos a Gustavo se há, no meio de tanta aspereza no mundo, um espaço para sonhar. Ele diz que sim. “É necessário. É a única saída diante de um momento violento. É acreditar no sonho, no impossível. Acreditar no impossível, na defesa da arte e do artista deve ser algo constante e inegociável”. A delicadeza de buscar um som pauta a vida de um homem que tem palavras. Acredita nelas e faz delas sua forma de vi(ver).