* Por Carlos Lima Costa
Ao ser escolhida para interpretar a princesa Isabel (1846-1921), em Nos Tempos do Imperador, a atriz Giulia Gayoso se aprofundou na história da herdeira do imperador Pedro II (1825-1891) e considerou como grande descoberta a batalha dela para ser mãe, o que aconteceu praticamente dez anos após o casamento com Gaston d’Orléans, o Conde d’Eu (1842-1922). Desse aspecto, atualmente retratado na trama das 18 horas da Globo, soube mais detalhes lendo, por exemplo, a obra O Castelo de Papel, de Mary del Priore. O fato chamou mais atenção justamente porque Giulia tem visão oposta sobre maternidade. “Penso exatamente o contrário. Não tenho vontade de ser mãe, mas foi extremamente importante vivenciar a questão da maternidade na novela ao lado de Daniel Torres, que interpreta o Conde d’Eu. Na verdade, é um sentimento intenso e difícil, que muitas mulheres de fato enfrentam: a cobrança de ser mãe. No caso da princesa Isabel era muito grande em função de se ter um herdeiro para o trono”, pontua.
Quando revela que não planeja ter filho, Giulia sente o questionamento machista. “Tenho 23 anos, sou muito jovem. Falar isso é perfeitamente normal até porque em algum momento eu posso vir a mudar de ideia. Mas não me vejo sendo mãe, de verdade. Eu sou mãe da minha cachorrinha, de filhote de quatro patas. Agora, quando falo isso, a primeira reação das pessoas é: ‘Você vai mudar de ideia. Como assim não vai ser mãe? Você tem que entender que se uma mulher não tem filhos algo fica incompleto.’ Mulheres famosas como a Jennifer Aniston já falaram disso abertamente e foram criticadas por essa escolha, sendo vistas como vilãs. É difícil entrar nesse assunto, mas é uma conversa que devemos ter. Assim como é importante ver na novela das 21 horas, Um Lugar Ao Sol, a mocinha da história, a Lara, personagem da Andréia Horta, dizer com toda franqueza que não deseja ser mãe. É um tema que devemos debater”, comenta.
Congelar óvulos é uma recomendação que costuma escutar. “Isso pode ser uma opção para quem precisa, apesar de custar o preço de um carro. E no Brasil é grande a quantidade de pessoas sem condições financeiras para fazer isso. Hoje, pra mim, não faz sentido tomar esta atitude. Se eu quiser ser mãe em algum momento, eu tenho a opção da adoção. Sempre a carrego como o maior diálogo que tenho para quando as pessoas me falam ‘se for tarde demais’. Nunca vai ser tarde demais. Sempre poderei adotar”, ressalta.
Enfatiza ainda a grande quantidade de crianças que precisam de lares, jogando luz a outro preconceito: “Por exemplo, existem muitos casais homoafetivos que querem adotar, desejam dar um lar a uma criança e têm uma dificuldade enorme. É lindo quando vemos a sociedade avançando e conseguindo mostrar que esses casais propiciam um lar de qualidade. Eu fico feliz quando acontece”.
Em Nos Tempos do Imperador, outra questão abordada é o machismo, muito mais forte no século XIX, quando as mulheres eram totalmente submissas aos homens. Passados mais de 150 anos do momento atual da novela, mulheres ainda sofrem com o machismo em relacionamentos afetivos. Giulia mesmo já vivenciou essa situação. “É superdifícil e cada vez mais a gente entende que mulheres juntas são potência. Recentemente, fiz uma roda de amigas e fomos criando ali uma estatística de que a cada dez mulheres, nove e meia, se é que isso é possível, passaram por uma relação de abuso. Eu passei por relação extremamente abusiva, horrível, assim como passei por outras maravilhosas. Hoje, vivo um relacionamento de muita parceria e diálogo. Torço para que um dia essa estatística diminua ou não exista. Mas é difícil conseguir dialogar, é tão utópico. Quando você está em uma união onde tem machismo e a dinâmica do abuso, você é carregada para dentro disso”, desabafa.
E relata a experiência negativa. “Era abusivo em todas as características. É difícil até conseguir identificar, porque o abuso vem de todas as formas. E você acha que vai consertar a pessoa, mas isso não vai acontecer, ela não vai mudar. O único conselho que eu dou para todas as mulheres é a necessidade de ela ter uma rede de apoio. Por isso falo que mulheres juntas são potência. Toda vez que uma mulher ou um homem amigo identificar uma pessoa próxima vivendo uma relação abusiva, tem que dar apoio e aí a pessoa vai conseguir sair entendendo aos poucos, sem cobrança, no próprio tempo. Entre idas e vindas, vivi um ano e pouco, mas graças a Deus não tenho mais contato com essa pessoa”, frisa.
