*por Vítor Antunes
Após “Éramos Seis” e o fim de seu contrato de longo prazo com a Globo, Giullia Buscacio está de volta à teledramaturgia global. Pela primeira vez, Giullia faz uma participação especial numa trama, e não uma novela inteira, o que para ela é algo insólito. Destaca, porém, estar querendo investir em outros segmentos artísticos no audiovisual. Em “Travessia“, a atriz dá vida a uma personagem que é digital influencer, Bruna Schuller, mas cuja imagem é utilizada por um maníaco sexual, que assedia a personagem Karina (Danielle Olímpia). Giullia relata que nunca vivera algo desse teor na vida particular, porém destaca ter sabido que sua imagem fora indevidamente usada para a venda de roupas. A compradora inclusive procurou-a para reclamar que a peça nunca lhe fora entregue. “Me senti culpada, já que era a minha imagem ali veiculada e a gente não tem tanto controle sobre onde as nossas fotos vão parar”, dispara.
Nesta entrevista, ela também comenta papel de destaque em “Novo Mundo“, no qual dera vida à Jacira, uma indígena. Por ser branca, a atriz considera que, se a novela fosse gravada hoje, esta situação talvez fosse problematizada. Fala ainda como foi o trabalho como coprotagonista de “Éramos Seis” (2019), e sobre ter contracenado com Luciana Braga, que interpretou Isabel, a mesma personagem que ela, na novela homônima de 1994. Também relembrou o fim apressado da novela, em razão da pandemia de Covid.
DEEPFAKE
Um dos temas que vem sendo abordados em “Travessia” é o da deep-fake. Tecnologia na qual, através de inteligência cibernética, um rosto é implantado digitalmente no outro, ou criado de maneira digital, a fim de atender a objetivos diversos. Na atual trama das 21h, que vem tentando recuperar fôlego na audiência, Giullia Buscacio vive Bruna Schuller, uma atriz cujo face é aproveitada por um pedófilo vivido por Cláudio Tovar, para assediar Karina (Danielle Olímpia).
Uma das virtudes às quais costumam atribuir à autora da trama, Glória Perez, se dá por conta de a escritora ser visionária e conseguir adiantar algo que só será visto ou debatido no futuro. Foi assim quando trouxe a clonagem humana em “O Clone” (2001) e está sendo agora com os deepfakes. Na novela das 21h, Brisa (Lucy Alves) foi acusada de haver roubado crianças maranhenses, algo que motivou sua fuga para o Rio de Janeiro.
Já no caso da personagem de Buscacio, o maníaco vivido por Tovar lança mão de um expediente semelhante e manipula a sua própria imagem, fazendo-a igual à da influencer Bruna Schuller. Para fazer com que a fala do personagem assediador tivesse similaridade ao tom daquela vivida por Giullia, ela, Tovar e Mauro Mendonça Filho, diretor da trama, elaboraram um conceito fundamental. “Bruna fala exatamente o mesmo que o personagem criminoso. De modo que gravamos simultaneamente os três. Eu tenho um ponto no ouvido, ouço o ator e sigo a sua tonalidade de voz. É algo bem ensaiado. O maior desafio é trazer essa questão tecnológica, já que muitos achavam que era uma tecnologia fazendo uma personagem, quando era eu mesma vivendo-a. Era preciso que entendessem que Schuller não era uma mulher virtual, mas uma atriz fazendo-a”, diz ela. A primeira cena envolvendo os três personagens viralizou na Internet tão logo a cena foi exibida.
Eu escuto o que o personagem do Claudio fala e reproduzo. Era difícil até para mim, que chegava em casa um pouco mexida. Enquanto mulher eu sei o que é isso. Sei como é esse risco. Tive amigas que tiveram fotos e vídeos vazados. As falas do personagem me doem por saber que alguém ouviu isto de verdade – Giullia Buscacio
Ainda sobre este tema, a atriz relata uma situação constrangedora que enfrentou e que também diz respeito ao deepfake. A mãe de uma menina procurou-a relatando que comprara uma roupa que, supostamente fora indicada por Giullia em um comercial. “Ela disse que eu havia feito a propaganda do look, porém, nunca recebeu, bem como o dinheiro de volta nem nada. Me senti culpada, já que era a minha imagem ali veiculada e a gente não tem tanto controle sobre onde as nossas fotos vão parar. É algo que aconteceu comigo e com a minha personagem também, pois usam os vídeos dela para cometer crimes horríveis”, associa. Fala-nos Buscacio que não costuma ser alvo de hate , “mas se recebo algo de assédio ou agressivo, eu não dou muita atenção. Não dar foco ao ódio nas redes muda tudo”.
A atriz prossegue dizendo já haver sabido de fotos suas em apps de relacionamento, por exemplo. “Sempre ressalto de que não estou nestes aplicativos e peço que tomem cuidado por que nem tudo é o que parece”, frisou ela, que namora o empresário Diogo Fialho desde o ano passado. E prossegue: “O que me assusta é a quantidade de relatos que me chegam das redes. Especialmente de pessoas alegando que suas mães chegaram a tempo de impedir algo mais grave, ou ainda de pessoas que mandaram conteúdo íntimo e que depois arrependeram-se”. Buscacio relata que quando era mais jovem esse tipo de montagem já acontecia, em redes sociais antigas e extintas, como o Orkut, por exemplo, mas que hoje a tecnologia para este fim está mais sofisticada.
