Giulia Costa: filha de Flávia Alessandra, a atriz fala da ditadura da beleza: ‘Se ouvir opinião alheia, a gente surta’


De volta à TV, em breve participação na novela ‘Quanto Mais Vida, Melhor!’, aos 21 anos, a atriz, filha de Flávia Alessandra com Marcos Paulo (morto em novembro de 2012), contesta padrões de beleza e aborda temas como machismo e competição entre mulheres: “A rivalidade feminina, por exemplo, está enraizada. Parece que a gente vive uma eterna competição com mulheres, onde temos que ser a melhor, a mais bonita, a mais bem vestida”. Em suas redes sociais, ela diz que é a militante da família: “Estou sempre trazendo pautas e as pessoas quando percebem que você é igual a todo mundo, tem as mesmas inseguranças, medos, questões, incertezas de qualquer jovem, se identificam”, frisa ela, que em 2022, conclui a faculdade de Cinema, se preparando para seguir também os passos do pai, como diretora

* Por Carlos Lima Costa

Muitos são os reflexos de uma sociedade machista. A forte cobrança estética que permeia o universo feminino é um desses. Muitas mulheres se tornam escravas de uma rotina de exercícios e procedimentos para se manter no padrão imposto. Mas nem todas estão sempre dispostas a sacrifícios ou cansam da rotina, preferem desconstruir os modelos estabelecidos. A atriz Giulia Costa, filha de Flávia Alessandra, vem buscando esse caminho.

“Eu já tive muito essa nóia de ter que malhar ou deixar de comer para manter meu peso. A partir do momento que não é algo natural você ter esse corpo perfeito do padrão que as pessoas exigem, que você está se sacrificando, não é legal. Tem que ser algo gostoso, harmônico e que seja minimamente possível de manter. Quando vira sacrifício, você não vai aguentar isso para o resto da vida, então, está errado. Tenho corpo totalmente diferente da minha mãe, que é diferente da minha irmã e, assim por diante, porque as pessoas são únicas, graças a Deus. De um tempo para cá tento desconstruir essa ideia da academia, da malhação como algo apenas estético, tirando essa pressão. Tem que ser algo prazeroso para a minha saúde mental, porque é um momento que eu gosto, me divirto, que faz bem para o meu corpo físico, assim como a alimentação”, defende ela, que em breve retorna à telinha em uma participação na novela Quanto Mais Vida, Melhor!. “É uma participação pequena, mas que vai explicar um X da questão ali bem importante da história”, resume.

E prossegue citando um exemplo prático de seu cotidiano. “Outro dia, fui tomar café com um amigo, tinha um cookie recheado de brigadeiro. Se estou com vontade, se meu corpo quer, eu vou comer. É triste essa preocupação que vivemos por conta dessa pressão, ainda mais quem é uma pessoa pública. A vida é uma só. Se estava com vontade não vou deixar de comer o cookie de brigadeiro em uma terça-feira, porque depois vão falar que eu sentei e estava com uma dobra na barriga. Óbvio que isso me deixa insegura, mas a gente tem que justamente tentar não se abalar com a opinião alheia, senão a gente vai surtar”, observa ela, que teve destaque em Malhação – Seu Lugar no Mundo.

"Minha mãe ama realmente se produzir, ser vaidosa. Eu não sou muito essa pessoa. Sou mais esportiva. O meu pai sempre falava que eu era meio moleca", conta Giulia (Foto: Sergio Baia)

“Minha mãe ama realmente se produzir, ser vaidosa. Eu não sou muito essa pessoa. Sou mais esportiva. O meu pai sempre falava que eu era meio moleca”, conta Giulia (Foto: Sergio Baia)

Giulia explica se cresceu com uma pressão por ser filha de Flávia Alessandra, que, aos 47 anos, ainda é referência de beleza de sua geração. “Com certeza. Não dentro de casa, porque aqui temos uma relação muito boa. Mas a minha mãe ama realmente se produzir, ser vaidosa e eu não sou muito essa pessoa. Sou mais esportiva. O meu pai sempre falava que eu era meio moleca. Não gosto muito de me maquiar, de ficar horas me arrumando, então, acho que as pessoas cobram muito isso. A mulher ainda tem que sentar e se arrumar direitinho, tem que estar sempre perfeita enquanto o homem não. O Otaviano (Costa), tem o cabelo grisalho, ok. Mas se a minha mãe deixar o cabelo branco, nossa, vão falar. As pessoas ficam chocadas que a Xuxa está envelhecendo. Que bom, que continue assim, é o caminho natural da vida. Então, existe sim essa cobrança muito maior com a mulher. E óbvio vai refletir em mim. Teoricamente dizem que estou num padrão de mulher, que realmente acho que estou. Sou branca, magra, cabelo liso, mas as pessoas sempre acham um defeito. Tenho braço muito grande para alguns, comentam que sou vesga, sei lá, as pessoas acham (risos)”, reflete.

