*Por Vítor Antunes
Na história da teledramaturgia, vários foram os atravessamentos que interferiram na produção das novelas. A duração das tramas, o apelo junto à audiência, bem como problemas internos não só entre os autores e a emissora, mas entre os novelistas e seus colegas de elenco nem sempre geram uma relação amistosa. Há casos onde o próprio autor falece durante a escrita do projeto e precisa ser substituído – caso de “Eu Prometo”, que passou a ser assinada por Gloria Perez. A autora de “Travessia“, atual novela das nove, também acabou assinando sozinha “Partido Alto”, que, em princípio era dela e de Aguinaldo Silva. A incompatibilidade de métodos dos autores custou a saída dele. Nem mesmo um sucesso é garantia da permanência de um autor. Durante “Os Imigrantes”, vitoriosa trama da Band, Benedito Ruy Barbosa foi contratado pela Globo e a trama passou às mãos de outros profissionais. Dentre tantos casos, o mais traumático seja o de “Sol de Verão”, onde Manoel Carlos perdeu não apenas o protagonista de sua novela, como o seu melhor amigo, Jardel Filho (1928-1983). Sem condições emocionais de seguir, a novela terminou por ser escrita por Lauro César Muniz e Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006). Veja!
Partido Alto, 1984
“Boni queria que eu fizesse uma novela das oito. Daniel Filho queria que o Aguinaldo Silva fizesse uma novela das oito. Duas pessoas que não se conheciam, entraram num elevador e descobriram que iriam trabalhar juntas, como num casamento arranjado”. Foi desta maneira que Gloria Perez apresentou a este repórter a parceria estabelecida entre ela e Aguinaldo Silva. “Partido Alto” foi exibida em 1984 e reúne algumas das marcas de seus autores. A escola de samba e o jogo do bicho, ambientes tão caros a Aguinaldo Silva estavam ali, tanto como o merchandising social e o subúrbio de Gloria Perez. Contudo, como os autores não dispunham dos mesmos métodos de trabalho a relação entre ambos era difícil. É o que Gloria explica, numa entrevista exclusiva: “Não foi uma boa experiência por que nós temos métodos diferentes de criar. Aguinaldo [Silva] planeja com muita antecedência tudo e eu escrevo por impulso. Isso não podia dar certo”. Na metade da trama o autor abdicou de continuar conduzindo a novela, que foi escrita até o fim unicamente por Gloria Perez.
Foi muito sacrificado, mas é uma novela que tem muitas qualidades interessantes ali – Gloria Perez
Com efeito, desde a exibição de “Partido Alto” as diferenças metodológicas dos autores se solidificaram. Aguinaldo escreve com muitos colaboradores, que pontuam os diálogos baseados em sua escaleta. Perez, por sua vez, escreve sozinha, como na atual trama das 21h, Travessia. “Partido Alto”, porém, não foi a única experiência de Gloria Perez ao conduzir uma trama após a saída de um dos autores.
Eu prometo, 1983
Grande nome da teledramaturgia, Janete Clair (1925-1983), tratava-se de um câncer desde 1979 e estava muito fragilizada de saúde. Ainda assim, não queria deixar de trabalhar. Ainda soente, escreveu as novelas “Pai Herói” (1979), “Coração Alado” (1980) e “Sétimo Sentido” (1982). Por sua vontade, escreveria a sucessora de “Louco Amor” (1983), mas a Globo, cuidadosa, destinou à autora o horário das 22h, que até então estava extinto, e permitiu que ela escrevesse “Eu Prometo”. Em vez de seis capítulos diários, eram exibidos cinco e todos tinham no máximo 30 minutos de duração, em vez dos tradicionais 45 minutos que contemplavam uma trama das 20h daquela época. Para conferir maior segurança, a Globo destinou à autora uma colaboradora, a então estreante Gloria Perez.
Não sei se vou chegar ao fim dessa novela, mas quero que essa novela chegue ao fim. – Janete Clair (1925-1983)
Com efeito, “Eu Prometo” foi a última novela da autora, que escreveu-a até o capítulo 60. Gloria Perez deu seguimento à escrita, concluída em 103 capítulos. Antes de sua partida, Janete instruiu Perez sobre como gostaria que a trama fosse encerrada e a discípula assim fez.