Esta é a primeira vez na qual a atriz fará apenas uma participação e não uma novela completa, como lhe é habitual. “A dinâmica é bem diferente que eu estava acostumada. Fiquei muito animada. Não sabíamos qual seria o desenrolar dessa história e imaginei tratar-se de uma participação mais breve”, afirma ela, que acredita ser este o seu primeiro personagem com este perfil do merchandising social, comum nas obras de Glória Perez. A jovem afirma estar recebendo um bom retorno do público em razão deste trabalho.MUNDO NOVO, VIDA NOVA
Uma das músicas de Gonzaguinha (1945-1991), diz ser necessário “rasgar no tempo o meu próprio caminho”. Pela primeira vez, a atriz fala sobre não estar mais como contratada pela Globo: “Fiquei cinco anos na casa e as pessoas me associam àquela TV. Estou feliz de estar de volta e em um trabalho com a Gloria [Perez] e Mauro [Mendonça Filho] e estou na expectativa de fazer outros formatos que não novela. Fiquei muitos anos fazendo teledramaturgia, tirei um tempo para me reciclar, estudar espanhol e estou mais amadurecida como atriz para fazer outros formatos”.
De acordo com suas falas, a novela continua e continuará sendo um dos principais formatos de dramaturgia no Brasil. “São muitos os lugares que ela atinge. O formato permanecerá por anos, e é um gênero que o Brasil ama, além do papel social. Todo mundo tem uma TV ligada em qualquer lugar do Brasil, tamanha a importância do veículo. Trata-se de algo que não vai se perder facilmente”.
Uma das últimas novelas da atriz na emissora carioca foi “Éramos Seis“, cujas gravações de sua última semana foram afetadas pela pandemia. A trama foi interrompida às pressas em razão do toque de recolher provocado pela Covid. “Foi um trabalho tão bem sucedido que eu gostaria de ter encerrado de uma oura maneira. Não teve abraço, não teve beijo, nem o encerramento bonito que a trama merecia”, lamentou.
Na trama atualizada por Ângela Chaves e exibida entre 2019 e 2020, Buscacio viveu Isabel, personagem que anteriormente fora interpretada por Luciana Braga, na versão de 1994 da mesma trama, exibida pelo SBT. Para Giullia o encontro foi muito especial já que “quando vamos fazer um remake, a gente olha os personagens feitos anteriormente. Poder vê-la trabalhando agora, ainda que com outro personagem, a Zulmira, foi algo significativo, e serviu como se eu estivesse recebendo uma benção da atriz. Fora aquela carinha dela que não muda, é a mesma da outra versão da novela”, afirmou, grata.
WHITE WASHING?
Um dos temas que vem recebido discussões contemporâneas é o white washing. Ou seja, a escalação de atores brancos para viver personagens racializadas – quer amarelas, indígenas ou pretas. Na novela “Novo Mundo“, de 2017, Giullia viveu Jacira, uma indígena. Perguntamos para a atriz, que é nascida em Portugal, se houve algum questionamento para si, sendo ela uma artista branca, interpretando tal personagem. Conta-nos que “na época não recebi nenhuma mensagem falando sobre isso. Inclusive, a Jacira foi abraçada pelo público, que gostou muito dela. Hoje sim, há quem veja nisso alguma estranheza. Porém, há de se destacar que não deixamos de ter indígenas na produção da trama, já que eles gravavam com a gente. Tentamos trazer atores e atrizes que eram indígenas e teve uma mistura ali no elenco sobre isso. Na época fomos à nação Parkatêjê, do Pará, e ficamos uma semana com eles, dormindo lá, tendo esse contato”, relatou.
Um dos pontos que os indígenas criticavam era que a população urbana não aceitava que eles tivessem se adaptado à vida atual. Não é por que eles têm celular ou coisas modernas que deixaram de ser indígenas – Giullia Buscacio
A fala da atriz no que tange à manutenção do pertencimento dos povos originários ainda que estes tenham sido alcançados pela tecnologia pode ser reiterada através da militante indígena Alice Pataxó, da aldeia Pataxó. Em entrevista concedida por ela ao Ecoa/Uol, Alice afirmou que “as pessoas ainda acham que aderir à modernidade tira da gente a nossa história e ancestralidade”. A ativista prosseguiu dizendo: “Cresci ouvindo de minha mãe que meus antepassados usavam borduna [arma indígena] para serem ouvidos e mostrarem que estavam lutando. Com o tempo, usamos a caneta. Hoje estamos descolonizando as telas do computador e falando com o mundo inteiro do celular. A gente mostra que nos adaptamos e não esquecemos de quem somos, não importa se usamos um celular, computador ou se morarmos na cidade. Isso não nos torna menos indígenas”.
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