Giulia explica que em sua rede social, onde caminha para 600 mil seguidores, que é bastante ativa sobre essa questão e leva ao debate diversos preconceitos. “Sempre fui e depois do que eu vivi, me tornei mais ainda. Agora, as pessoas acham que por estar com voz ativa, você vai conseguir sair fora de uma relação dessas e não é bem assim. Mas, depois do que vivi, consegui me posicionar e me ver como um apoio, um pilar para mulheres que passaram ou estão passando por essa situação”, observa.
Giulia opina ainda sobre a questão do racismo, do que leva pessoas a se acharem superiores por conta da cor da pele. “É difícil. Há muito o que se consertar na sociedade. A Lei Áurea (assinada pela Princesa Isabel, em 1888), por exemplo, é a lei mais breve da nossa história. Aprendi isso com a Rosane Borges (pesquisadora da USP, que deu consultoria à novela). Como a pessoa vai abolir a escravidão, algo tão complexo, de forma tão simplista, sem nenhuma medida que contemplasse com a integração social, nenhum suporte. Então, foi criada uma dívida social gigantesca, que tem as consequências enormes que vemos diariamente nos noticiários ou que a gente não vê e que são ainda piores. Não é a generosidade que vai mudar o mundo. É a atitude, como fazer a diferença na urna”, enfatiza.
Ela aponta o que espera do presidente que vai ser eleito em 2022 para governar o país a partir de 2023. “O Brasil está um grande desastre. Torcíamos para que não fosse tão ruim, mas infelizmente sabíamos que viriam tempos sombrios. Mas veio muito pior, porque tivemos aí um inimigo invisível, o coronavírus, que piorou tudo e que descambou para o que estamos vivendo hoje. Teve o descaso com a vacina, com o vírus, tudo isso foi um caos e piorou todo esse desgoverno horroroso que trouxe tudo isso que nós estamos passando. Se pudesse assinar uma lei, eu assinaria o impeachment do (Jair) Bolsonaro. Não sei quem consegue estar feliz com o que está acontecendo hoje em dia. Tem gente pegando carne no lixo. O que é isso? E o preço da gasolina, o desemprego? Que a pessoa que venha aí traga esperança para o povo”, reforça.
E não acha que o país estaria diferente se a monarquia ainda existisse por aqui. “Acho que estaria tudo muito pior. Falar sobre monarquia hoje em dia é completamente utópico. Não faz sentido, não cabe. Onde a gente vê que tem monarquia, um exemplo, é o Reino Unido, funciona quase como uma fantasia e que consome um dinheiro ferrado. Fui para Londres e visitei lugares da coroa. Não é barato. Por exemplo, o ingresso custa 25 libras. Mas sai a 26, se você aceitar a sugestão deles de doar uma libra para a coroa. Para que eles querem mais dinheiro? Tem uma fala da novela que diz que a família imperial estaria vivendo uma vida espartana. Pelo amor de Deus! É um dinheiro gasto aos tubos, que não faz o menor sentido. Acho que no mundo hoje em dia não faria o menor sentido e não resolveria a nossa situação”, aponta.
E prossegue: “A gente precisa de democracia, um governo que entenda o que os brasileiros necessitam, que temos um país imenso, que entenda a diversidade que existe, que temos a Amazônia, uma floresta maravilhosa para preservar, sabe, alguém que entenda o valor da diversidade que temos ali. Meu namorado (o assistente de direção Rafael Coqueiro) está gravando Pantanal e me enviou de lá um vídeo vendo uma onça maravilhosa. Temos que preservar esse Brasil”, aponta. E sobre o filho do diretor Ignácio Coqueiro diz: “Sou super discreta. Já terminamos, juntamos, mas estamos aí há quase três anos construindo a nossa história”, conta ela, que estreou na TV, em 2007, fazendo uma participação em Dedé e o Comando Maluco, no SBT.
No cinema, atuou, por exemplo, em Onde Andará Dulce Veiga?, e teve destaque em Malhação – Pro Dia Nascer Feliz, participando ainda de novelas como Tempo de Amar e O Sétimo Guardião. “Com certeza, a princesa Isabel é um grande papel, contracenei com pessoas que admiro muito, a Mari (Mariana Ximenes), Leticia (Sabatella), o Selton (Mello). Tenho um carinho imenso por eles e fazer uma novela de época, uma pessoa que já existiu é, com certeza, muito marcante. Mas a personagem que mais me marcou foi no M8 – Quando a Morte Socorre a Vida, que me rendeu a primeira indicação como Melhor Atriz Coadjuvante no Festival do Rio, além, é claro de Malhação. Foi importantíssima, não tem como não lembrar”, frisa sobre a jovem de temperamento forte.
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