Giselle Tigre: “Sou solidária à causa LGBTQIA+. Era para toda novela ter um casal plural”


A atriz aponta que uma das funções da arte é fazer as pessoas refletirem e que há dez anos, quando protagonizou beijo gay na novela Amor & Revolução, o público torcia pelo casal. “O Brasil era diferente. Vivemos um retrocesso, ficou mais preconceituoso”, observa ela, atualmente no elenco de Gênesis, na Record. Aos 35 anos de carreira, Giselle, que também canta, vai lançar, no próximo dia 12, nas plataformas digitais ‘Arvorada’, sua primeira composição. E, em 2022, quando completa 50 anos, vai lançar o livro ‘O Melhor da História É Agora’, com reflexões sobre a maturidade. Da juventude, lembra das cobranças quando tinha trabalho mais intenso como modelo. “Tinha que manter a linha e eu sempre lutei contra três quilinhos a mais. Engordava um pouco e fechava a boca, sempre oscilando. Sou contra essa ditadura da beleza e acho legal que o mercado, hoje, olha para todas. Gosto de ver mais modelos maduras nas capas de revistas. Como mulher madura, gosto de me ver representada”, frisa

* Por Carlos Lima Costa

A relação entre pessoas do mesmo gênero já foi retratada algumas vezes nos folhetins com mais ou menos aceitação. Há exatos 10 anos, na novela Amor & Revolução, do SBT, as personagens das atrizes Giselle Tigre e Luciana Vendramini deram um beijo na boca em uma das cenas mais comentadas da dramaturgia televisiva em 2011. “Na época, a repercussão foi muito grande, o público queria ver aquele casal feminino se amando, e, na verdade, minha personagem era hetero na história. Ainda falam desse beijo. Fez tanto sucesso que até hoje inspira pessoas, dizem que foi importante para abrir discussões em casa. Uma das funções da arte é levar reflexões. Mas quando demos aquele beijo, o Brasil era diferente. Vivemos um retrocesso e, hoje, ficou mais preconceituoso. Não imagino Amor & Revolução hoje no ar causando o mesmo impacto”, constata Giselle.

A atriz levanta a voz contra o preconceito. “Hoje em dia era para toda novela ter um casal plural, ter mais representatividade na TV aberta. Sou solidária à causa LGBTQIA+. Tenho vergonha por ainda estarmos discutindo se é normal ou não, e de ver pessoas por discriminação sofrendo violência. Me sinto parte dessa luta. Em 28 de junho, no Dia Internacional do Orgulho Gay, fiz uma live com a Luciana. Combinamos que todos os anos vamos nos encontrar para usar a nossa visibilidade. Acredito que o futuro será melhor do que hoje.”

(Foto e beleza: Beauty Aramis e Freitas/Stylist: Claudia Wildberger)

(Foto e beleza: Beauty Aramis e Freitas/Stylist: Claudia Wildberger)

Atualmente, Giselle vive fase especial em que celebra 35 anos de carreira focando em trabalhos na atuação e na música, as duas vertentes artísticas que sempre a acompanharam desde a estreia profissional, aos 14 anos, no musical Zuzu, espetáculo do grupo Teatro de Amadores de Pernambuco. Além de interpretar Raquel, personagem que vai morrer no parto na novela Gênesis, da Record, ela vai lançar nas plataformas digitais, no próximo dia 12, sua primeira composição, a canção Arvorada, feita em parceria com Zeh Rocha e Allyson Alves. Para quem não sabe, além de soltar a voz em musicais no teatro, ela gravou, no ano 2000,  Mais Além, CD de música pop.

“Esse tempo todo me reconhecia intérprete, nunca tinha arriscado compor. Esse lado começou a acentuar quando escrevi minha primeira peça de teatro. Tinha feito pesquisa sobre manifestações populares que vi na minha infância em Pernambuco. E precisava construir narrativa. Meu marido (o artista plástico Marcelo Gemmal), disse ‘porque você não escreve?’. Não sou escritora, mas escrevi (o musical infantil Agora É Tempo) com ele, e fez sucesso (em 2010). Uma ideia na cabeça que virou emprego para muita gente e que levei para 24 cidades diferentes. Isso não tem preço. Todo artista precisa ter esse momento e ser produtor de seu próprio projeto. Depois dessa experiência, perdi o medo. Mas não decidi ‘vou compor’. Aconteceu naturalmente. Fiquei diante da letra de um amigo, sabe, e a melodia veio toda na minha cabeça”, relata. Ela deseja, inclusive, em 2022, realizar uns shows pelo Brasil, começando por Pernambuco, onde nasceu na capital Recife, e onde Arvorada já está tocando nas rádios.