Em relação à mãe, ela frisa que a relação das duas é de muito companheirismo. “Pela questão da fama fica difícil ela fazer alguns programas. Não a levaria para uma boate, mas, às vezes, a gente sai para beber. Teve um aniversário agora, fomos juntas. E a gente dança, se diverte, eu apresento músicas novas, DJs e cantores e ela fica superatualizada. Temos um mega companheirismo, sim. E escuto os artistas que ela ama. Na minha playlist tem MPB, rock nacional”, conta.

A família, aliás, se manteve unida durante a pandemia. “No início, como era tudo muito desconhecido, tinha menos informação, ficamos muito mais nervosos. Hoje, entendemos melhor, tem estudo, vacina, a gente consegue se tranquilizar um pouco mais, mas, além de ser jovem, estar nessa fase querendo se descobrir, se conhecer e sair, ver o mundo, eu acho que foi muito ruim. Estou cursando faculdade de Cinema, que é um curso superprático, então, perdi muito aprendizado, a vivência mesmo do que é a faculdade, deixei de ver os meus avós um tempão, a minha família toda que é superunida. Hoje, graças a Deus a gente já está se vendo. Esses foram os meus piores pontos”, relembra.

Giulia acrescente que agiu como uma jovem consciente sem ficar se aglomerando como tantos que lotavam bares na fase mais difícil. “Sempre priorizei ver os meus avós. Então, mesmo que não fosse por mim eu pensava neles. Jamais iria colocá-los em situação de risco. E, no início, sem vacina, sem conhecer direito a doença, a gente tentava se proteger mais. Ficamos isoladinhos aqui em casa todo mundo vivendo o lockdown. Do meu círculo de amigas sou sempre a mais tranquila. Elas falam que eu sou a mãe do rolê, porque eu sou superresponsável. É isso. Minha mãe me deu toda a liberdade e confiança do mundo. E por ela ter me dado isso eu sou muito centrada, tenho realmente muita responsabilidade, sei o que posso, o que não devo fazer”, observa.

"Tenho as mesmas inseguranças de qualquer jovem”, explica a filha de Flávia Alessandra (Foto: Sergio Baia)

“Tenho as mesmas inseguranças de qualquer jovem”, explica a filha de Flávia Alessandra (Foto: Sergio Baia)

Em relação aos estudos, conta que falta um semestre para concluir a faculdade de Cinema, na PUC, e que ainda hoje não retomou as aulas presenciais. O caminho que agora busca trilhar, tem, é claro, influência da trajetória do pai, o ator e diretor Marcos Paulo (1951-2012). “Tendo referências tão maravilhosas em casa e com certeza me influenciou para que tivesse essa escolha de forma mais rápida e certeira. Assim como o meu pai pôde trabalhar como ator conciliando com a direção, eu também não pretendo excluir as opções. As profissões se complementam e eu adoro as duas. Agora, estou mais focada na produção geral, porque é o mais novo e diferente pra mim, e para ganhar mais experiência”, explica ela, que desde pequena esteve nos bastidores das produções.

“A minha mãe me levava para me amamentar desde sempre. E o meu pai, eu o acompanhei muito quando ele fez o filme Assalto Ao Banco Central. Sempre adorei estar em set. Talvez mesmo que fosse de forma inconsciente eu já tinha esse fascínio pela câmera, em pensar em dirigir, sim, porque deixava de estar com amigas para estar no set. No final, elas não achavam tão legal, mas para mim era incrível”, recorda ela, que aos 12 anos, em julho de 2012, encenou sua primeira peça profissional, O Rei Leão II – O Ciclo da Vida Continua. “Foi meu único trabalho que meu pai conseguiu acompanhar e ele queria me dar várias dicas, filmar e não sei o que, então, por mais que eu fosse pequena isso de alguma forma já existia sim”, relembra, emocionada. Marcos morreria menos de quatro meses depois.

Além da atuação e da direção, Giulia é um sucesso nas redes sociais com 2,8M de seguidores no Instagram. “As pessoas tem um fascínio pelas celebridades e consequentemente também por sua família. Recebo muita mensagem dizendo ‘você é uma das únicas blogueiras que eu acompanho os stories, você é muito real, adoro quando mostra o teu dia a dia’. As pessoas têm uma ideia de que a gente de alguma forma é anormal. E se identificam e gostam quando percebem que você é igual a todo mundo, tem as mesmas inseguranças, medos, questões, incertezas de qualquer jovem”, acredita.

