Georgina Castro: atriz, que atuou em filme com supervisão de Spike Lee, será neta de Marieta Severo em Um lugar ao sol


Além de levantar a questão do colorismo, a atriz que entra esta semana na novela Um Lugar Ao Sol, como neta de Noca, personagem de Marieta Severo, batalha também pelo protagonismo feminino e preto. Com inúmeras atuações no cinema desde 2006, ela, na tentativa de mudar o sistema, começou a dirigir, escrever roteiros e a produzir. “Já sabia que existia o racismo estrutural, óbvio, não vivo em uma bolha, mas demorei a entender que eu fazia parte desse sistema. Não era algo pessoal. Eram realmente papéis que cabiam ao meu ‘perfil’. Tenho até pavor dessa palavra, que coloca as pessoas em caixinhas”, desabafa

Georgina Castro estreia em novelas da Globo com Um Lugar Ao Sol (Foto: Sérgio Baia)

Georgina Castro estreia em novelas da Globo com Um Lugar Ao Sol (Foto: Sérgio Baia)

* Por Carlos Lima Costa

A atriz Georgina Castro, que entra essa semana no elenco de Um Lugar Ao Sol, sua estreia em novelas da Globo, como Thaiane, neta de Noca, personagem de Marieta Severo, vem de uma longa carreira, onde além de atuar, batalha pelo “protagonismo feminino e preto”, como ela mesma define. “O cinema tem sido meu principal meio de trabalho. Mas até hoje, de 20 filmes, uns cinco personagens eram protagonistas ou tinham alguma relevância. Então, em determinado momento comecei a me cansar um pouco disso. E me questionei: ‘Tanta gente fala que gosta do meu trabalho, mas quando me chamam é para participações’. Já sabia que existia o racismo estrutural, óbvio, não vivo em uma bolha, mas demorei a entender que eu fazia parte dessa estrutura, desse sistema. Não era algo pessoal. Eram realmente papéis que cabiam ao meu ‘perfil’. Tenho até pavor dessa palavra, que coloca as pessoas em caixinhas”, desabafa.

Assim, começou a escrever para se auto escalar em papéis relevantes e também dar oportunidades a outros artistas negros. “Aos poucos fui entendendo a importância do todo, daí comecei a dirigir e, mais recentemente, a produzir também para ter o direito de escolha”, comenta. Até que, ano passado, ao comandar seu segundo curta, Hospital de Brinquedos, teve uma realização pessoal. “Consegui ter um elenco todo composto por atores pretos e uma equipe de frente majoritariamente feminina”, vibra.

A produção conta a história de uma menina preta que tem ciúme da avó, que adora uma boneca branca e loura. “Tem umas questões pertinentes para o momento atual. Acabamos de rodar e vamos mandar para festivais agora em 2022. Foi meio que um teste pra mim, para ver se realmente queria dirigir”, acrescenta ela, que estreou como cineasta e roteirista com o curta Pão Com Mortadela. E pontua que papéis relevantes não precisam ser necessariamente protagonistas do enredo. “Quero personagens que tenham uma história, uma narrativa. Não estar ali somente para fazer uma ponta” ressalta ela, cujo primeiro longa, Hamster, projeto de sua vida, está em fase de captação de recursos e vai ser produzido pela Loma Filmes, responsável pelo longa Hebe – A Estrela do Brasil, no qual ela atuou.

“Quero personagens que tenham uma história, uma narrativa. Não estar ali somente para fazer uma ponta” ressalta Georgina (Foto: Sérgio Baia)

“Quero personagens que tenham uma história, uma narrativa. Não estar ali somente para fazer uma ponta” ressalta Georgina (Foto: Sérgio Baia)

“Vai ter um elenco central todo de mulheres, protagonista negra, co-protagonista com descendência asiática. Eu ia interpretar o papel principal, mas ao desenvolver o roteiro, ano passado, resolvi não atuar e só dirigir. Justamente para ter esse poder de escolha. É isso que busco, uma maior representatividade não só para mim, mas para uma minoria que ainda não se vê representada.  Esse filme é muito pessoal, tem semelhanças com a minha história. Ele vai falar sobre uma mulher de trinta e poucos anos que sai do Nordeste, vai morar em um pensionato em São Paulo, como eu morei. Ela é totalmente introspectiva, acabou de chegar na cidade e não se sente pertencente aquele lugar onde tem somente mulheres: uma imigrante de Angola, outra paulistana, mas com descendência asiática, uma indígena. São justamente perfis de São Paulo, que é diversificado. Elas vão se encontrando, ganhando força e lutando contra o sistema da casa. Então, fala da sororidade dessas mulheres que se unem e ficam mais fortes”, explica Georgina, que este ano poderá ser vista na telona nos fimes Pequenos Guerreiros, de Bárbara Cariry, e em Depois dos 40, de Luiz Villaça.

