*por Vitor Antunes
Gloria Pires é sempre um fenômeno. Depois do fim de Terra e Paixão, a atriz vive uma vovó no cinema neste segundo semestre no longa Vovó Ninja, que tem direção do Bruno Barreto. Um dos primeiros trabalhos seus no cinema em que a maturidade se revela de maneira mais latente. Porém, um dos maiores sonhos da atriz é ser avó, algo que remete ao seu passado também, já que um de seus melhores amigos, Lauro Corona (1957-1989), a chamava de “Vovó Glorinha”. “Ele dizia que, enquanto todo mundo estava pirando, enlouquecendo, a Vovó Glorinha estava lá, na ‘charretezinha’ devagarzinho, no canto dela… Ele era uma pessoa de visão”. Além disso, ela está na pré-produção de um projeto novo chamado Sexa!, um filme que tem o etarismo como pano de fundo, mas também traz questionamentos femininos de qualquer idade. É uma comédia romântica fora dos padrões, para quem já saiu ou está ensaiando sair da caixinha.
Confirmada como substituta de Mania de Você, que estreou semana passada, virá Vale Tudo, remake da obra de sucesso eterno da Globo e que volta com uma releitura especial para celebrar os 60 anos da emissora. Na versão original, Gloria interpretou Maria de Fátima, a vilã. Sobre o remake, no qual não deve estar presente, Gloria acredita que a Globo refazer uma novela como essa impõe riscos: “Me faz pensar que será um desafio suplantar o que foi feito”. Aliás, em se falando da parceria de Gloria Pires e Gilberto Braga (1945-2021), um dos autores de Vale Tudo, ela volta dez anos no calendário para falar de Dancin’ Days, primeiro projeto da parceria entre eles. A personagem da trama, Marisa, grávida na adolescência, abortaria, mas esse tema foi censurado. Hoje, quase 50 anos depois, ainda há muita discussão sobre o aborto. Para Gloria, “esse debate precisa acontecer, primordialmente, no âmbito da saúde pública. É preciso pensar na segurança, na vida da mulher, em especial daquelas que não têm recursos para recorrer a soluções que resguardem sua integridade física”.
TRABALHOS EM REPRISE NO GLOBOPLAY E FAMÍLIA
Neste ano, algumas obras nas quais Gloria estava no elenco voltaram ao ar no Globoplay. Uma delas foi “Água Viva” um dos maiores sucessos do ano de 1980 e que trouxe a atriz em um papel de destaque, depois de viver a protagonista de “Cabocla” (1979). A novela selou a relação de amizade entre ela e Gilberto Braga. “Foi a segunda novela que fiz com o Gilberto. Eu atuado em “Dancin´Days“. O fato de ser fã do estilo e do texto do autor me ajudou muito. Eu gostava muito dos seus diálogos, das tramas complexas que ele criava e como as desenvolvia. Ele tinha essa característica forte de criar novelos e ir desenrolando a trama com o avançar dos capítulos de uma forma brilhante”.
Aos 14 anos, ele viu em mim algo que eu não sabia que possuía. Essa questão da visibilidade que se fala hoje, foi o que vivi com ele. Cresci muito, pessoal e artisticamente com Gilberto Braga. A ele tenho só gratidão – Glória Pires
Na época, “Água Viva” polemizou por trazer mulheres muito à frente de seu tempo, ativas, protagonistas, e até querendo fazer topless. Sandra, a personagem de Gloria, Lígia (Betty Faria), como a Janete (Lucélia Santos) eram mulheres muito fortes e numa época de grande repressão. Gloria vê a mudança do comportamento e da perspectiva da mulher na sociedade daquela época para atual com muita clareza. “Nos anos 80, só o fato de uma mulher trabalhar fora, ou não querer se casar para se formar antes, já era a temática da personagem. Hoje as personagens têm histórias complexas, outra representatividade. Celebro essa evolução, mas reconheço que elas não acabaram..
Outro trabalho a ser resgatado foi “Memorial de Maria Moura“, igualmente uma mulher forte, numa minissérie que é atual, embora tenha completado recentemente 30 anos. “Maria Moura traz um recorte muito atual da realidade feminina: superar a violência doméstica e seguir seu caminho. Ela precisa enfrentar homens estabelecidos nos seus privilégios que acreditavam que tinham o poder de decidir o destino dela. É uma mulher fiel ao que sente, é fiel ao que acredita ser justo e ela luta por isso bravamente. Creio que, na vida, as mulheres travam ainda batalhas muito duras”.
Aliás, esta minissérie também é a primeira a trazer Cleo num trabalho de atriz, através de um convite de Carlos Manga (1928-2015). Segundo Gloria, sua filha teve um papel fundamental no projeto, quando sugeriu uma cena aos diretores que acabou sendo incorporada no projeto. “Ela fez uma participação. O Carlos Manga, diretor artístico da série, teve essa ideia de tê-la interpretando Maria, meu personagem, quando criança. O lindo plano que traz a passagem de tempo na série foi sugerido por ela, e uma solução tão criativa que Denise Saraceni aceitou a sugestão”.
A atriz reflete com profundidade sobre sua experiência ao lado da nova geração de atores. Em sua jornada, ela observa o surgimento de jovens intérpretes com notável aptidão, profundamente conscientes e dedicados ao ofício que abraçaram. O valor da troca entre gerações, para ela, é inestimável, e o diálogo entre o saber consolidado e a vivacidade da juventude cria uma sinergia essencial para a evolução da arte dramática. Gloria comenta: “Eu tenho tido a oportunidade de encontrar jovens atores muito talentosos, muito conscientes e respeitosos com o ofício. Eu gosto muito de trocar, de ter esse diálogo com essa geração que está chegando. Temos bons atores surgindo, trabalhando arduamente para construírem as suas carreiras.”
A televisão, em suas múltiplas formas de veiculação, tem sido o palco de histórias que, por décadas, emocionam e conectam o público brasileiro. Gloria Pires reflete sobre o papel atemporal das novelas e seu impacto na sociedade. Para ela, a essência das boas narrativas transcende o meio pelo qual são transmitidas, permanecendo sempre relevante. Mesmo com o advento de novas tecnologias e plataformas, a dramaturgia televisiva continua a ser uma peça-chave da cultura nacional, dialogando com o povo de maneira única. Gloria afirma: “As boas histórias sempre terão espaço, nos veículos de comunicação (TV aberta ou streaming) e na casa das pessoas. Não tenho dúvidas disso! Acho que a forma como consumimos pode até mudar, mas esse formato diz muito sobre a nossa cultura”.
Em sua vasta trajetória, tanto no âmbito pessoal quanto profissional, Gloria Pires encontra motivos profundos para se emocionar. Sua família, sendo um refúgio seguro e fonte constante de carinho, ocupa um lugar de destaque em seu coração. Ao lado disso, a arte que ela exerce com tanto afinco também desperta suas emoções, já que através do trabalho ela se conecta à nobre tarefa de contar histórias e criar universos imaginários. A relação entre vida e arte é, para Gloria, um fluxo contínuo de inspiração e sensibilidade. “Muitas coisas! Minha família, sem dúvida, é algo muito rico que sempre acolhe, e isso é fantástico. O trabalho também me emociona muito porque está sempre ligado ao fato de contar histórias, criar mundos”, conclui a atriz.
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