*por Vítor Antunes
O Carnaval Globeleza sempre primou pela excelência de imagens em consonância com um jornalismo preciso, pontual. Jornalistas na concentração, outros na dispersão e alguns circulantes na pista sinalizavam quando aconteciam problemas e/ou acidentes e desacertos durante o desfile. Na transmissão deste ano, a emissora optou por voltar-se exclusivamente ao entretenimento, desprezando a capilaridade dos profissionais de comunicação da casa. Sem repórteres, a emissora limitou-se a colocar duas entradas de “influenciadores” emulando jornalistas. Na primeira noite de desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro, os apresentadores Alex Escobar, Milton Cunha e Karine Alves, sinalizaram haver “um probleminha” durante o desfile da Unidos do Porto da Pedra. Na verdade, alguns carros da agremiação enfrentaram problemas graves. O Carro 3, cujo queijo – suporte de apoio dos destaques – quebrou-se em frente ao primeiro módulo de jurados, o Carro Abre Alas que perdeu uma parte da estrutura também diante de um módulo de julgamento, e o último carro carro precisou desprender uma parte para seguir pela Sapucaí e, devido à parada, um grande buraco se abriu na avenida. Também a última alegoria, que, “ao fazer a curva da Avenida Presidente Vargas para entrar na Sapucaí, passou arrastando parte em uma grade de proteção e acabou atingindo uma mulher”, segundo o G1.
Para o canal Voz do Samba, ela era funcionária da Liesa. Já o Portal Srzd diz tratar-se de uma jornalista. A ausência de profissionais na pista impede até mesmo de saber quem foi a pessoa atingida pela alegoria. E não foi apenas a Porto da Pedra a apresentar um problema técnico. A Beija-Flor abriu um buraco na evolução, na frente do módulo duplo de jurados. A alegoria 5 apresentou um problema. No mesmo módulo duplo, o Salgueiro teve seu Abre-alas travado e abriu um buraco na altura do Setor 3. Nenhuma dessas informações foi passada pela Globo, transmissora oficial do carnaval. Mas coletadas em sites jornalísticos ou redes sociais especializadas na cobertura carnavalesca.
Sem repórteres, a emissora limitou-se a colocar duas entradas de influenciadores emulando jornalistas. Uma na concentração, Kenia Sade, e outro, Victor Dicastro, na arquibancada do Setor 1. Kenia faz mini entrevistas com celebridades e, Victor com populares. Outra a fazer interferências é a atriz Dandara Mariana, direto do Camarote Quem. A Di Castro, um torcedor do Salgueiro disse ter vindo de São Paulo para a Sapucaí a fim de homenagear o cantor Quinho, e, microfone na mão, o influencer completou dizendo: “Quinho que é o puxador do Salgueiro”. Na realidade, Quinho (1957-2024) morreu no início do ano. Kenia tratou o Salgueiro no feminino, como “a” Salgueiro. Algo que qualquer pessoa que convive minimamente com o carnaval, sabe ser um equívoco, tal como chamar o Império Serrano por “a” Império. A catastrófica transmissão da Globo, que deixou de ser jornalística para ser entretenimento, não serve bem nem a uma coisa nem a outra proposta. Ainda que competentes, os comentaristas e apresentadores limitam-se aos elogios genéricos que poderiam ser aplicáveis a qualquer agremiação. Leonardo Bruno, por exemplo, que reconhecidamente é um talento, praticamente não aparece. Ex-repórter da Globo, e que estava na cobertura do ano passado, Lívia Torres postou no X/Twitter: “Que falta faz o jornalismo”.
PALAVRÓRIO SUPERLATIVO OFUSCA ACIDENTES, PROBLEMAS E… CARNAVAL
Enquanto a cabine da Globo elogiava a opulência da Porto da Pedra, o jornalista Pedro Migão registrou em foto e apontou que um carro quebrado da agremiação gonçalense “ocupa meia pista entre a escola e o último carro”. A foto de Migão mostra a pista já em penumbra, como se a Liesa houvesse acreditado que desfile acabou, o que não havia acontecido. Ou seja, a pessoa que deseja saber informações fundamentais sobre o desfile precisa fragmentar sua busca, já que algo que extrapole a esfera do magnífico não é mostrado. Aliás, nem mesmo as Comissões de Frente são mostradas na íntegra. O que é lamentável. A complexidade do desfile da escola de samba exige igual força para transmiti-la.
Com a mudança da transmissão do carnaval para o núcleo de entretenimento, como forma de ser mais rentável, a Globo excluiu o jornalismo do Globeleza. Nos dois últimos anos, ante à dificuldade de conseguir patrocinadores, a emissora optou por fazer um programa mais sedutor a eles, podendo exibir-lhes as marcas e vincula-las aos apresentadores e “influencers” de pista. Deste modo, repórteres do hard news não podem mais estar escalados, já que estes não podem vincular-se a marcas ou merchandising, segundo o protocolo da Globo.
Com isso, a cobertura se assemelhou àquelas de festivais como Rock in Rio e Tomorrowland. Só a imagem e a música importam. Inclusive, há de se considerar que mesmo antigamente havia problemas. Tanto a Globo como a emissora recorrentemente saudada pelos sambistas TV Manchete, desconsideravam a narrativa proposta pelas escolas de samba.
Ainda que seja falha, já que é o seu segundo ano ao vivo na exibição do carnaval, a Band fez uma cobertura digna. Chamou dois experts em carnaval e disponibilizou alguns – poucos – repórteres na concentração e na dispersão e não poupou críticas quando necessário. Não desprezou o entretenimento nem o caráter informativo. O Band Folia informou, por exemplo, o vazamento de óleo no carro do Império Serrano e as falhas de acabamento de uma de suas alegorias, assim como a fratura de uma das esculturas principais de um carro da Unidos de Bangu. Anos atrás, a CNT, sensivelmente mais pobre que todas as outras emissoras, lançava mão de repórteres valentes, no foco da notícia, ainda que dependentes de uma estrutura precária. A Manchete foi uma das primeiras a reportar o incêndio de grandes proporções da Viradouro em 1992. Aliás, isso faz pensar: E se acontecer algo semelhante neste ano? Só os veículos alternativos e segmentados repercutirão? A notícia esperará que um repórter de plantão saia do Jardim Botânico e chegue à Sapucaí? Neste ano, a Globo, restringe-se à superficialidade dos faisões albinos, mediocrizando o principal produto cultural do país. Reduzindo-o a apenas um álbum de figurinhas coloridas, bonitas e admiráveis apenas por serem “cromadas e autocolantes”.
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