Caso semelhante, no qual o autor principal faleceu, torna a ocorrer em 1993, em “O Mapa da Mina”. Cassiano Gabus Mendes (1929-1993) faleceria durante a exibição da sua trama, exibida sem sucesso, no horário das 19h. Todavia, o último capítulo já havia sido entregue à TV quando de seu falecimento.
Anastácia, a Mulher sem Destino, 1967
Exibida em 1967, “Anastácia” é conhecida por tratar-se da única experiência do ator Emiliano Queiroz como roteirista. Inexperiente no formato, pois que só havia adaptado, sob a supervisão de Gloria Magadan (1920-2001) um programa onde eram dramatizadas cartas enviadas por telespectadores, coube a Queiroz, adaptar os romances “A Toutinegra do Moinho” e “O Prisioneiro de Zenda” para o formato de teledramaturgia. Com um elenco inflado, a novela passou a enfrentar problemas. Historicamente passou a ser subentendida como um fracasso de repercussão, ainda que tenha tido uma audiência irregular – durante sua exibição ocupou do primeiro ao nono lugar de audiência. A fim de conferir maior dinamismo à narrativa e enxugar a quantidade de personagens, Janete Clair entrou no circuito, e no capítulo 58, determinou que haveria um terremoto que mataria boa parte dos personagens. A partir deste ponto, Clair assumiu a escrita da trama e a concluiu.
Com o passar dos anos, os cronistas de televisão inflaram ainda mais o já grande elenco, dizendo que havia mais de 100 personagens em “Anastácia”, fato que inclusive consta no site da própria Globo. Dois periódicos da época – Manchete e O Cruzeiro – diziam que o grande elenco de Anastácia tinha cerca de 40 atores, o que é reiterado pela autora substituta. Outro dado curioso é que, provavelmente, Anastácia foi uma das primeiras novelas “das oito” a ser exibida aos sábados. Senão a primeira.
Bang Bang, 2005
Mário Prata estaria de volta à teledramaturgia da Globo, emissora na qual não escrevia novelas desde 1977, com “Sem Lenço Sem Documento”. A proposta era ousada: Retratar o Velho Oeste americano, no horário das 19h, afeito a comédias. Após haver escrito 34 capítulos, Prata pediu afastamento da novela por questões de saúde. Estava com tendinite, o que o impedia de digitar os episódios. Enquanto recuperava-se, a trama foi tocada pelos colaboradores da trama. Depois, Carlos Lombardi foi chamado a liderar a equipe e, com a impossibilidade do retorno do autor titular, o substituto assumiu a condução de “Bang Bang” em definitivo. Deferida a substituição, Prata disse à Folha sentir-se “[Culpado] e frustrado” por haver deixado sua novela. Quando perguntado por aquele jornal se gostava da trama sob a batuta de Carlos Lombardi, afirmou: “O Lombardi, que eu admiro muito, matou 15 personagens e tirou a camisa de outros. Ele pegou uma novela escrita por outro. É difícil”. Mário estava desde 1996 afastado do segmento, quando escreveu “O Campeão”, para a Band. Sua primeira novela na Globo foi “Estúpido Cupido”, um sucesso de 1976. Na mesma entrevista à Folha, destacou a maior diferença existente na escrita de novelas nas duas épocas: Em “Estúpido Cupido” cada capítulo tinha 16 laudas. Agora, são cinco pessoas escrevendo [em conjunto] um capítulo de 42 laudas. Eu não sei administrar tanto colaborador”. E finalizou dizendo:
Posso dizer com letras maiúsculas que nunca mais escrevo novela. Se a Globo topar, faço a sinopse de uma e a equipe toca – Mário Prata.
