Gaby Amarantos: “Mulheres negras têm falado em dororidade. Através das dores, a gente se une pelo amor”


A cantora e apresentadora encarna uma advogada empoderada no filme ‘De Perto ela Não é normal’. Gaby fala de inclusão, representatividade e feminismo. E também da construção da carreira e da vontade de atuar mais: “É muito legal estar neste novo momento, em que eu não preciso mais fazer a empregada doméstica, com todo respeito que tenho à profissão, mas é saber que eu posso interpretar a mulher rica, chique, a modelo da passarela, ocupando esse lugar também de poder e de beleza através da atuação. Esse poder de conquista, de realização, é uma parada que ninguém me tira. Tenho muito orgulho de ser essa realizadora da minha própria vida, pegar a caneta, o livro e escrever minha própria história”

*Por Brunna Condini

Brilhando no novo filme de Suzana Pires, ‘De Perto Ela Não É Normal’ que estreou no streaming na última quinta-feira, Gaby Amarantos fala da personagem poderosa no longa e vibra com a experiência como atriz no cinema. “Acho que é o primeiro filme que tem a força feminina em tantos setores. Na frente das câmeras, mas também na direção, departamentos criativos e na produção. Isso me emociona. Essa é a militância mais importante, com humor, leveza, na base do amor”, diz a cantora sobre o filme escrito e protagonizado por Suzana, dirigido por Cininha de Paula e produzido por Joana Henning.

“A Suzana é uma mulher muito antenada nas questões do feminismo e que eu admiro muito. Ela entende os privilégios dela, sem nunca usá-los em benefício próprio, mas dando poder a outras mulheres, priorizando mulheres negras. Contei para a Suzie que minha primeira aspiração artística foi como atriz, mas veio a música. Neste filme também tem música minha (‘Eu sou mais eu’), então a felicidade é completa”, diz ela que estreou em 2013 como atriz com “Contos de Edgar”.

 

“Minha primeira aspiração artística foi como atriz, mas veio a música. Neste filme também tem música minha (‘Eu sou mais eu’), então a felicidade é completa” (Divulgação)

O filme é a primeira produção brasileira a formalizar o comprometimento com a cláusula de inclusão (“inclusion rider”), que ficou mundialmente conhecida após o discurso de agradecimento da atriz Frances McDormand no Oscar de 2018. A medida determina um nível de diversidade de gênero, racial e de portadores de deficiências tanto no elenco, quanto na equipe técnica. “A representatividade que a gente precisa ver no cinema deve ser além da tela. Tive a honra de indicar para a Suzana a Anna Tréa, que assina a trilha sonora do filme. O importante é colocar as mulheres em lugares onde a gente ainda precisa chegar para ocupar todos os espaços. Também é fundamental a atenção à essa diversidade, à inclusão, nós somos um país enorme. Somos Sudeste, Norte, Sul, Nordeste. Isso é um presente para o povo brasileiro”, destaca Gaby.

“Quando a Suzana me apresentou esse projeto e falamos da minha personagem que coloca a mulher negra em outro lugar, rica, líder e poderosa, ficamos refletindo que talvez essa mulher ainda exista muito pouco no Brasil, mas que era nosso compromisso criar e inspirar outras mulheres. Minha personagem, a Maria Pia, é uma mulher que eu quero ver muito mais no país e acredito que isso seja em breve. É preciso quebrar o estereótipo de que mulheres poderosas são raivosas. Além disso, a Suzie entende que aquele lugar de poder que ela ocupa é também para dar espaço para outras mulheres”.

“O importante é colocar as mulheres em lugares onde a gente ainda precisa chegar para ocupar todos os espaços” (Divulgação)

Feminismo e fortalecimento

 A artista iniciou a carreira na música aos 15 anos em uma paróquia no bairro de Jurunas, periferia de Belém. Em 2012, lançou seu primeiro disco solo, “Treme”, desde então se tornou uma das principais artistas do país, e símbolo de representatividade para muitas mulheres, levando para a roda a pauta do feminismo e de um corpo livre da imposição dos padrões. Além disso, desde 2018 também apresenta o programa “Saia Justa”, no GNT, ao lado de Astrid Fontenelle, Mônica Martelli e Pitty, onde debate assuntos da atualidade. Ou seja, Gaby está sempre envolvida em movimentos e projetos que procurem jogar luz e ampliar vozes.

