Gabriela Loran, que estará na terceira temporada de ‘Arcanjo Renegado’, critica rótulo do qual trans são alvo


Atriz de “Malhação” e “Cara e Coragem” e integrante da terceira temporada de “Arcanjo Renegado”, ela traz uma perspectiva personalíssima à sua própria condição de existir: a transexualidade, que tem cada vez mais conquistado espaço e lugar de fala. Mais que isso, tem conseguido trazer ao protagonismo social suas questões com a naturalidade que lhe é inerente. Gabi dosa doçura e didática ao falar de si e aclarar questões relacionadas ao tema, mas não quer limitar-se a essa rotulação. “Por mais que me orgulhe, não quero ficar marcada como “a ‘atriz trans'”. Artista fala do seu sonho de ser mãe e se sente feliz por estar em mais um trabalho na Globo. Formando-se em Psicologia, quer dedicar-se a auxiliar pessoas, sobretudo aquelas que compartilham da mesma vivência que ela

*por Vítor Antunes

Gabriela Loran. Atriz, influenciadora, psicóloga, mulher. Diante de tantos adjetivos, um deles a caracteriza, mas não a define: a transexualidade. Gabi, cujo talento pode ser demonstrado em duas novelas de TV, aproveita do mês do Orgulho LGBTQIAPN+ para trazer à cena a importância de falas afirmativas sobre esta questão, ainda que se preocupe com a rotulação: “Sou algo além de uma mulher trans. (…) Tenho muito orgulho de ser quem sou. Falar disso me fez chegar longe, mas por mais que me orgulhe, não quero ficar marcada como “a ‘atriz trans'”. Loran foi Luana em “Cara e Coragem“, trama que antecedeu o atual cartaz das 19h. Na novela de Claudia Souto, não havia a generificação da personagem – se cis ou trans. Era uma mulher, apenas.

Após “Cara e Coragem“, Gabi está preparando-se para estrear em “Arcanjo Renegado“, série de sucesso da Globo, que estará em sua terceira temporada. “Meu personagem ganha uma maior projeção e um par romântico nessa fase da trama e há um apontamento para a quarta temporada”. Gabi espera ansiosamente por esta nova fase, já que há uma cena de ação que protagonizou junto com Cris Vianna – atriz que tem um personagem importante na série. Além deste trabalho audiovisual, ela gravará um audiobook, no qual faz uma psicóloga que orienta uma mãe na criação de um filho trans. O projeto ainda não tem nome definitivo, por mais que esteja em pré-produção. Mas vem ao encontro de outro projeto de vida da atriz: a formação em Psicologia.

Formando-se em Psicologia, Loran pretende se especializar em Gênero e Sexualidade. Segundo ela, as consultas voltadas para a Saúde Mental dispararam na pandemia e muitas pessoas trans procuraram atendimento e passaram por situações comprometedoras junto aos seus terapeutas, alguns que, ultrapassando a ética, orientavam o atendimento motivados por questões religiosas. “Profissionais tentaram converter [uma pessoa trans]. Outros desconheciam o assunto”.

Nascida e criada em São Gonçalo, Gabi lamenta que as regiões periféricas da capital fluminense não tenham cinemas, teatros e equipamentos culturais ou centros de formação artística. Ela própria viu-se obrigada a sair de sua cidade para formar-se, já que não havia disponibilidade de fazê-lo naquele município. A queixa de Gabriela encontra eco nos dados. Cidades muito populosas como Seropédica e Mesquita não tem sequer cinema. Outro local da Região Metropolitana fluminense, Maricá, veio a tornar a ter uma sala cinematográfica no mês de Maio deste ano.

