“Criei projeto para dar voz às mulheres que passam por abusos e violência”, diz Thainá Duarte, atriz de ‘Aruanas’


A atriz, uma das protagonistas da série, que volta ano que vem, está à frente do projeto “Estou aqui para contar”, sensibilizada pelos relatos que recebeu por conta da repercussão da série, e também para chamar à atenção sobre os números da violência doméstica no país: “Tudo isso me tocou muito, e ainda mais quando uma amiga muito próxima levou sete facadas do ex-companheiro. Ela sobreviveu e gostaria de dar voz ao que aconteceu para que outras mulheres não passem pela mesma situação. Temos o mesmo nome e a mesma idade. Com isso tudo aqui dentro de mim, acabei idealizando o projeto para chamar à atenção sobre os altos números de violência doméstica no Brasil”

*Brunna Condini

Uma história fictícia que amplia temas reais. E acende um farol em um assunto urgente, como a violência doméstica. Assim cumpriu sua trajetória a série “Aruanas’, que terminou a primeira temporada nesta terça-feira, com recorde de audiência. Na trama, que retrata os conflitos ambientais que afetam a população da Amazônia, a violência e o abuso contra a mulher também ganharam espaço. E foi através de Thainá Duarte, a ativista Clara na série, que foge do ex-namorado que a violentava, que a pauta ganhou força.

A atriz bateu um papo exclusivo com o site sobre a quantidade de mensagens que têm recebido de mulheres dividindo suas experiências e dores sobre relacionamentos abusivos e sobre o projeto que criou,“Estou aqui para contar”, sobre a questão. “Na maioria dos relatos são mulheres que já passaram por relacionamentos abusivos. A quarentena é um agravante da violência doméstica, essas mulheres estão tendo dificuldades de fazer denúncias. Todos os órgãos dizem que os pedidos de socorro têm aumentado”, informa Thainá.

“O texto da minha personagem era de superação. Então, a maioria destas mulheres que assistiam a série se identificavam. Muitas até diziam que a história as ajudou a terem certeza que tinham vivido de fato um relacionamento abusivo. As mulheres muitas vezes não se dão conta do que vivem, até porque, quando dizem para alguém, muitas vezes são descredibilizadas”.

Thainá em “Aruanas”: “O texto da minha personagem era um texto de superação. Então, a maioria destas mulheres que assistiam a série se identificavam” (Divulgação/Globo)

A atriz ficou extremamente mexida com os relatos e conta que tudo a sensibilizou ainda mais quando uma amiga muito próxima levou sete facadas do ex-companheiro. “Ela sobreviveu e gostaria de dar voz ao que aconteceu para que outras mulheres não passem pela mesma situação. Temos o mesmo nome e a mesma idade. Com isso tudo aqui dentro de mim, acabei idealizando o projeto para chamar à atenção sobre os altos números de violência doméstica no Brasil”.

De acordo com dados do Ministério da Saúde relacionamentos abusivos atingem uma mulher a cada quatro minutos no país. “Os dados são assustadores, então resolvi reunir mulheres com histórias reais que já romperam com o ciclo de violência e que têm vontade de dar voz a um problema tão grave na nossa sociedade”, explica. “Neste projeto falo muito de identificar os primeiros sinais. Geralmente não começa na agressão física. E tem outra coisa, muitas mulheres que expõem um relacionamento abusivo não querem sair dele, só querem que o parceiro melhore. Por isso é tão importante a mulher entender o que está vivendo e tomar as rédeas da vida. Tem também a agressão moral, psicológica, é preciso identificar. O machismo enraizado em nossa sociedade alimenta esse tipo de relação”.

“Os dados são assustadores, então resolvi reunir mulheres com histórias reais que já romperam com o ciclo de violência e que têm vontade de dar voz a um problema tão grave na nossa sociedade” (Foto: Julia Rodrigues)

Em seu lugar

A primeira e segunda fases do projeto já foram lançadas: Thainá Duarte aparece em um vídeo em uma cena importante de sua personagem na série ao lado de 17 mulheres que também interpretam a mesma cena. Destas mulheres, 10 sofreram violência doméstica como a carioca Maria Vitória, de 35 anos, as paulistas Rihanna Borges, de 45 anos, Caroline Costa, 24, e Ana Paula, de 32; a baiana Cleidiane de Melo, de 35 anos e Andreia Ribeiro, de 49 anos, que vive no Rio Grande do Norte. Além delas, sete autoridades no assunto também participam, entre elas entre elas a farmacêutica Maria da Penha, símbolo da luta pelo fim da violência contra a mulher, Fabíola Sucasas, promotora de justiça, a doutora Eunice Prudente, primeira mulher a assumir a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo e Erica Paes, professora de defesa pessoal.

A história de Rihana Borges é um dos depoimentos do projeto: “O Brasil é o que mais mata pessoas trans e travestis no mundo, e elas geralmente são vítimas das próprias famílias” (Divulgação)

Paulistana da zona norte da cidade de São Paulo, a atriz fala sobre o desafio e a importância do projeto. “Acredito que consciência, empatia e sororidade podem salvar. A violência que a minha amiga sofreu mexeu muito comigo, me tirou de vez de uma zona de conforto. Interpretar a Clara já tinha me tocado muito, mas o que a Tainá passou foi determinante para fazer essa ação”, divide.

