*Por Brunna Condini
Constatamos nesta entrevista por vídeo que Flora Camolese tem o mesmo magnetismo que empresta para suas personagens em seus trabalhos estreia – digam-se prósperas produções- tanto a série ‘A vida pela frente‘, do Globoplay, estreia de Leandra Leal como diretora; quanto ‘Vai na fé’, trama de Rosane Svartman, o maior sucesso dos últimos tempos na faixa das 19h. Neste bate-papo, a atriz, que vive a protagonista Beta no streaming, fala da personagem impactante, que com seu enredo toca em um tema ainda sensível que é a atenção à saúde mental na adolescência, tirando o véu dos estigmas de alguém que está deprimido, por exemplo.
“Escancarar a questão é muito importante para abrir esses diálogos que podem ajudar muitas pessoas. Essa série traz um conforto para as pessoas perceberem que não estão sozinhas, que a vida não é mesmo perfeita, e é preciso conversar sobre como se está realmente. É uma produção responsável, tivemos muitas palestras com psicólogos para falar sobre. Alguém com depressão, não necessariamente estará chorando dentro de um quarto. Pode estar também. Isso é um aprendizado no olhar. As emoções não são caricaturas e não precisam de ‘dedos ‘ apontados. A Beta é uma jovem que passa por emoções prematuras, que não foram ‘endereçadas’, acessadas. Se a minha personagem tivesse assistido ‘A vida pela frente‘ talvez tivesse reconhecido a importância da fala. Tenho recebido muitas mensagens sobre isso, a série está tocando e atravessando as pessoas em um nível muito profundo. Tanto de fazer algo a respeito das próprias dores, como em um sinal de alerta para estar atento ao outro. A importância de uma atenção coletiva”, divide.
E faz questão de ressaltar ainda: “É uma série de época, se passa na virada de 1999 para o ano 2000. Naquela época ainda era um tabu maior. Existia um estigma imenso de quem fazia terapia, as pessoas achavam que precisavam ter um ‘caroço muito inflamado’ para ter a necessidade. E não é por aí, é uma ferramenta fundamental de autoconhecimento”.
Atuar é estar em outras vidas e, para isso, você precisa estar muito bem na própria pele. Autoconhecimento é a chave – Flora Camolese
Aos 21 anos, ela comenta sobre como foi sua adolescência: “Ninguém passa ileso pela adolescência e também não passei. Tive uma época específica da minha vida, com uns 14 anos, que foi um pouco conturbada e passei a ter questões de ansiedade forte, mas justamente por eu ter acesso à terapia e pais atentos, um diálogo aberto, fui para a questão e tratei. Dei uma desbaratinada intensa, mas consegui olhar a tempo, deu tudo certo. Cuidei das questões que estava atravessando nesta fase que costuma ser mais sensível mesmo”, compartilha Flora, que é filha do restaurateur Cello Camolese e da chef Zazá Piereck, donos de estabelecimentos gastronômicos no Rio de Janeiro. “Eles sempre me incentivaram na minha vocação, que é diferente da deles. Até porque sabem que ia perseguir o que desejava de qualquer forma (risos). Fui pra Nova York estudar e eles me bancando, acreditando no meu sonho comigo, dando suporte. Agora estão vibrando de ver os frutos que já chegam”.
Antes da Beta de ‘A Vida pela frente‘ e da Bia, de ‘Vai na fé‘, que viveu uma relação com um homem com o dobro da sua idade – “nunca aconteceu comigo um relacionamento assim, mas se rolasse, viveria” – Flora vivia em Nova York, nos Estados Unidos, onde cursava atuação no Instituto Lee Strasberg. Ela recebeu a proposta da série, fez teste por lá através de vídeo e não titubeou em pagar para ver, entrando de cabeça primeiro na série, e depois aproveitando o convite para o folhetim. “Não pensei duas vezes. Deixei fluir e deu certo. E quero continuar vendo o que esse fluxo vai trazer. Não pretendo voltar para Nova Iorque assim que a novela acabar. Prefiro ficar por aqui mais um tempo, pronta pra ‘atacar’ o que vier. Até para colher os frutos destes trabalhos. Tenho medo até de ficar mal acostumada (risos), porque já comecei em projetos muito felizes. Adoraria emendar um terceiro trabalho”.
Alguém com depressão, não necessariamente estará chorando dentro de um quarto. Pode estar também. Isso é um aprendizado no olhar – Flora Camolese
Intensidade
Na pele da intensa Beta de ‘A vida pela frente‘, que – contém spoiler – morre no dia da festa de formatura de sua turma, e por isso traz para a roda temas tão sensíveis e vitais em relação ao bem-estar, a atriz comenta sobre a personagem separada dela pelo espaço e tempo (a trama se passa nos anos 2000), mas com muitas semelhanças. “Emprestei para a Beta a minha intensidade. Ela é um pouco mais intensa que eu, certamente. Sou mais saudável mentalmente, raciocino mais, ela é bem impulsiva. Mas vivo tudo intensamente, senão não seria atriz. E também vivo rodeada de amigos como ela, sou um ser bem social’, avalia.
Com uma potência visível e imensa para sua tão pouca idade, Flora arremata: “Me curo muito, abro e fecho feridas através das personagens. A Beta abriu muitas portas em mim e pude ficar frente a frente com questões que eu nem sabia que tinha. Fui a fundo e foi muito bom. A Beta sofre, mas não deixa vir para a superfície, vai empurrando e dá no que dá. Eu, através da Beta, consegui olhar e falar sobre muitas questões, o que dá um outro rumo para as coisas, claro. Mas para falar sobre as feridas da Beta, tive que visitar as minhas, sabe? Faço terapia desde os meus 10 anos, algo importante tanto para a minha vida pessoal, quanto profissional. Sinto que só consigo ser a atriz que sou por conta disso, me aproxima de mim. Atuar é o trabalho de saber manusear as emoções, se vocês não as conhece, não sabe quais são seus ‘gatilhos’, é muito difícil acessar certos lugares. Acredito que autoconhecimento é a chave para uma boa atuação. Além do que, atuar é estar em outras vidas e para isso, você precisa estar muito bem na própria pele”.
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