Brida, 1998
“Tem que dar certo (…). É claro que estou contando com o sucesso do Paulo. Não consigo imaginar alguma coisa que tenha o nome dele e não dê certo”. A fala de Walter Avancini (1935-2001) traduzia um pouco da esperança da Manchete em se reerguer. Afundada em dívidas, descapitalizada, sem banco de atores e desacreditada no mercado a emissora dos Bloch tentava se reerguer pautando-se no sucesso do livro homônimo escrito por Paulo Coelho em 1990. Coube a Jayme Camargo roteirizar a trama, que dizia-se cobrado em razão do sucesso do livro de Coelho: “Estou adaptando o texto de um escritor que é sucesso no mundo inteiro. A comparação e a cobrança serão inevitáveis”. Por tratar-se de uma novela mística e considerando a crise da TV, a Folha consultou a astróloga Leiloca, que foi cautelosa ao dizer sobre o futuro da trama “Adoraria dizer que a posição dos planetas no dia 11, quando a novela entra no ar, é excelente (…) mas no horário de 21h40, Saturno, Vênus e Netuno se encontram em posições tensas”. A astróloga estava correta. Jayme Camargo, o saiu da trama no capítulo 14 e foi substituído por Sônia Mota e Angélica Lopes. Segundo declarações de Avancini na época, a intenção era mudar a perspectiva da novela “Jayme conferia um olhar muito masculino à trama, explorando muito as ações externas dos personagens. Quero uma história mais intimista, mais feminina. Não estava gostando desde o início. [Em “Brida”] (…) tudo vai ser diferente”, alegou. A mudança não surtiu efeito. Pelo contrário. A média de audiência, que era de 3 pontos, caiu para 2. No capítulo. Totalmente exaurida em recursos e com os atores entraram em greve, a Manchete abortou a novela no capítulo 54, através da exibição de um último capítulo improvisado, com uma narração em off.
Os Gigantes (1979)
“Acho que “Os Gigantes” vai conseguir menos audiência que as outras novelas. Ela vai encontrar muita resistência por parte do público, não só por abordar temas como a eutanásia, mas por causa da personalidade de Paloma. Mas estamos cientes por que ela coloca em xeque e vai discutir os valores morais mais conservadores.” – O próprio autor de Os Gigantes apresentava assim sua novela, na matéria de divulgação da trama, publicada em O Globo de 20/08/1979. A problemática novela de Lauro César Muniz substituiu “Pai Herói”, e trazia temos espinhosos, como a eutanásia, o avanço das empresas multinacionais nos países subdesenvolvidos, além de sugerir a homossexualidade de sua protagonista. Sob a premissa de estar vivendo uma mocinha disruptiva, Dina Sfat (1938-1989) topou fazer Paloma. Todavia, a atriz não entendeu-se com o texto de Lauro. “Essa personagem me preocupa e ainda não a conheço inteiramente, apesar de já ter gravado mais de trinta capítulos”, declarou a atriz ao Jornal O Fluminense, em agosto de 1979. Segundo pesquisa do jornalista Sebastião Uellington, a gota d’água na relação já difícil entre a Globo e o autor deu-se por conta das críticas que ele fizera a uma das patrocinadoras da TV, a multinacional Nestlé, haja vista que a fábrica-vilã da trama chamava-se Eltsen – Nestlé ao contrário. Essa foi a gota d’água para o afastamento definitivo de Lauro da redação de Os Gigantes e da emissora. A partir daquele momento, a novela passou para as mãos de Maria Adelaide Amaral, que já colaborava informalmente com Muniz. A Globo convidou Benedito Ruy Barbosa para concluir a trama, que não aceitou fazê-lo em solidariedade ao amigo, o que resultou em sua demissão da TV. Cabendo, então, a Walter George Durst (1922-1997) a conclusão da trama. Uma das manchetes resgatadas em pesquisa de Uellington é definitiva, e resume bem o que aconteceu na malfadada trama de 1979: “Os Gigantes derrubam seu criador”
Os Imigrantes, 1981
A turbulenta saída de Benedito Ruy Barbosa culminou em sua transferência para a TV Bandeirantes. Em 1980 escreveria “Pé de Vento”. Após esta novela, aresentou uma proposta de novela que já havia estado na Globo e foi muito bem avaliada por Dias Gomes (1922-1999). Walter Avancini, diretor artístico da emissora, topou o desafio e pôs no ar “Os Imigrantes”. Reconhecida pela crítica, a trama rendeu à TV dos Saad o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), além de uma audiência importante naquele momento. Após haver escrito mis de 200 capítulos da novela, Ruy teve uma crise de estafa e largou a trama. A partir do capítulo 313, Wilson Aguiar Filho (1951-1991) e Renata Pallottini (1931-2021) assumiram a autoria na penúltima fase da história, sob a crítica do autor original, que retornou à Globo, onde escreveria “Paraíso” (1982).
