*por Vítor Antunes
Reconstruir-se. Este talvez seja o verbo que move Gabriel Godoy no atual momento. O artista, que estreou na TV em em 2014, dez anos após haver iniciado em sua carreira, decidiu promover uma nova leitura de seu próprio trabalho como ator. Vinculado às novelas cômicas às quais trabalhou, o ator resolveu experimentar-se, no audiovisual em outras propostas artísticas. E com isso fez dramas urbanos como “Rota 66” e está no elenco de “A Divisão“, ambas do Globoplay. Todas as duas com alta voltagem de ação e conflitos. “Estou ansioso em ver este trabalho, ” A Divisão”, que já é fruto deste (re)direcionamento de estilo. Em dezembro estreia também “O Sequestro do Voo 375“, na Disney Plus. Outro formato inédito é o da novela de época. Godoy poderá ser visto em “Dona Beja“, novela baseada na biografia da cortesã mineira e remake do clássico da Manchete “Dona Beija“, na HBO Max. Ainda cercada de mistério, ele está nos períodos iniciais de gravação e de reconhecimento da própria trama.
Gabriel também traz à tona algumas das discussões que norteiam muito da produção do audiovisual, tanto no que tange aos direitos conexos como no que diz respeito à presença de atores que não têm histórico profissional ou não estudaram, e que estão na profissão em face do número de seguidores.
É surreal dedicar-se a estudar e a fazer faculdade quando um famoso da internet que decidiu ser ator ontem disputa o mesmo personagem. Mas esta é a realidade de um mercado sem lógica e cruel – Gabriel Godoy.
Além disso, o ator observa o quanto de imprecisões acerca de sua biografia corre na Internet, como por exemplo, dizerem que ele fez seu primeiro trabalho na TV em 2008 e não em 2014. Às vésperas de completar 40 anos e 20 de profissão, Gabriel celebra o atual lugar conquistado e a sua própria maturidade. “Eu estou gostando muito deste período. Com mais idade, me vejo de forma legal comigo mesmo, menos angustiado (…). Eu me sinto muito feliz e bem vindo aos 40”.
ALÉM
Disruptivo: Adjetivo Masculino e Singular. A palavra tem origem no inglês e teve grande resistência em ser aceita no vocabulário português. Hoje, não apenas faz parte como é recorrentemente usada e já compõe o VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa). Não muito distante desse desafio da palavra em reexistir em português, Gabriel Godoy também quer ser disruptivo e singular. Recorrentemente fazendo trabalhos voltados ao humor na TV, Godoy quis redesenhar sua trajetória profissional. Ainda que não negue sua habilidade neste segmento, ele se coloca a redefinir um caminho mais amplo em seu fazer artístico. Está às raias de estrear sua primeira novela de época “Dona Beja“, na HBO Max, esteve em “Rota 66”, uma série policial do Globoplay, e estará em outro projeto neste mesmo gênero e também no Globoplay , que é “A Divisão“, e, recentemente estreou “Fluxo”, drama sobre um Brasil distópico.
Dramas, tragédias urbanas, tramas de época. Uma transgressão ao lugar comum ao qual ele era colocado nas novelas de televisão. “Sem dúvida foi uma das pautas esse redirecionamento. Temi que fosse ficar marcado como humorista. Em algum momento só começou a chegar humor. Gosto do gênero e tenho facilidade nele, mas só depois fui entender que, nesse sentido, o mercado brasileiro é perigoso. O ator de comédia dificilmente vai ter chance em filmes de fora do espectro da comédia. As pessoas tendem a estar colocadas em gavetas. Tanto que em 2021, no pós-pandemia, eu comecei a negar alguns trabalhos e de comedia e junto com a minha agente, pensei em estratégias para ir para o drama e não ficar rotulado”. Antes desse processo de redirecionamento na carreira ele chegou a fazer a série “Assédio” , dirigida pela Amora Mautner . Além destes projetos, ele estará no longa “O Sequestro do Voo 375“, um filme da DisneyPlus. “Essa sequência de projetos dramáticos me fez relaxar em fazer outros estilos”.
O mercado nacional tende a nos colocar numas gavetas. No Brasil são poucos os que conseguem transitar – como o Selton Mello, o Mateus Nachtergaele, Lázaro Ramos e Vladimir Brichta. Eles estão num lugar grande no mercado. Eu não queria ficar numa caixinha, mas diversificar – Gabriel Godoy
“Dona Beja” marca algumas estreias. Será a primeira do HBO Max e, a pioneira de muitos artistas ex-Globo. Dentre eles, o próprio Gabriel. Ele, inclusive, nunca fez novela de época. Ainda que tenha muita restrição em se falar sobre esse projeto, por uma prerrogativa da própria produtora/player. “É um tipo de trabalho que nunca fiz e está sendo muito legal. Todo o processo ainda está muito inicial, tivemos poucos ensaios e leituras de mesa ainda. Eu estou ansioso para conhecer a cidade cenográfica. É um trabalho que vai ser especial por isso, além de me exigir uma outra construção corporal. A gente não pode esquecer que, ainda que seja uma obra que remeta ao século XIX, ela está sendo produzida em 2023”. Quanto a haver feito muitos trabalhos na Globo e perceber as diferenças de uma outra produtora, ele é pontua:
Eu nunca fui um ator global, um daqueles contratado de longo prazo. Vejo colegas que tiveram contratos de 30, 15, 20 anos. Mas com certeza vai ser diferente. A contrário deles, eu passei por muitos players, então não vai haver um grande estranhamento, senão através do ritmo mais intenso de gravação – Gabriel Godoy
O redirecionamento estratégico acabou por afastá-lo do teatro, que foi sua porta de entrada nas artes. “Sempre fui muito apaixonado pelo teatro. Quando fui para o audiovisual me apaixonei também e estar fazendo muitos trabalhos neste formato acabou por me gerar uma crise, sanada depois que abri uma produtora audiovisual, ao lado do Pablo Sanábio e do Vinicius Vasconcelos. Assim, percebi que não estou focado no teatro”. A Prelúdio, empresa do trio, realiza séries e projetos, tanto autorais como comerciais.