Atriz Gabriela Loran celebra aumento da representatividade no audiovisual e critica rotulação do qual trans são alvo (Foto: Tinoco)

MEU NOME É GABRIELA

Nesta entrevista, Gabi faz saber que sua vontade vai muito além da rotulação. No mês em que se debate a causa LGBT, ela quer que vejam-na da mesma forma como Gal Costa (945-2022) apresentava-se na canção que leva o seu nome: “Meu nome é Gal“. Parafraseando a baiana, é como se dissesse: “Meu nome é Gabriela Loran, atriz, 30 anos, nasci em São Gonçalo. Todo dia eu sonho alguém para mim… e que me chame de mãe”. Planejando para breve a sua maternidade, Loran afirma estar pronta para vivê-la com plenitude “É um sonho. Isso nos exige muito. Quero focar na educação desse meu filho, filha ou filhe. Vejo meus sobrinhos crescendo e essa vontade se revela ainda mais forte, de forma mais vívida. Inclusive quero ter  mais de um”, confidencia.

Uma pessoa trans, Gabi afirma que ainda que a luta e as falas afirmativas sejam fundamentais, por vezes acabam tornando-se uma etiqueta para outros que também experienciam da mesma situação. “É importante. Sempre acabamos tendo que falar sobre a transexualidade. Porém, sou algo além de uma mulher trans. Sou atriz, criadora de conteúdo, tenho um relacionamento, sou acadêmica de Psicologia… Tenho muito orgulho de ser quem sou. Falar disso me fez chegar longe, mas por mais que me orgulhe, não quero ficar marcada como ‘a atriz trans'”, desabafa.

Eu fiquei por anos conhecida como “a atriz trans da Malhação”. As pessoas não sabiam meu nome. Quero que me reconheçam como a atriz Gabriela Loran. Com o meu nome vindo antes da minha transexualidade, da minha etnia. Quero que vejam a mim como a mulher Gabriela Loran.

Gabriela diz isso sem amargor ou aspereza. Reconhece a importância de seu pioneirismo: “Obviamente não tenho como fugir disso, sou referência, fui a primeira atriz trans de “Malhação”. Mas quero viver todos os tipos de personagem possíveis. E não uma já previamente marcada por isso, por não saber que banheiro vai ou por ser vítima de transfobia. A minha história não passa apenas por isso, é feita de muitas conquistas, por muitas barreiras atravessadas e não apenas sobre coisas ruins”, pondera.

Eu cresci na Internet letrando as pessoas sobre transexualidade. Sou uma uma mulher trans, mas a transexualidade não define a mulher que eu sou – Gabriela Loran

A última personagem de Gabi na televisão foi a Luana, de “Cara e Coragem“. A possível transexualidade ou cisgeneridade da personagem nunca foi pautada. É o que ela diz: “Quando tive a oportunidade de viver a Luana, a Claudia Souto, autora, afirmou-me que ‘Luana é um ser humano. Uma secretária, uma mulher empoderada, bonita, o braço direito de outra mulher’. Adorei isso”. Para Gabi, falar sobre transexualidade não é algo novo.

“Estamos aí desde que o mundo é mundo, não é novidade para ninguém. Temos que celebrar que pessoas como a Liniker ganharam o Grammy Latino e outras, que estão ganhando protagonismo. Claro que nos falta oportunidade. Óbvio que sonho em ser a protagonista da novela das 9 ou de fazer um filme muito bom e ser indicada ao Oscar, mas a gente só consegue acessar esses lugares se nos ofertarem e sabemos que essa oferta parte de pessoas cis e que na boa parte das vezes são brancas. Precisávamos vencer essas fronteiras todas e diante das portas que nos são abertas. Quando não são a gente descobre formas de abrir. Através da Internet eu consegui me expressar e ser embaixadora de grandes marcas tanto de cosméticos como de streamings de músicas da internet. Precisamos cavar as oportunidades, já que elas não nos chegam.

Tal como diz Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), no poema “A Luís Maurício, infante“, Gabriela quer oferecer o diálogo quando a solidão é vício. “Quando comecei na Internet eu queria ser a militante que falava a todo preço. Mas hoje, não. Ofereço o diálogo. A maior parte das pessoas que me seguem são aquelas que querem apender. E reconheço que existe essa curiosidade [sobre as pessoas trans] exatamente em razão de não sermos vistos, já que falar sobre transexualidde é algo estigmatizado. Pago o preconceito com diálogo. Quando me abordam perguntando [do meu nome morto] eu levo uma reflexão de volta: ‘No que isso vai mudar na sua vida?'”. Por nome morto entende-se aquele que era usado antes da transição, algo que a maior parte das pessoas trans desagrada-se em falar sobre.

