*Por Brunna Condini
Escrita por Glória Perez, a sequência que abre ‘Travessia’, folhetim que substituirá ‘Pantanal‘ no horário das 21h na Globo, traz um tema contemporâneo e que pede reflexão, já que pode causar danos: a deepfake. Na trama, um grupo de jovens, em Portugal, faz uma montagem fotográfica, sem avaliar o quanto pode prejudicar a dona da imagem usada, no caso, a personagem de Lucy Alves, Brisa, que, no interior do Maranhão, tem a vida impactada drasticamente, e se vê obrigada a realizar uma árdua travessia para recuperar sua identidade. A autora destaca que o start da novela se dá quando a protagonista é acusada de ser uma sequestradora de crianças. Tudo por que um vídeo editado de maneira irresponsável, do outro lado do mundo, tem o rosto de uma criminosa trocado pelo seu. O material viraliza nas redes sociais e ela é perseguida, o que transforma sua trajetória irreversivelmente.
Tendo como constante inspiração a vida real para suas tramas, Glória confirma que o caso de Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, que foi linchada até a morte por moradores, no Guarujá (SP), em 2014, após ser confundida com uma suposta sequestradora, foi uma triste inspiração para a sequência que poderá ser conferida na história. “Foi um caso que me impressionou muito. Acho que foi o primeiro grande drama causado por essas ‘brincadeiras’ de internet, que não brincadeiras, já que estão no âmbito criminal. Na trama, isso será tratado pela delegada Helô (Giovanna Antonelli), que volta à uma novela minha, para tratar de crimes da internet. Vamos falar de assédio por computadores, estupro, abusos. A tecnologia trazendo também temores, questionamentos, consequências, esse é o tema central da novela”, conta.
A travessia é física e das vidas individuais das personagens, que mostrarão como serão tocadas por esse caminho – Glória Perez, autora
“No caso da Fabiane nem se tratava de uma fotografia em que tivessem colocado o rosto dela, era um retrato falado. Então, veja o alcance e as consequências do que chamam de ‘brincadeira’. Neste caso do Guarujá, nem havia uma sequestradora sendo procurada, alguém colocou isso de graça em um grupo da internet. A Fabiane chegou em uma praça, alguém achou que ela era a mesma do retrato e foi o bastante para uma atrocidade. O fenômeno da multidão, o efeito rastilho de pólvora. A moça foi linchada, nossa Brisa não vai ter esse triste fim. Mas quis trazer esse assunto para mostrar até onde pode ir esse tipo de coisa. Um ser humano perdeu a vida. E também, quero que percebam o comportamento das pessoas de irem muito fácil ao linchamento. Elas respondem a esse ‘chamado’ sem pensar, de forma mecânica”.
Não acho que polêmica em cima de novela ajuda e nem atrapalha, só faz parte – Glória Perez, autora
Nascida e criada no interior do Maranhão, Brisa é uma mulher aguerrida, vivaz e cheia de atitude. Desde a adolescência, ela namora Ari (Chay Suede), com quem está de casamento marcado quando a história começa. Por conta de uma viagem que o rapaz precisa fazer para o Rio de Janeiro, Brisa aceita o adiamento da cerimônia, mas percebe que o amado não é mais o mesmo e decide ir atrás dele. É neste dia que sua vida vira de cabeça para baixo e seu destino cruza com o personagem de Rômulo Estrela, Oto. “A travessia é física e das vidas individuais das personagens, que mostrarão como serão tocadas por esse caminho. Tudo tendo a tecnologia como pano de fundo”, diz a autora.
Falaremos da fake news que dá o ponto de partida na trama, e trataremos disso de uma forma nunca vista antes na dramaturgia – Glória Perez, autora
“Em todos os meus trabalhos gosto de olhar como a sociedade se comporta em relação à tecnologia. Com a internet, temos um grande avanço que permite que as pessoas interajam entre si, o mundo fica pequeno. Mas pensar em como utilizar as ferramentas é preciso. Vamos falar das novas modalidades de crimes, coisas nefastas, que podem vir através de algo que é maravilhoso como a internet. E também de robótica, inteligência artificial. E outros temas, que vão resgatar essa fake news que dá o ponto de partida na novela. Trataremos de tramas em relação a isso, de uma forma nunca vista antes na dramaturgia, aguardem”, anuncia.
Relação com internautas
“Sempre presto a atenção em como o público está recebendo a novela. Se ele não está entendendo, a culpa é minha, de quem escreve. Então, eu escuto as pessoas nas ruas, além das redes sociais. Capturamos ruídos em pequenos espaços, até em fila de banco. Já na internet, é preciso ter olho para identificar o que é espontâneo e o que vem de encomenda. Não que mude a história de acordo com as pesquisas, porque o público gosta de ser surpreendido por um desfecho inimaginável, mas se aquilo não está chegando ao espectador, a responsabilidade é do escritor”, observa.
Polêmicas
Sobre a polêmica na escalação da influenciadora e ex-BBB Jade Picon, Glória é sucinta: “Vivemos em um momento em que as pessoas gostam de fazer polêmica, e esquecem que a arte não tem só uma porta de entrada. É claro que é importante burilar, mas Jade é talhada para ser atriz. Queríamos fazer um lançamento e ela tinha o perfil, se saiu muito bem nos testes. Não acho que polêmica em cima de novela ajuda e nem atrapalha, só faz parte”.
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