*Por Thaissa Barzellai
Quem vê Gabriel Leone tão seguro em cena, principalmente nos seus últimos trabalhos, entre eles o estudante de psicologia Felipe, de Um Lugar ao Sol, e o traficante e usuário de drogas Pedro Dom, de Dom, não imagina que o ator ainda pode ser acometido por sentimentos de insegurança e nervosismo. Quando ficou diante da produção do longa-metragem Eduardo e Mônica, romance baseado na música homônima de Renato Russo, para o teste de elenco, Leone não teve o seu melhor desempenho e pediu para refazê-lo no dia seguinte. “Eu não sei até que ponto a minha expectativa pode ter me desestabilizado, mas também acho que há coisas mágicas que acontecem. Nossa produtora de elenco sempre fala que os personagens escolhem os atores, e tinha algo dentro de mim me falando para refazer o teste. O máximo que iria acontecer era eu fazer mais uma vez um teste ruim e eles terem certeza de que eu não era a pessoa certa para o papel”, relembra. Dirigido por René Sampaio, que também assina Faroeste Caboclo, outro trabalho inspirado no repertório do Legião Urbana, o filme acompanha o romance de Mônica, uma mulher intelectual e politizada, e Eduardo, um jovem de 16 anos que ainda está tentando descobrir o seu lugar no mundo.
Fã declarado do grupo musical, o ator estava certo de que não havia outra opção senão conseguir o papel de Eduardo, que representava muito mais do que um mero trabalho no currículo. Sua obstinação estava vinculada ao desejo de realizar o sonho de um menino que, influenciado pelos pais, cresceu com as canções da banda tocando pelos cômodos da casa e que até hoje coleciona artigos dela, dentre eles os diários de Renato Russo.
“Conforme ia crescendo, eu ficava cada vez mais impactado com o jeito que o Renato interpretava as músicas. As letras sempre mexeram muito comigo e a possibilidade de viver através da minha profissão um personagem criado por ele, em uma música icônica, é um sonho”, declara. Na realização desse sonho, Gabriel Leone teve uma parceira que estava destinada a mergulhar nessa Brasília dos anos 80. Na pele de Mônica, Alice Braga quase não fez parte do projeto devido às interferências na agenda e burocracias do projeto, como falta de investimento ou alterações no roteiro, mas que no fim conseguiu alinhar tudo para viver essa aventura romântica.
A escolha não poderia ter sido melhor e a dupla imprimiu em cena uma química que surpreendeu até mesmo o diretor. “Quando juntamos os dois, eles tinham muita química e isso reflete na tela, pareciam feitos um para o outro”, conta o diretor René Sampaio. A conexão entre os personagens foi o fio condutor da construção desse romance, que, apesar de se tratar de um casal formado por opostos complementares, com características específicas que vivem até hoje no imaginário cultural, diz respeito, acima de tudo, a um amor universal entre duas pessoas que superam as diferenças.
“Não adiantava ter todas as características individuais deles que estão na letra e não ter esse encaixe, essa conexão, porque a essência da música é esse encontro”, reflete o ator que brinca dizendo que, no fim, não importa sobre qual casal é o filme desde que o amor seja o protagonista. “O filme poderia se chamar “Raimundo e Jurema”, as pessoas não saberem quem é Eduardo e Mônica e quererem assistir de qualquer forma para se divertirem e se emocionarem. É uma história universal que funciona enquanto filme”.
Apesar de se tratar de uma comédia romântica, um filme solar, como elenco e diretor tem definido, Eduardo e Mônica é feito de camadas que vão além do clichê, explorando temas que, durante o ano de pandemia, se tornaram ainda mais pertinentes, entre eles a perda e a polarização política que assolaram relações sociais e familiares. No filme, Eduardo vive com o avô, que o criou após o falecimento da mãe. Em diversos momentos do longa, o jovem revive as memórias da infância ao lado da sua mãe, refletindo sobre os impactos da ausência materna em sua vida.
Diante das mortes dolorosas e diárias que invadiam as televisões brasileiras, Gabriel Leone ficou cara a cara com a sua vulnerabilidade e passou a enxergar esse sentimento, antes vivido em cena, sob um prisma mais acolhedor. “Foi desastrosa a forma que o governo conduziu o país ao longo da pandemia. Diariamente escutávamos barbaridades na televisão, cada dia era algo pior. Foram ironias, piadas, em cima da tragédia que estávamos vivendo. Posso dizer que na pandemia, algo dentro de mim, até fisicamente, me disse que eu não lidava tão bem com a perda. Pude me encarar de forma mais frágil e humana, o que foi bom. É importante entender que, às vezes, precisamos de um tempo nosso e de ajuda para nos curar”, contou o ator que tem a terapia como a sua principal aliada nesse processo.
Filmada em 2018 e ambientada na Brasília dos anos 80, em um Brasil que vivia os primeiros passos rumo à redemocratização após um longo e árduo período ditatorial, a película, sem saber que a história viria a se repetir com a posse de Jair Bolsonaro e da sua ode ao militarismo, evidenciado ainda mais nos últimos meses, não almejava tamanha contemporaneidade sociopolítica. Ao retratar o pensamento conservador e autoritário na figura do avô ex-militar de Eduardo, que acredita que a ditadura foi uma revolução e relativiza a dor das vítimas, como o pai comunista e exilado de Mônica, o roteiro tinha como objetivo somente a contextualização de uma época.
Qualquer semelhança com os tempos atuais e milhares de brasileiros, infelizmente, não é mera coincidência e a falta de senso coletivo e crítico de uma parcela da população não passou despercebida por Leone. “Muita gente fazia vista grossa ao que estávamos vivendo. Para elas, era apenas uma fala e não deveríamos nos importar com isso. É muito fácil falar isso quando não é ninguém da sua família, porque o dia que alguém próximo não estiver mais ali e você ligar a televisão e tiver um cara ironizando a sua dor, a sua perspectiva muda”, reflete.
Em um momento oposto ao que seu personagem vive em Eduardo e Mônica, é com essa maturidade e auto-conhecimento que Gabriel Leone conduz sua vida pessoal e sua carreira, cujo trabalho tem alcançado público além da fronteira — disponível na Amazon Prime, a série Dom é exibida em mais de 200 territórios ao redor do mundo. Se a discrição faz parte da sua persona íntima, em cena o público enxerga um artista completamente entregue ao que faz. Com mais cinco trabalhos para serem lançados na grande tela, além de Eduardo e Mônica, que chega aos cinemas no dia 20 de janeiro, Leone sabe muito bem o caminho que quer trilhar e investe em personagens que incitam o que há de melhor na sua relação com a arte: a paixão.
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