Loran prossegue: “Eu não tenho problema em falar sobre, é algo muito bem resolvido junto a mim, tanto a pessoa que fui como aquela que desabrochei. Mas, efetivamente, trata-se de uma pergunta que não deve ser feita. A quem quer me ouvir eu falo. A quem não quer, eu dou as costas e vou embora. Não vou perder meu tempo com gente preconceituosa”

Gabriela Loran além do rótulo: “Sou mais que uma pessoa trans” (Foto: Tinoco)

PRESENÇA(S)

Gabi nos conta que a Psicologia chega-lhe como possibilidade na época da pandemia. “Vi uma necessidade de trabalhar minha mente e ter embasamento, de me posicionar melhor na internet… Além de tudo, eu sempre tive apoio da minha família, desde o início da minha transição. Vi que isso não era recorrente na família de pessoas trans e pensei na formação como maneira de ajudá-las. Eu amo ser atriz, mas reconheço que é uma profissão de altos e baixos e decidi fazer psicologia também por isso”.

Há uma grande reclamação da comunidade em face de pessoas que procuraram por atendimento terapêutico – algumas até procuraram psicólogos voltados a questões de gênero e sexualidade – e cujos profissionais tentaram convertê-la ou tiveram o assunto transexualidade desconhecido por parte dos terapeutas. Eles não estão preparados – Gabriela Loran

Por ocasião do mês do orgulho, a atriz estará como convidada no programa “Que História é Essa, Porchat?“, do GNT. Assim como celebra o aumento da presença trans-feminina na politica através das parlamentares Erika Malunguinho (PSOL-SP), Dani Balbi (PC do B-RJ), e Benny Briolly (PSOL-RJ).

Gabi Loran decidiu cursar Psicologia em face de identificar uma ausência de preparo dos profissionais da área (foto: Tinoco)

Cria de São Gonçalo, cidade da Região Metropolitana do Rio, Loran lamenta que estas regiões não tenham um aporte cultural robusto do Governo. “É triste precisar sair da sua região para se capacitar. Em São Gonçalo não existia teatro nem curso dessa natureza. Tive que ir ao Rio para estudar, me formar e fazer minha carreira. A esses lugares periféricos não chegam montagens teatrais e suas artes sao silenciadas. Alguns shoppings da capital, em regiões privilegiadas têm teatro. Nos da periferia, não”.  Com efeito, nenhum shopping da Região Metropolitana carioca possui teatro. Mesmo na capital, alguns como o Village Mall e Fashion Mall, sim. Com a nova tendência de os shoppings abrigarem salas de cinema, cidades que não possuem esse equipamento, como Mesquita e Paracambi, não tem acesso aos filmes. Maricá, depois de alguns anos, voltou a ter uma sala agora neste mês de maio – ainda que nesta não hajam filmes blockbuster.

Eu era a criança que queria fazer teatro, dança e canto, mas a situação financeira da minha família era difícil e não havia nenhuma ação social em minha cidade que permitisse esse mergulho na arte. Na periferia fala-se em trabalhar, ajudar em casa e as prioridades são outras. Nem sempre a gente pode escolher o curso da Faculdade que queremos e que não dê um auxilio imediato à nossa família – Gabriela Loran

Ao falar de sua cidade, da qual orgulha-se, se fosse montar um filme que tivesse São Gonçalo como locação e uma protagonista gonçalense, Gabriela diz que, em vez de filme faria uma novela, e que “se passaria na Rua da Feira. Local que todo mundo se conhece e onde há todo tipo de pessoa diferente. A minha protagonista seria uma vendedora ambulante, feirante. Era o que sempre via quando eu trabalhava de atendente numa farmácia daquela região. Muitas mães solo trabalhando, dando duro. Uma novela com esse mote seria incrível”. Gabi, com sua novela imaginada é a prova de que, como diria Dostoievski, para ser universal é preciso cantar a nossa aldeia.