“Lembro que comecei o projeto em 14 de maio, e ela tinha sofrido a agressão duas semanas antes. Hoje ela está se recuperando. Conseguiu a medida protetiva e está cuidando dos dois filhos, mas isso é uma coisa que vai demorar para curar, principalmente por dentro. Ela acabou não participando do primeiro vídeo, mas fez uma live comigo sobre o surgimento do projeto. Todas as 10 mulheres que fizeram parte do primeiro vídeo, são mulheres que já romperam com a violência doméstica, temos um grupo no whatsapp, nos falamos, tem acompanhamento psicológico”.

“Acredito que consciência, empatia e sororidade podem salvar” (Foto: Julia Rodrigues)

A segunda parte do projeto também vai contar com a entrevista de um homem, ex-agressor. “Semana que vem vou entrevistá-lo, e aí vamos abrir outra caixa de diálogo. Existem grupos reflexivos, por conta Lei Maria da Penha, e eles são direcionados, senão serão homens reincidentes. A ideia do projeto é ampliar as vozes femininas prioritariamente, claro. Mas as pesquisas dizem que a taxa de reincidência depois dos grupos reflexivos é de 1%, isso mostra a importância desse diálogo com o homem, quando possível”.

Thainá revela que essa imersão tem proporcionado um amadurecimento grande. “Tenho revisitado meus relacionamentos afetivos, de amizade, amorosos. Refletido sobre a importância do trabalho destas pessoas, a importância da gente como artista, com a visibilidade. Acredito que seja nossa obrigação levantar esse tipo de temática, não podemos ser omissos. E se você, como artista, ainda não tem uma causa que abrace, procure algo que te mobilize e fale, dê visibilidade, faça algo, faça as pessoas se sensibilizarem. Se pergunte: como artista, qual a mudança que posso fazer no mundo?”, convoca. “Eu estourei a minha bolha, com certeza. E ainda bem que não tem volta”.

“Se pergunte: como artista, qual a mudança que posso fazer no mundo?”, convoca. “Eu estourei a minha bolha, com certeza. E ainda bem que não tem volta” (Foto: Julia Rodrigues)

Você já viveu um relacionamento abusivo? “Não, mas quando revisitei meus relacionamentos, vi que tiveram situações abusivas. As mulheres são as que mais sofrem com essa violência, as pretas, mais ainda. Temos todos que nos reeducar se queremos viver algo saudável. Temos que nos desconstruir e nos reeducar como sociedade”.

Aniversário na pandemia

Ela completa 25 anos no próximo dia 8 e não se queixa de não ter grandes celebrações. “Uma das lições que aprendi na quarentena é que temos que valorizar as relações que temos em família. Tenho feito mais coisas para fazê-los sorrir do que antes. Vamos ficar juntos, já que moro com minha mãe, meu irmão e minha irmã. Pensar na importância desta união tem mantido a minha cabeça no lugar, prezar pela saúde das pessoas na minha casa, e eles têm me ajudado a ficar bem. Amo aniversário, ainda mais que aqui, quem faz aniversário não limpa a casa”, diverte-se.

“Uma das lições que aprendi na quarentena é que temos que valorizar as relações que temos em família. Tenho feito mais coisas para fazê-los sorrir do que antes” (Foto: Julia Rodrigues)

Thainá conta que a mãe e o irmão, que trabalham em funções essenciais, banco e telemarketing,, respectivamente, tiveram todos os sintomas da Covid-19, mas não conseguiram confirmar se tiveram o vírus. “Não tinha teste na época disponível onde foram atendidos, deram remédio e mandaram para casa, porque os sintomas não eram graves. Acabamos levando minha avó para a casa do meu tio, por segurança. Eles continuam trabalhando, mas se cuidando o dobro. A população precisa entender que ficar em casa é realmente um privilégio, e que sair neste momento de pandemia, só se for necessário”.

A atriz está na segunda temporada da série “Aruanas” que estreia ano que vem, e entrega qual seu seria seu desejo se tivesse uma espécie de “poder mágico” neste aniversário: “Infelizmente, esse mundo que vivemos é regido por dinheiro, então eu pediria para ser a pessoa mais rica do mundo, e ia fazer acontecer para ajudar, ser babadeira. Uma das minhas principais ações seria acabar com a fome, porque de todos os problemas neste mundo, é o que mais me deixa triste. Saber que tem gente com tanto dinheiro e gente morrendo de fome. Ia investir em ações por um mundo mais igual, e gostaria de investir para encontrar a cura desse vírus. Mas falando de vida real, desejo muito mesmo conciliar o que mais amo com o que acredito, para tentar transformar ao redor. Isso é um objetivo”.

“Infelizmente, esse mundo que vivemos é regido por dinheiro, então eu pediria para ser a pessoa mais rica do mundo, e ia fazer acontecer para ajudar, ser babadeira” (Foto: Julia Rodrigues)