“Cantarolo desde menina. A música está na minha vida de forma forte e protagonista. No ato de cantar já está embutido a interpretação. Nele me sinto totalmente completa. E arvorar-se é justamente não ter medo de arriscar e tentar algo novo. Chego na maturidade e quero mais”, frisa ela, plenamente satisfeita com os 35 anos de carreira. “Tenho alegria muito grande por ter vivido experiências diferentes nesse universo artístico”, avalia ela, que em 2022, quando vai completar 50 anos de idade, também planeja lançar o livro O Melhor da História É Agora, pela editora Agora É. “Vou publicar fotos da minha trajetória com reflexões sobre maturidade, ser mãe, estereótipo, beleza”, conta ela que estreou na televisão interpretando a professora Linda, em Malhação, no ano 2000.

(Foto e beleza: Beauty Aramis e Freitas/Stylist: Claudia Wildberger)

(Foto e beleza: Beauty Aramis e Freitas/Stylist: Claudia Wildberger)

Em paralelo ao talento como atriz e cantora, Giselle sempre teve a beleza enaltecida. Na juventude ainda, começou a trabalhar também como modelo fotográfico. Mas assegura que lida bem com a passagem do tempo. “Já senti certos golpes, olhar no espelho e ver que a pele está um pouco mais flácida no rosto, que o olho caiu um pouco. No fundo, creio que a verdadeira beleza é de dentro para fora. E nos acostumamos com as transformações da vida. Todos vão passar por isso ou vão morrer antes. Existem perdas e ganhos. Procuro olhar para isso de forma positiva. Não acho que eu seja só uma aparência. Tenho outros atributos além disso, que vão preenchendo e ressignificando a nossa imagem. Acho bonita a maturidade. As rugas contam histórias da gente. O olhar maduro tem a vivência que a juventude não tem”, avalia.

Com a intenção de começar um novo ciclo de vida, após 18 anos no Rio, foi para São Paulo com o marido e a filha, Maria, de 15 anos, em 2019, mas em seguida veio a pandemia, em 2020, quando teve que interromper a temporada da peça Além do Ar, sobre a história de Santos Dumont (1873-1932). Até agora não conseguiram ter a adaptação na nova cidade. “A gente ficou um ano dentro de casa. Isso que estamos passando mudou a vida de todos. Tudo foi abalado, principalmente o ano cultural, até que veio o convite para fazer Gênesis em plena pandemia. Estava em casa, criando outro foco na profissão”, explica ela que montou um Home Studio, para realizar trabalhos de locução.

Na adaptação a nova realidade, teve também o homeschooling da herdeira, que prossegue até hoje. “Minha filha é daquelas almas excelentes, só tira nota máxima. Mas em um ano e pouco de pandemia, o rendimento deu uma caída, perdeu o foco. Eu mesma não consigo manter leituras. A gente fica desnorteada. Em todas as idades, o impacto é profundo. De nós três ela está sofrendo mais. É importante os pais chegarem juntos, porque depois de um tempo a aula online se torna monótona. Vamos ver o impacto de tudo isso mais pra frente”, pondera.

(Foto e beleza: Beauty Aramis e Freitas/Stylist: Claudia Wildberger)

(Foto e beleza: Beauty Aramis e Freitas/Stylist: Claudia Wildberger)

E prossegue nas reflexões sobre o novo normal. “Não tinha como prever o que estamos vivendo. Por mais que estejam abrindo prenúncio de vida normal, evito sair, me preservo, uso máscara. Esse momento exige de todos nós reinvenção, buscando novas formas de ser feliz, de se relacionar com as pessoas de forma virtual. Não sei até que ponto vai ser saudável. Não substitui a experiência tátil, sinto bastante”, pondera ela, que já tomou a primeira dose da vacina contra a covid-19. Em sua família, três de seus cinco irmãos (ela é a caçula da família), tiveram a doença, mas se recuperaram.