Sol de Verão, 1982
“Sol de Verão” era a segunda novela das oito escrita por Manoel Carlos. depois do sucesso de “Baila Comigo”, a Globo destinou o principal horário de teledramaturgia ao autor, que vinha conduzindo a “ensolarada” trama com muito sucesso. O protagonista da novela era Jardel Filho (1928-1983), muito amigo do autor, e a quem dedicava o projeto. Em fevereiro de 1983 o ator principal sofreu um ataque cardíaco fulminante e faleceu. Abalado pela perda de seu amigo e do protagonista de sua novela, Maneco afastou-se da condução da trama, sendo substituído, emergencialmente, por Lauro Cesar Muniz. Por não conhecer a novela, que não acompanhava, Muniz contou com o apoio de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), que também era dramaturgo e auxiliou na roteirização do folhetim. Após os últimos capítulos gravados por Jardel exibidos, a novela teve mais dezessete. Como não havia nada para substitui-la a Globo optou por uma reprise de “O Casarão” até que “Louco Amor” pudesse ir ao ar.
Esperança, 2002
A novela “Esperança” vinha no rastro do sucesso de “Terra Nostra”, exibida em 1999. Para a novela a Globo preparou-se e investiu fortemente: A Cidade cenográfica era enorme, Fernanda Montenegro foi convidada a estar no elenco, que era estelar. Além dela, havia Raul Cortez e Antônio Fagundes e Lúcia Veríssimo, que vinha de um período sabático na TV. A trama teve cenas gravadas na Itália e contou com atores portugueses, como Nuno Lopes. A emissora apostou suas fichas em Priscila Fantin – revelada em Malhação – que viveria a protagonista. Reynaldo Gianecchini, que ainda colhia os louros de “Laços de Família”, viveria o papel protagônico masculino. Completando o triângulo amoroso, estava Ana Paula Arósio. “Esperança” entrava num campo de excepcionalidade por tratar-se de uma novela das 20h que não era contemporânea. Após 1969 foram poucas as ocasiões nas quais a Globo exibiu uma novela de época em sua principal faixa teledramatúrgica. A novela já iniciou com problemas: Benedito Ruy Barbosa queria abordar a Segunda Guerra Mundial, mas o assunto havia sido tratado pela minissérie “Aquarela do Brasil”, exibida pouco tempo antes. Outro complicador deveu-se à estreia da trama haver acontecido na mesma época da Copa do Mundo. Após alguns meses no ar, o roteirista da novela passou por problemas pessoais: Sua mãe internou-se. Por acompanha-la no hospital e encontrar dificuldades para prosseguir na escrita da trama – cujas gravações atrasaram de tal maneira que dizia-se que ela era exibida ao vivo – Walcyr Carrasco assumiu a autoria do folhetim e mudou radicalmente os rumos da narrativa, o que desagradou Barbosa. Por fim, Carrasco conseguiu subir os índices de audiência do produto, que encerrou sua exibição com 209 capítulos.
O Amor é Nosso, 1981
“O Amor é Nosso!” passou por toda a sorte de azares. Primeiro para decidir qual seria o nome da novela. Um dos primeiros seria “Transe Total”, haja vista que um de seus autores era o psicanalista Roberto Freire (1927-2008), que era coautor junto a Wilson Aguiar Filho, este último maia experiente e familiarizado com a carpintaria teledramatúrgica. O protagonista da novela era Fábio Júnior, e entre alguns dos objetivos da trama era, também, alavancar a carreira do ator-cantor, que era contratado da Som Livre, gravadora pertencente às Organizações Globo. A baixa audiência da trama acabou por trazer Walter Negrão à escrita da trama, que centralizou a roteirização da novela dando a ela uma melhor fluidez, ainda que isto não se refletisse na audiência que era baixíssima para os padrões da época. Prevista para encerrar em dezembro, a trama viu seu último capítulo em 1981. A historiografia da TV brasileira costuma dizer que a novela foi totalmente apagada dos acervos da Globo, justamente por seu insucesso. Uma fonte ligada ao Centro de Documentação da emissora contatada pelo Site HT negou esta informação, embora reconheça que a obra está incompleta.
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