Nos 15 anos em que morou em São Paulo (atualmente vive no Rio de Janeiro), ela conquistou papéis também em produções internacionais  como o longa dinamarquês Rosa Morena, filmado em SP, e o curta Maria Was Born, protagonizado por ela, em Nova York, tendo a supervisão de Spike Lee.

A atriz com atrizes mirins e com Spike Lee, que supervisionou o curta Maria Was Born, protagonizado por Georgina (Foto: Reprodução Instagram)

A atriz com atrizes mirins e com Spike Lee, que supervisionou o curta Maria Was Born, protagonizado por Georgina (Foto: Reprodução Instagram)

Filha de pai negro e mãe branca, Georgina encontra semelhanças também com a personagem de Um Lugar Ao Sol. “A Thaiane tem uma história da cidade provinciana, do interior de Minas, uma mulher à frente de seu tempo, de espírito mais liberal. Eu saí de Fortaleza para não repetir o padrão da mulher servir os homens. São situações que ainda existem e que na minha época de adolescente eram mais complicadas. Meus pais são pessoas maravilhosas, mas têm uma mente de outra geração. Não fui criada em situação de opressão como a personagem, mas tinha rédeas curtas. A questão da responsabilidade com os filhos e com a casa ser da mulher sempre. Até um tempo atrás, meu pai não sabia fazer café. Estava em Fortaleza, porque minha mãe não estava bem, e o ensinei, então, que não queria repetir na minha vida, essa situação da mulher estar sempre em uma função coadjuvante, sendo tudo para o homem e para a família. Isso sempre me revoltou na adolescência. Fiquei dois anos sem falar com meu pai, porque tinha discussões com a minha mãe, e eu me metia no meio. Hoje equilibro isso através do diálogo”, conta.

Interpretar a neta da personagem de Marieta Severo foi feliz coincidência. Afinal, ela já era amiga de Silvia Buarque, uma das filhas de Marieta. Juntas, fizeram o filme, Os Pobres Diabos, de Rosemberg Cariry. “Antes de vir o convite para a novela, fiquei hospedada na casa da Silvia, no Rio, quando foi realizada a estreia do filme Hebe. Quando fui escalada para a novela, a Silvia foi a primeira pessoa para quem contei, e ela encheu minha bola para a mãe. Então, Marieta me recebeu de uma maneira que eu não tenho nem palavras, criamos um carinho grande uma pela outra”, conta.

Georgina Castro e Marieta Severo nos bastidores de Um Lugar Ao Sol (Foto: Reprodução Instagram)

Georgina Castro e Marieta Severo nos bastidores de Um Lugar Ao Sol (Foto: Reprodução Instagram)

Em Um Lugar Ao Sol, Thaiane vai trabalhar na cozinha do restaurante Escondidinho da Noca. “Como cozinham iguais, isso une as duas, a princípio. Tem um espelhamento, mesmo sem elas saberem da ligação familiar”, diz e explica que através de sua personagem, a novela vai abordar tema relevante, mas não de maneira panfletária. “Ela é negra, mas ainda não se vê como negra, então, ela vai entrar em um processo de se entender como uma mulher negra”, conta Georgina, que vivenciou a mesma situação.

“A minha vida toda em Fortaleza teve essa questão, ‘é moreninha, morena clara’. Meu pai é negro, minha mãe é branca e meus irmãos são todos brancos, só eu nasci negra. Puxei mais o meu pai, que é um pouco mais escuro do que eu, mas nem é retinto. Então, vim entender que eu era negra quando cheguei em São Paulo, por incrível que pareça através do audiovisual. No cinema tem bem menos essa estrutura racista do que na TV, mas também existe. Percebia pelos personagens que, às vezes, queriam me enquadrar. O problema não é interpretar a prostituta ou a empregada, só que geralmente essas pessoas nas novelas e nos filmes são invisibilizadas, não tem história, estão ali só para dar um apoio. Então, quando realmente entendi que eu era negra, isso me deu uma força e aí comecei a querer escrever e dirigir também para tentar burlar esse sistema, a questão que eu comentei sobre o perfil. Temos que começar a quebrar esse perfil. Existem pesquisas mostrando que o percentual de protagonistas ou personagens relevantes nos filmes entre homens e mulheres é discrepante. Mulher já tem menos espaço na narrativa. Mulher negra e nordestina, como eu, o espaço diminui mais”, aponta. “E como sou negra da pele clara, muitas vezes perdi papéis também, porque queriam uma negra retinta e não achavam que eu era negra. Caio nesse lugar muitas vezes. É muito delicado você questionar a negritude de alguém. A questão do colorismo é ampla, precisa de mais discussão e entendimento”.

