* Por Carlos Lima Costa
Em breve, o ator Gabriel Stauffer vai poder ser visto em dose dupla na televisão. Além da série De Volta aos 15, que estreou recentemente na Netflix, ele vai marcar presença na primeira fase do remake de Pantanal, na Globo. Um dos destaques de sua geração, ele considera que, mais do que entreter, a dramaturgia deve ter a função de dar voz a temas relevantes estimulando um debate na sociedade. “Por exemplo, o Gustavo, meu personagem da novela, tem uma relação quase doentia com Madeleine (Bruna Linzmeyer), que se apaixona por outro homem, José Leôncio (Renato Góes). Ele é um psicólogo que conversa com todo mundo, entende o que as pessoas estão passando, dá dicas para elas. Ao mesmo tempo, não consegue lidar com esse amor, com suas emoções, com essa fixação que tem pela Madeleine. Assim, faz uma besteira atrás da outra. Então, vamos tratar da questão da saúde mental. Eu me sinto mais potente como artista quando consigo trazer essas discussões. Penso sempre nisso quando vou fazer um projeto novo”, enfatiza.
Enquanto comenta sobre o personagem, Gabriel joga luz sobre o que viu durante as duas semanas em que gravou na região do Pantanal. “O choque é ainda maior quando você vê pessoalmente a natureza vítima da ação humana. Lá, eu vi a seca, vegetação destruída por queimadas. Temos que pensar mais nessa questão do desmatamento. Precisamos repensar o nosso consumo de carne, em como estão destruindo a vegetação para poder criar boi para vender e consumir. Temos a chance de pensar para mudar e que o futuro tenha uma perspectiva um pouco melhor”, analisa.
Gabriel tem uma trajetória marcada por personagens que sofreram preconceitos. Em A Força do Querer, viveu Claudio, que tinha envolvimento amoroso com Ivana/Ivan (Carol Duarte), que se descobria um homem trans. No filme Entre Irmãs, interpretou um homossexual, com direito a cenas de beijo com Romulo Estrela. E seu papel na série Nada Será Como Antes também tinha uma relação homoafetiva. Nessas ocasiões, sentiu fortemente o preconceito contra essas pessoas. “Os transexuais sofrem mais ainda do que os homossexuais. Eles são massacrados muitas vezes. Tenho amigos gays, trans, pessoas fazendo transição, mas quando você encarna um personagem da comunidade LGBTIA+, você entra um pouco mais nesse mundo. Passei a conhecer ainda mais e a sentir as dores que eles sentem. Esses processos foram importantes para mim. Mesmo não sendo gay, nem trans, pude me colocar nessa luta, entender, ter empatia por essas pessoas e ver que há gente realmente com muito preconceito. E são elas que matam muitas pessoas trans no Brasil. Isso é um absurdo”, pontua.
O ator opina sobre o que move as pessoas a terem tantos preconceitos, a se incomodarem tanto com a vida dos outros, com o que fazem entre quatro paredes, se é branco ou preto, gordo ou magro? “Somos criados a achar que todo mundo tem de ser igual, que se algo faz bem para mim, funciona no meu dia a dia, vai ter que funcionar para todo mundo. Não sei o motivo pelo qual o ser humano age dessa forma. Somos plurais. Temos que batalhar para desfazer esses preconceitos que vêm de criação, que, muitas vezes, estão no meio religioso, que traz uma dureza, tipo ‘seu filho tem que ser assim, senão, sei lá…’. Precisamos aprender que cada ser humano vai ter um jeito de viver, já veio com uma genética, com gostos diferentes e tem que ter liberdade para exercer e ser quem ele quiser contanto que isso não machuque o outro”, reflete.
No decorrer da vida, é normal as pessoas se questionarem. Posicionamentos são revistos. Gabriel mesmo admite que já se autocriticou. “Imagina, menino branco, heterossexual, criado no meio cristão, em Curitiba. Estava, na verdade, no meio de todos esses privilégios e desse molde certinho de criar um homem, de crescer e viver, sabe. O machismo que a gente enfrenta é estrutural, então, já fui muitas vezes machista, já fiz comentários que hoje eu condenaria veementemente. Nós, homens, principalmente, temos que estar dispostos a entender que não cabem mais certas atitudes, e a pedir perdão, aprender. Por exemplo, a Lina (Linn da Quebrada), no Big Brother, está ali uma mulher na frente de todos, então, não é difícil chamá-la de ‘ela’. Por que vai chamar de ‘ele’? Acredito que cada vez mais as pessoas vão ter discernimento, cuidado e carinho para falar com as outras. Precisamos ter amor e escuta para evoluir. Todos tem que ser como são”, observa ele, que concluiu as gravações de Pantanal recentemente. Já De Volta Aos 15, foi realizada no primeiro semestre do ano passado.
É com muito prazer que ele fala mais dos dois projetos profissionais. Quando Pantanal estreou na Manchete, em 1990, com José de Abreu interpretando Gustavo, Gabriel tinha somente um ano de idade. “Quando soube que ia fazer essa primeira fase, assisti alguns capítulos no YouTube. E todas as minhas tias falam com muito carinho e são apaixonadas pela trama”, conta.
