*por Vítor Antunes
Por muito se diz que o Brasil está fazendo o caminho inverso: descobrindo Portugal, que pouco se revela ao Brasil, senão através do idioma – que por si só já não é tão revelador. Por outro lado, há quem diga que são, Brasil e Portugal, organismos tão independentes em suas falas que já é possível que se diga serem dois idiomas, a língua portuguesa e a língua brasileira. De igual forma, há quem fale da simbiose entre os dois países que os torna gêmeos. Essa soma de referências e possibilidades de leitura é a própria Gabriela Barros. Atriz portuguesa por adoção – ainda que nascida em Bruxelas – é filha de pai brasileiro e mãe portuguesa. Casou-se com um brasileiro, o ator Miguel Thiré e com ele tem uma filha, Laura, atualmente portuguesa, mas que estará requerendo em breve a dupla nacionalidade. Uma das poucas a haver recebido o Globo de Ouro de Melhor Atriz, pela série “Pôr do Sol“, inédita no Brasil, sonha mergulhar em trabalhos em outros países, tal como seu marido, fazer do Brasil uma possibilidade.
“Sempre um sonho. Seja no Brasil, na França, na Inglaterra… como sou trilíngue, tenho essa facilidade e é sempre bom criar novas parcerias de trabalho e conhecer outras formas de trabalhar. Isso fascina-me muito, então amaria. E sendo eu própria já tendo sido muito admiradora de novelas e consumidora de novelas, e hoje em dia o audiovisual brasileiro, tudo que é série, que tem uma qualidade fantástica, e cinema, mais ainda o cinema brasileiro. Fascina. Então, assim, claro que tudo isso é apetecível e espero que um dia esteja no meu caminho. Amaria poder fazer isso num país que eu também considero meu, né, sendo brasileira, poder trabalhar fora de Portugal e estender o meu trabalho para fora.
Em Portugal, Gabriela, neste segundo semestre, está em “Querido Evan Hansen” – que coincidentemente está em cartaz no Brasil. Depois disso, outro musical, além do programa de entretenimento “Taskmaster”, que faz muito sucesso na RTP portuguesa. Diante disso tudo, como conciliar uma carreira com a maternidade? – Inclusive, pergunta esta que costuma ter como alvo apenas as mulheres. Não é habitual perguntar aos homens como conciliam a profissão à paternidade, convenhamos. “Creio que o mais difícil é não sentir culpa, que é uma coisa inerente a ser-se mãe. Por às vezes ter uns horários diferentes, muito complicados, tentar fazer aquilo que se ama, tendo em conta que são horários difíceis e nós não temos férias, quando comparado a um trabalho tradicional enquanto estou tentando dar a melhor infância e educação para a minha filha e manter toda uma harmonia e um equilíbrio nisso. Está aí o grande desafio de ser atriz e mãe”.
VINCAR O NOME
Àqueles que estão com o nome consolidado em suas carreiras, em Portugal, se diz que está a “vincar o nome“, ou seja, criando vincos, imprimindo o nome. Por óbvio, este texto seguirá a escrita no nosso português, sem as consoantes mudas nas palavras “atriz” ou “adoção”, mas com todo o som e clareza que traduzem uma jovem e talentosa atriz da cena portuguesa. E, por que não dizer, tem o nome já vincado junto a eles. Uma prova foi haver recebido o Globo de Ouro em 2022. “Foi muito importante para mim, não só obviamente porque é um reconhecimento do trabalho, mas sobretudo porque foi com um projeto pelo qual eu tenho o maior carinho e amor. Em especial por tratar-se da série “Pôr do Sol”, um grande sucesso aqui em Portugal e foi um marco muito forte no meu percurso, do qual eu me orgulho muito. Então, tem um significado muito, muito grande esse prêmio para mim”.
Nascida numa transversal do mundo, conforme apresentamos inicialmente, pois que é belga-brasileira-portuguesa, Gabriela diz ser “uma soma curiosa [dessas três regiões]. Do lado belga, onde nasci e cresci, trouxe uma noção de cumprir a lei à risca, de ser muito cumpridora. De Brasil e Portugal, a simpatia e o calor humano, local onde os dois países se encontram. A minha paixão musical, vem do lado do meu pai, que é músico, e 98% da música que eu escutei é brasileira. É isso, o meu lado musical é todo brasileiro, bem como a simpatia, o jeito muito comunicativo”, diz.
Ante a tantas palavras e da profundidade da escrita dos autores portugueses, Gabriela destaca o que mais toca seu coração. “Um poema de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916) chamado Quase, que fala sobre a tentativa de, no “quase”, conseguir ser aquilo que não somos, quase amar da forma que deveríamos amar, quase ser aquilo que queríamos ser. Eu acho que é bem simbólico da vida. A busca da vida é tentar a vida inteira alcançar nossos objetivos, tentando ser uma boa mãe, tentando amar do jeito certo, tentando fazer o nosso trabalho do jeito certo. E, na maior parte das vezes, conseguimos, e na maior parte das vezes, quase conseguimos. E eu acho que nisso também há beleza. Essa busca constante da perfeição.”
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