“Minha carreira sempre foi permeada por mulheres. Em primeiro lugar, minha mãe. Parece clichê, mas muitas mulheres não têm uma relação de parceria e cumplicidade com as suas mães. O lugar onde eu estou hoje foi muito por conta da minha mãe. Também tenho uma parceria muito forte com a minha irmã. Praticar a sororidade é muito importante. Tenho ouvido entre as mulheres negras a expressão dororidade, que significa que através das nossas dores a gente se une para falar de amor, já que temos uma outra vivência dentro do feminismo por sofrer duplamente”, divide. “Estou curtindo muito praticar isso com as minhas irmãs e minhas amigas e com todas as mulheres que eu possa de alguma forma influenciar para que a vida delas seja melhor. A gente quer que essa primavera linda das mulheres se estenda para um lugar de normalidade, para que tudo fique igual, para que a gente nem precise mais usar desses artifícios para ter espaço porque teremos, enfim, a igualdade. Feminismo é igualdade”.

“Que essa primavera linda das mulheres se estenda para um lugar de normalidade, para que tudo fique igual, para que a gente nem precise mais usar desses artifícios para ter espaço porque teremos, enfim, a igualdade. Feminismo é igualdade” (Divulgação)

Aos 42 anos, ela analisa sua trajetória de empoderamento: “Eu definiria como um eterno aprendizado. Tenho buscado estudar cada vez mais, ler. Sinto como se eu estivesse desejando alçar voos de ‘águia’, mas realizando como uma ‘galinha’, sabe? Que vai ali, de grão em grão. Que a cada grãozinho vai aprendendo, se alimentando. Então, o empoderamento é esse ‘milho’, esses grãozinhos com os quais vou traçando a minha estrada e me alimentando, ficando mais cheia de mim. Mas no sentido de poder mesmo, desse feminino que só se expande e conquista”.

“A troca tem sido intensa. Somos quatro mulheres totalmente diferentes, com histórias diferentes e que se cruzam” (Divulgação)

Como participar do ‘Saia Justa’ tem te transformado? “A troca tem sido intensa. Somos quatro mulheres totalmente diferentes, com histórias distintas e que se cruzam. A gente vê que temos origens também diferentes. Eu sou de uma classe social bem diferente da origem das meninas e quando estamos conversando sobre determinados assuntos percebemos, que mesmo em suas devidas proporções, essas diferenças estão presentes em nossas vidas”, observa Gaby. “Temos essa troca entre mulheres, essa sororidade de saber que toda semana você vai estar com pessoas que vão te apoiar, querem te ver crescer. Além disso, comunicar e trazer esse ponto de vista da mulher da Amazônia me empoderou ainda mais. De eu entender o quanto é importante esse lugar que ocupo, que estou, de ser uma mulher do Norte e que é bom pensarmos neste Brasil de um jeito mais regional. Percebi que essa voz que trago da periferia também é extremamente importante para esse Brasil novo que queremos construir”.

“Percebi que essa voz que trago da periferia também é extremamente importante para esse Brasil novo que queremos construir” (Divulgação)

O que apreendeu nestes anos todos de carreira que ninguém te tira? “O principal foi o de construir minha própria casa, meu próprio sonho. Eu levei muitos ‘nãos’ e se eu fosse me deixar abater por isso, não estaria onde estou. Entendi o seguinte: ‘Ok, não querem me dar espaço? Então, eu vou construir esse espaço. Vou botar o ‘terçado no dente’, o ‘facão na cintura’ e vou capinar a minha própria estrada para passar. Isso eu levo para sempre. Até hoje, ainda me sinto com esse ‘facão’ na mão, abrindo espaço não só para mim, mas para as mulheres da Amazônia, para as mulheres lá de cima, para as mulheres negras e periféricas, para conquistarmos cada vez mais”.

“Até hoje, ainda me sinto com esse ‘facão’ na mão, abrindo espaço não só para mim, mas para as mulheres da Amazônia, para as mulheres negras e periféricas” (Divulgação)

Deseja atuar mais? Quer fazer novela? “Tenho um desejo muito grande de atuar também e faria novela. Um encontro comigo mesma, me potencializa mais, me faz entender que sou essa artista que é múltipla. É muito legal estar neste novo momento, em que eu não preciso mais fazer a empregada doméstica, com todo respeito que tenho à essa profissão, mas é saber que eu posso fazer a mulher rica, chique, a modelo da passarela, ocupando esse lugar também de poder e de beleza através da atuação. Esse poder de conquista, de realização, é uma parada que ninguém me tira. Tenho muito orgulho de ser essa realizadora da minha própria vida, pegar a caneta, o livro e escrever minha própria história”.