Apesar de Gustavo ser um personagem da área urbana, Gabriel gravou no Pantanal a sequência em que ele vai atrás de Madeleine que se mudou para lá com José Leôncio. “Foi incrível, porque eu estava há muito tempo de quarentena, não tinha viajado ainda a trabalho depois de quase um ano e meio. Então, poder sair de casa com todos os cuidados que a Globo teve, para gravar naquela região foi surreal. Lá, as pessoas têm outro estilo de vida, é um outro bioma e aí você se dá conta de como o Brasil é grande. Foi incrível ficar imerso duas semanas nessa experiência”, observa.
No Pantanal, Gabriel viveu uma das mais inesperadas experiências de sua vida. Na fazenda onde o elenco ficou, à noite, quando apontavam o farol do carro para o lago, eram incontáveis o número de olhos de jacarés que eles viam. “Em outro rio, na fazenda onde gravamos, na hora da folga, a gente entrava e olhava para o lado, víamos um jacaré passando ali a alguns metros. No primeiro dia deu um medinho, depois alguém falou que era tranquilo e aí você ia acreditando. A fé vem dos outros”, acrescenta. E na fazenda onde estava hospedado viveu experiência gastronômica diferente ao comer carne de jacaré. “Eles fizeram tipo empanado, uma delícia, me lembrou um frango. Pelo que entendi, eles não costumam comer jacaré. Acho que fizeram somente pra gente conhecer”, diz.
O ator dividiu a cena com Almir Sater, que participou da primeira versão da novela, e, agora, interpreta um chalaneiro, profissional responsável por levar as pessoas para a região. “Ele é muito generoso, calmo, em cena estava sempre tocando uma violinha que era dele e ia criando os climas. Domingo, dia de folga, almoçamos na casa dele, que mora lá”, lembra.
Gabriel achou interessante que tanto em Pantanal quanto em De Volta Aos 15, ele dividiu os personagens com outros atores. Na novela da Globo, Caco Ciocler interpreta Gustavo na segunda fase da trama. E, na série da Netflix, quem dá vida a Joel, na fase jovem, é Antonio Carrara. “Isso nunca tinha acontecido na minha carreira. Foi interessante ver a construção de cada um. Tanto Gustavo, quanto Joel, são personagens apaixonados. Eu, quando amo alguém, também não meço esforços para fazer esta pessoa estar perto de mim, seja na amizade ou em relação amorosa”, diz.
Por sua vez, em De Volta Aos 15, que tem no elenco nomes como Maisa Silva e Klara Castanho, Gabriel participa de um triângulo amoroso com os personagens de Camila Queiroz (Anita) e Breno Ferreira. Passando por uma série de problemas, tudo que Anita mais deseja é voltar a ter 15 anos de idade. Assim, como em um passe de mágica, todos retornam no tempo. “Quem nunca passou por essas questões de amor? Vivi isso na adolescência. Gostava de uma menina, fui falar com ela, que começou a chorar e falou que era apaixonada por um amigo nosso. E já aconteceu o contrário. De um amigo estar apaixonado por uma menina, que gostava de mim. Isso sempre acontece, por isso é tão presente nessas tramas. O Joel gosta da Anita, mas não é amado. Situação parecida a de Pantanal”, ressalta.
Na vida real, afetivamente Gabriel vive relação sólida com a atriz Natasha Jascalevich. A paixão em comum pelas artes circenses fez com que se encontrassem no espetáculo O Grande Circo Místico, em 2014, aonde ele fazia malabares e corda bamba, e ela contorcionismo. Gabriel mora no Rio há uns 12 anos, mas, ainda em sua terra natal, participou de escolas de circo. “Eu integrava um grupo que tinha circo, pirofagia, que é cuspir fogo, fazer malabares com fogo. Aprendi muito e foi aflorando essa veia artística que eu tenho”, recorda ele, que desenvolveu também técnicas de acrobacia de solo. “O contorcionismo eu deixo para a Nat, que estuda desde os 12 anos e já tem uma predisposição do corpo. Nem acrobacia mortal eu consigo mais fazer. Isso é para gente jovem. Quando você para vai enferrujando e eu parei de treinar após O Grande Circo Místico. A vida foi me levando para outros lugares e personagens que não me exigiam isso e fui deixando de lado”, explica.
E relembra o encontro com Natasha. “Nesse espetáculo, ela era contorcionista do circo. E eu era um mocinho que se apaixonava pelo circo. Ali foi místico mesmo, conheci e me apaixonei pela Natasha”, frisa ele. Os dois começaram a dividir apartamento durante a pandemia, inclusive, juntos tiveram covid-19. “Estamos há quase oito anos. Ela morava sozinha no Leme e eu, em Botafogo. Amávamos essa história de cada um ter seu espaço. Só que daí veio a pandemia, os trabalhos foram diminuindo, o dinheiro também. E falamos: “Não dá para pagar dois aluguéis quando a gente está o tempo inteiro juntos. Vamos casar. Que juntar é tipo casar. Isso tem um ano e pouco e eu estou achando lindo, maravilhoso”, exalta.
Nesse período, desenvolveram trabalhos também pela internet. Ela como diretora, ele na assistência, como o curta A Lagarta. “Dois artistas presos em casa em uma pandemia, a gente tinha quase que uma necessidade de criar algo. E nesse tempo que a gente tem vivido de Instagram, rede social, as pessoas meio que vão se contentando em criar esse conteúdo quase descartável, tipo uma dancinha aqui, um negocinho que o outro está fazendo. Só que a gente precisava de algo a mais. Então, ela fez um filme, O Peixe, que percorreu festivais no mundo inteiro”, finaliza ele, que também fez assistência para ela neste trabalho.
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