Formada em jornalismo, Giselle chegou a cursar Letras, sem concluir, e no passado deu aula de português e redação para o ensino fundamental. Aos 42 anos, realizou o show Giselle Canta Ednardo e até voltou para o banco de estudos e ingressou na Faculdade Waldorf, onde cursou Pedagogia. “Nesses quatro anos, me afastei da interpretação. Não foi uma desistência, mas uma janela que abriu para outro universo. A gente passa por ciclos e os quarenta e poucos anos é fase de questionamento filosófico até para a nossa existência”, aponta ela, sempre apaixonada por tudo que envolve arte.

Esse amor surgiu por inspiração no tio avô, o poeta Manoel Bastos Tigre (1882-1957). Foi em homenagem a ele que foi criado o Dia do Bibliotecário. “Ele era teatrólogo, jornalista. É dele o slogan ‘Se É Bayern, É Bom’, um cara extraordinário. Minha mãe falava dele e eu já gostava de dividir essa experiência na escola. Sempre fui entusiasta e levei o nome desse meu parente. Mas, então, aos 14 anos participei de grupo de dizedores de poesia, quando soube que íam encenar Zuzu e precisavam de jovens”, lembra.

(Foto e beleza: Beauty Aramis e Freitas/Stylist: Claudia Wildberger)

(Foto e beleza: Beauty Aramis e Freitas/Stylist: Claudia Wildberger)

Já atuando no teatro, virou modelo. “Essa entrada no mundo da moda surgiu no meio do caminho, nem tinha consciência da minha aparência, não era vaidosa, nem procurava expressar a minha beleza. Foi no teatro que me viram e disseram que eu poderia aparecer nas propagandas. Em Pernambuco não é rentável fazer trabalhos publicitários. Participei de concurso que me levou para agência em São Paulo, as oportunidades foram aparecendo. O que me atraiu foi que muito jovem já consegui ganhar dinheiro. Pela Ford Models fiz 11 capas de revista”, recorda ela, que chegou a passar quatro meses modelando em Taiwan.
Em certo momento, em São Paulo, resolveu retornar para Recife. “Foi um período virtuoso e promissor. Só que após três anos e meio senti falta de casa, da mãe e decidi voltar para Pernambuco. Aquilo não era o meu sonho. Depois até me arrependi um pouco, porque o mercado de Pernambuco era muito diferente do Rio e de São Paulo. Fui fazer outras coisas como dar aula”, relembra.

Na questão da ditadura da beleza, recorda certa situação na China. “Pesavam a gente toda semana, marcavam muito na nossa cola, porque a roupa oriental é mais para mulher sem quadril, mais sequinha, então, tinha que manter a linha. Foi época difícil. Isso tudo é muito chato. Qual é o problema de estar acima do peso, aí você é descartada. Hoje, acho ótimo que essa mentalidade está mudando. Durante o período na Ford, sempre lutei contra três quilinhos a mais. Engordava um pouco e fechava a boca, sempre oscilando. Sou contra essa ditadura e acho legal que o mercado hoje olha para todas. Gosto de ver mais modelos maduras nas capas de revistas. Como mulher madura, gosto de me ver representada”, frisa.

Sem a perspectiva de melhora na questão da pandemia, desde primeiro de novembro do ano passado, Giselle medita diariamente de 15 a 20 minutos. “A ideia foi fazer uma higiene mental. A melhora na minha vida de uma forma global foi impressionante. Estamos diante de tantos desafios que o tempo exige um compromisso muito grande da gente com a gente mesmo, com o nosso equilíbrio, com o nosso bem estar, porque o mundo não vai melhorar. É você quem tem que se curar do mundo. Então, estamos em uma pandemia, vivendo momentos de grandes incertezas, mas ainda assim é possível ser feliz, se deliciar com o canto do passarinho de manhã cedo, com o céu azul, com pequenas coisas que nutrem o nosso dia”, finaliza.