*por Vítor Antunes
Mais uma vez, “A Viagem” está sendo reapresentada. É a quinta vez que a novela de Ivani Ribeiro (1922-1995) ganha as telas da TV, desta vez no canal Viva. Nesta, Guilherme Fontes viveu o vilão que, mesmo morto, não deu descanso a vários personagens da novela. Na vida real, Guilherme segue atuando e produzindo. Gravou suas cenas na novela “Renascer” como o pai transfóbico de de Buba (Gabriela Medeiros) e se prepara a voltar ao cinema, segmento do qual passou por todos os tipos de polêmicas quando rodou o filme “Chatô, o Rei do Brasil“. Os problemas dos quais fora acusado, especialmente os relacionados com prestação de contas ao Governo Federal, não foram provados. O lançamento foi quase 20 anos depois do início da produção. “Fica muito clara a injustiça, a violência brutal que se abateu profissionalmente e o prejuízo monumental financeiro. Mas entre tantos desafios, o meu era entregar um bom filme, e eu consegui. Recebi o Prêmio APCA e boas críticas, inclusive do cineasta Arnaldo Jabor (1940-2022) e houve quem me criticou e depois se desculpou”.
Depois desse trauma, ele agora quer pegar o caminho de volta para as produções cinematográficas. “Agora é quebrar o gelo que se estabeleceu e seguir adiante. Fiz muita coisa em pouco tempo. Agora é reabrir essas possibilidades, me blindar disso. As pessoas aprenderam com quem estavam lidando”, desabafou. Além destes trabalhos, o ator voltará a fazer a segunda temporada do filme “Pacto de Sangue“. Além de “reestruturar meu campo de futebol, desenvolver projetos, roteiros… Quero botar de pé meu ímpeto criativo”.
Estou me organizando para, enquanto produtor, voltar a dirigir e atuar. Acho que ser múltiplo é a realidade do artista brasileiro, que nos exige essa criatividade. Quero ser mais feliz do ponto de vista artístico e alavancar os meus projetos – Guillherme Fontes
Fontes ressalta que a idade e a epopeia que sofreu na produção de “Chatô” acabaram provocando-lhe um pouco de procrastinação. “A idade e [a perseguição promovida por causa do Chatô] colaboraram para a procrastinação e tenho que vencer isso. Porém [é uma coisa que não me assusta, mas à moçada que me acusou. Inventaram uma fantasia, vestiram em mim o personagem do vilão Alexandre, de “A Viagem” e me vilanizaram quando, na verdade, tive minhas contas aprovadas. Num país de desvalidos como o nosso sou alvo fácil. Mantenho a consciência limpa”.
O AMOR (O AMOR?) CHAMOU E ELE REGRESSOU
“A Viagem” era uma novela predestinada ao sucesso. Tanto que passou por várias intercorrências até que fosse levada ao ar. Não era a trama cotada ao horário, o elenco foi montado às pressas, a adaptação inicial, apressada, aproveitou muito da novela exibida pela Tupi, em 1976 e por isso tem alguns equívocos de nomes e situações. Dona Marocas (Yara Côrtes), por exemplo, é recorrentemente chamada de Isaura, nos primeiros capítulos da nova versão, sendo que Isaura era o nome da personagem tinha nos anos 1970. Ainda assim, desde a primeira exibição, o sucesso foi acachapante. “A Viagem” chegava a pontuar mais que “Pátria Minha” (1994), da mesma época. E ganhou, no Viva, mais uma reprise. A segunda do canal e a quinta se somadas todas.
Guilherme diz, sobre Alexandre, seu personagem, que o impacto que ele causou é realmente fabuloso. “Eu, como ator, me sinto honrado de ter feito há 30 anos e que repercuta tanto ainda e tenha virado um ativo digital, meme, figurinha, é popular. Fico muito orgulhoso e satisfeito em ver que ele é importante na vida das pessoas”.
Foi um encontro feliz entre um ator e um personagem. É um dos quais eu me orgulho de ter interpretado, tal como o Marcos de “Mulheres de Areia” ou o Dilermando Assis de “Desejo”, assim como o meu longa, que me orgulho de ter feito. Sou muito cioso das coisas que fiz. Não é preciso trabalhar muito para ser feliz, mas para se estar na posteridade – Guilherme Fontes
Guilherme já gravou a sua participação na atual novela das 21h. Ele e Malu Galli são os pais de Buba (Gabriela Medeiros). “A participação em “Renascer” é um prazer, uma honra. É um núcleo interessante, que está na pauta de várias famílias e isso é bem importante. É uma participação pequena, mas fundamental”. O debate sobre a transexualidade, cuidadoso na trama do horário nobre, é oposto à abordagem debochada, anárquica e politicamente incorreta de “Bebê a Bordo“, no qual o personagem dele e de Guilherme Leme, irmãos, dividiam a mesma namorada e com a qual transavam – ou, segundo a expressão deles próprios na trama, “levavam uns coelhos”. A novela, quando foi reprisada no Viva, foi muito criticada e reprovada justamente pela, digamos, rotatividade sexual dos personagens.
Para Guilherme, “hoje em dia está muito difícil o politicamente correto, há um cerceamento enorme, e que é valido para muitas questões que anteriormente se passava por cima. Hoje a TV convencional fecha mais o cerco. Há um público mais moralista, as coisas são mais difíceis. No caso de “Renascer“, é fundamental a abordagem. Há famílias não compreendem ou aceitam respeitar a vida e a felicidade do outro”.
Não sou saudosista. O importante é que o passado passou e só vale uma vida sem sequelas. A vida é uma aventura alucinante, rápida. Não dá para se vangloriar ou lamentar o passado. Temos que usar ele para avançar. Só caímos na real quando a vida chega com força e nos damos conta de ter menos tempo para frente que para trás. Isso nos dá um senso de urgência, de não perder as oportunidades que a vida traz. A maturidade serve não para dar lição de moral, mas ajudar as pessoas as quais amamos a sofrer menos. Na vida é importante moderação, tanto na derrota como na vitória – Guilherme Fontes
COOL
Antes das redes sociais, o importante era ser discreto, cool. Especialmente os artistas. Hoje, não. Guilherme fala sobre essa transição. “Eu sou da geração em que o chique era ser discreto. Hoje, quanto mais exposto, pop e exibido, melhor. É preciso ter cautela. Eu ainda patino nas redes sociais e faço umas coisas que não levo a sério como talvez mereça, mas é um tempo esse do qual ficamos reféns desse excesso de comunicação e exposição que me assusta. O online tem um ritmo acelerado e dá a sensação de que a vida passa mais rápido”.
O ator, porém, imagina que as redes possam ser uma vitrine para os seus projetos futuros. Mais que isso, até mesmo dar entrevistas, mesmo para ele, que sempre foi marcado por ser um cara cool, é um processo. “Sempre achei que dar entrevista deveria ser algo para ser conectado a um trabalho. Eu não sou tão interessante pessoalmente como meus personagens”, diz ele, modesto.
Protagonista do filme “Um Trem Para as Estrelas“, perguntamos ao ator e fosse pegar um trem rumo a elas onde seria a primeira parada. E ele disse querer “parar num mundo mais cooperativo, onde quem sabe mais ajuda a quem sabe menos. Onde não exista preconceito, se tenha mais amor pelo habitat, menos materialismo… Queria parar numa estrela menos competitiva e cooperativa. Onde o amor valha mais que qualquer coisa. Não tem sido fácil, mas estamos vivos. Meu sonho é viver um personagem que tenha esse nome: Desmaterializado.”
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