INTERNET E SEUS REVESES
O mercado do streaming ampliou as possibilidades de produção. Em contrapartida, há uma grita geral sobre melhores remunerações ou maior justeza nesses pagamentos. Há produtos transitando entre os próprios players e mesmo nas TV’s sem que, com isso, haja remuneração aos atores. Hoje, vários profissionais reclamam abertamente sobre isso. “Eu acho uma luta urgente, necessária, pertinente. Esse debate tem que ser presente e temos que falar sobre isso.
Eu já fiz uma série para um player X e quando eu vi ela estava sendo exibida/transmitida por Y e Z, e por esse nova transação eu não fui sequer comunicado” – Gabriel Godoy
E não é apenas isso. Há de se tutelar também o conteúdo que vai para as redes sociais: “É isso que está em jogo, nossa imagem que está ali, estamos expostos e em frente à câmera. Com essa nova onda das redes sociais, nossas imagens são reproduzidas e vão para diversos lugares. Fazem o que querem com a nossa imagem e é uma luta difícil. Em muitas das vezes estamos presos aos streamings gringos e há aí, também, questões culturais. Uma diferença brutal de quem faz o streaming nos EUA e aqui, quando comparados os atores de “Game of Thrones“, por exemplo e nós”. O ator ressalta que mesmo para fechar contrato acaba sendo difícil diante dos entraves para propor questões contratuais.
Outro problema que também atinge os atores e as redes são as desinformações acerca deles e que acabam sendo compartilhadas. A Internet atribui a estreia de Godoy a uma novela do SBT, “Revelação”. Sites oficiais repercutem o que consta na Wikipedia, o que não confere com a realidade. Inclusive, naquele site, o suposto primeiro personagem de Godoy tem até nome.
Ele explica: “Eu faria uma diária nesta novela e acabei por não gravar, porque choveu. Não houve gravação nenhuma naquele dia. Por ser uma diária, ainda que tivesse acontecido, nem contaria como a um primeiro trabalho. Considero como estreia a minha participação em “Alto Astral“, já que nesta fiz parte efetivamente da produção”. Ao fazer esta novela, de sucesso, o autor Daniel Ortiz gostou do trabalho do rapaz e convidou-o para fazer outro trabalho, “Haja Coração“. Apenas uma novela de Ortiz não contou com Godoy no elenco. “É gostoso observar que quando entra um autor e/ou um diretor cria-se uma turma. Em “Alto Astral“, Ortiz traz com ele um bando vindo de São Paulo. Além de mim estavam a Sabrina Petraglia, o Conrado Caputo e a Mariana Armelini”.
É voz geral a recorrente vulgarização da profissão de ator. Não é novidade nenhuma que há, e de forma cada vez mais deliberada, a seleção de ator diante da quantidade de seguidores na Internet. Ao ver de Gabriel, quem pode filtrar isso “são os executivos, que organizam o cenário do audiovisual, e quem manda nisso acaba por ser o capitalismo. É surreal dedicar-se a estudar e a fazer faculdade quando um famoso da internet que decidiu ser ator ontem disputa o mesmo personagem, mas esta é a realidade de um mercado sem lógica e cruel. Não é uma competição justa. Não dá para um diretor, um produtor executivo aprovarem isso. Estamos falando de um país altamente artístico como o Brasil e com milhares de atores mas que a quantidade de seguidores acaba sendo definitiva”. Gabriel ressalta também que há grande repetição de elenco quando também é grande a quantidade de pessoas querendo uma oportunidade. “É um mercado injusto e sem logica”.
As escolas de teatro estão lutando para ficar vivas. Os executivos e profissionais do audiovisual, por exemplo, poderiam nos ajudar a ter um mercado mais honesto. Há atores que sequer conhecem cinema e que não tem repertório sobre o próprio ofício – Gabriel Godoy
Dentre o que não se pode controlar, o tempo tem seus prodígios. Ano que vem, Godoy completa 40 anos. “Eu estou gostando muito de amadurecer. Com mais idade, me vejo de forma mais legal comigo mesmo, menos angustiada – até por conta de fazer terapia há anos e isso me complementa. Indico sempre a todos”. Namorando a atriz Raíssa Xavier, ele diz sentir vontade de ter filhos, mas não neste momento. “Eu me sinto muito feliz e bem vindo aos 40. Além do mais, a concepção que há hoje para os 40 anos é diferente daquela que havia antigamente, de pessoas maduras e com um um grande número de filhos. Há quem esteja começando a vida agora, com esta idade”. O ano que vem marca, também os 20 anos de carreira do ator. Parafraseando a música de Emílio Santiago (1946-2013), Godoy presencia esses quase 40 anos de aventuras. De uma vida que pôs canção entre seus dedos, entregando-lhe uma arte-partitura para tocar mais – outros – enredos.
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