E relata história de machismo, mesmo estando em posição de poder, na função de diretora. “Que mulher nunca passou por isso? Nos primeiros trabalhos que eu dirigia no teatro, muitas vezes a pessoa não me dava trela. Eu era diretora e não me davam voz, gritavam comigo. E com o meu assistente que era homem a pessoa conversava. Parecia que eu era idiota. Parece que a voz da mulher nunca é ouvida. Tenho a sensação de que a gente tem sempre que estar se provando mais no que fazemos. Senti muito isso quando eu estava em posição de liderança”, lamenta Georgina, que desde pequena desejava ser artista.

Adolescente escrevia historinhas em um caderno e fazia novelinhas com a irmã em casa. Efetivamente, começou a estudar teatro aos 16 anos. Na mesma época, teve seu primeiro trabalho, na locadora de vídeo do pai. Ele implicava com o fato dela querer ser atriz. “Tinha essas questões. Com 17, 18 eu viajava para festivais, chegava tarde da escola de teatro, então, ele brigava, não aceitava. Hoje em dia é o meu maior fã. Mas foi um processo ali sofrido”, recorda.

Com formação em teatro, atuou em algumas companhias de Fortaleza, até se mudar para São Paulo, aos 23 anos, onde o cinema surgiu na vida dela. Foi juntando dinheiro que ganhava no teatro e dando aulas, que conseguiu fazer a mudança para a capital paulista, onde durante cinco meses trabalhou como operadora de caixa de supermercado. Cansada da rotina, que a fazia chorar todos os dias, decidiu sair do emprego. “Estava pensando que ia ficar sem dinheiro, mas quando estava assinando a demissão, me ligaram avisando que eu havia sido aprovada no teste para o filme O Céu de Suely, de Karim Aïnouz. E aí minha vida mudou”, lembra a atriz sobre o longa com o qual estreou no cinema, em 2006 e que lhe abriu muitas portas. Na TV, considera Um Lugar Ao Sol a sua estreia. Antes, havia feito somente participações, como em Cúmplices de Um Resgate, no SBT, e em Sob Pressão, na Globo.

"Se um dia a vontade de ser mãe voltar e eu tiver condições financeiras, vou adotar. Nenhuma mulher é menos mulher porque não é mãe”, frisa Georgina (Foto: Sérgio Baia)

“Se um dia a vontade de ser mãe voltar e eu tiver condições financeiras, vou adotar. Nenhuma mulher é menos mulher porque não é mãe”, frisa Georgina (Foto: Sérgio Baia)

As questões afetiva e materna também são alvo de muita reflexão para Georgina: “Aos 40 anos, a gente vai querendo ficar mais quieta em alguns sentidos. Para dividir a minha vida com alguém tem que valer muito a pena, porque são raras as relações que colocam a gente pra frente, pra cima. Só tem sentido se for assim. Estou solteira. Hoje em dia estou muito bem comigo, sem demagogias, sem hipocrisias, sem mentir pra mim mesma, como muitas vezes aconteceu no passado. Estou me gostando, me curtindo, então, para alguém entrar na minha vida tem que ser muito bacana a relação”, observa. Assim, até a questão da maternidade já não é primordial para ela.

“Quando era bem mais nova me imaginava sendo mãe. Teve uma época que eu quis muito mesmo, pensei em ter nem que fosse uma produção independente, sozinha, com amigo, sei lá, fazer uma inseminação. Mas vendo amigas da minha idade, atrizes, engravidando, via como era complicado voltar para o mercado de trabalho, às vezes. Precisava de uma rede de apoio, mesmo com parceiros e tudo, aí eu resolvi ter somente se fosse com um parceiro, porque eu moro em São Paulo, longe da minha família, não tenho uma rede de apoio. E se fosse mãe eu ia querer parar um ano todo e ficar só ali entregue cuidando da criança. Eu amo criança. Tenho quatro sobrinhos pelos quais sou apaixonada. Mas, hoje, aos 40, não tenho vontade de ser mãe. Tem essa questão de congelar óvulos, eu teria que ter congelado bem mais cedo. Até pra isso está tarde. E se um dia a vontade voltar e eu tiver condições mínimas financeiras, vou adotar e terei o mesmo amor. Não serei menos mulher por causa disso. Nenhuma mulher é menos mulher porque não é mãe”, finaliza ela.