Aos 21 anos, fala abertamente sem meias palavras de suas inseguranças e incertezas: “Como por exemplo: se vou dar certo na carreira que eu estou escolhendo, sobre a ditadura da beleza. Às vezes, não quero sair, porque estou me achando muito feia. Às vezes, eu acho que o menino não vai me querer, que as minhas amizades são falsas. Então, acho que tenho as mesmas inseguranças de qualquer jovem”, avalia.

“A rivalidade feminina está enraizada. Parece que a gente vive uma eterna competição com mulheres, onde temos que ser a melhor, a mais bonita, a mais bem vestida", ressalta a atriz (Foto: Sergio Baia)

“A rivalidade feminina está enraizada. Parece que a gente vive uma eterna competição com mulheres, onde temos que ser a melhor, a mais bonita, a mais bem vestida”, ressalta a atriz (Foto: Sergio Baia)

O Instagram é seu lugar de fala, onde tem voz ativa e aborda sobre vários preconceitos. “Desde que entrei na faculdade, comecei a entender as mil questões sociais que ainda envolvem a nossa sociedade tão arcaica. Eu entendo que a gente tem que usar a nossa visibilidade para alertar as pessoas, porque infelizmente não é todo mundo que tem o mesmo acesso à educação de qualidade que eu tive estudando sempre em uma instituição privada. Quero usar o espaço e a voz que tenho para divulgar, democratizar o conhecimento de alguma forma, ainda mais sendo a rede social uma forma de entretenimento onde esse conhecimento se coloca de maneira mais agradável e leve. Igual ao cinema, que é um entretenimento, mas também de propagação de informações”, explica.

Temas como questão ambiental, feminismo, machismo, sociedade patriarcal, ela costuma abordar com frequência. “Estou sempre tentando falar como mulher que sofreu e sofre essa opressão e assédio, enfim, todo um machismo que está em nossa sociedade e racismo. Por a gente viver no Brasil, é uma pauta que infelizmente ainda está muito presente”, frisa. E revela que vivência tem sobre a questão do machismo, se já teve um namoro permeado pelo tema e como percebe o comportamento dos jovens de sua idade. “Eu não posso dizer se eu acho melhor do que na época da minha mãe, porque eu não vivi, mas os meus amigos ainda são muito machistas, a minha família, a nossa sociedade, o Brasil é muito machista. Eu já tive namorado machista. Que homem que não é machista? Sabe. Infelizmente. Mas estamos em eterno processo de desconstrução. Tendo a consciência e tentando desconstruir já é um primeiro passo. Em maior ou menor grau todo mundo tem um pouco de relacionamento tóxico, sabe, seja o cara ficar ciumento com uma roupa sua, seja o caráter, ciúmes excessivos porque a mulher ganha mais”, comenta.

E acrescenta: “A rivalidade feminina, por exemplo, está enraizada. Parece que a gente vive uma eterna competição com mulheres, onde temos que ser a melhor, a mais bonita, a mais bem vestida. A gente não pode estar com vestido igual que é a morte, porque colocaram isso na nossa cabeça, sabe, qual o problema? Se um cara está com a mesma blusa de um outro, eles vão tirar uma foto juntos, todo mundo vai achar legal, vão ser parceiros e beleza. Mas se a mulher está é a morte. Colocam na nossa cabeça de que a gente está sempre competindo e não é assim, sabe, eu quero ser amiga das outras mulheres, quero dar a mão para elas, poder ajudá-las”, pondera.

"Qualquer tipo de extremismo e radicalismo realmente não é legal. Espero que a gente saia de um governo tão desigual", frisa Giulia (Foto: Sergio Baia)

“Qualquer tipo de extremismo e radicalismo realmente não é legal. Espero que a gente saia de um governo tão desigual”, frisa Giulia (Foto: Sergio Baia)

Tão jovem já viveu a exposição negativa inerente à profissão do artista. Seu nome foi muito citado na briga judicial pela herança do pai envolvendo nomes como o da mãe e de Antônia Fontenelle, última parceira afetiva de Marcos. Ou na relação de amizade dela com Beatriz Bonemer, filha de Fátima Bernardes e William Bonner, de chegarem a comentar de possível namoro entre elas. “É chato, é óbvio que incomoda. Se falasse que eu ignoro e que por isso não me afeta é mentira. Acho triste. A gente está em um país que está com tanta coisa ruim, tanto problema sério e aí fica um tipo de jornalismo ruim e divulga notícias maldosas minhas com a Bia. Se fosse verdade, não teria problema nenhum em falar que eu sou lésbica, que eu faço parte da comunidade LGBTQIA+, mas a partir do momento que inventam isso, desvalida toda luta, sabe. Minha mãe me dá várias dicas, porque viveu muito isso, já está cascuda, mas óbvio que a gente sempre se afeta nem que seja um pouquinho”, afirma.