“Filme sem recursos e sobre uma geração com síndrome de Peter Pan”, diz Andradina Azevedo sobre 30 Anos Blues


O filme 30 Anos Blues traz a tona histórias de adultos que não cresceram psicologicamente e tudo isso reverbera, no amor, relacionamentos e profissão. “É sabido que hoje se tarda mais para chegar à idade adulta. Na geração dos nossos pais tudo já era bem mais definido. Aos 30, a maioria das pessoas já tinha filhos, casa e um trabalho. Hoje existem muito mais questionamentos. As pessoas fazem mais perguntas e mudam mais de vida, de trabalho, de faculdade. O que por um lado é bom, mas também gera muitas incertezas e pouca solidez”, diz o diretor, que rodou o longa em parceria com Dida Andrade

*Por Domênica Soares

A síndrome de Peter Pan se dá a partir de um conjunto de comportamentos apresentados por adultos que não querem deixar de ser crianças, tanto em relacionamentos como na vida profissional. É uma geração que está aí à nossa volta e que tem sido tema de debate e críticas até de filósofos como Mário Sérgio Cortella, Leandro Karnal e Luís Felipe Pondé. O filme 30 Anos Blues, de Andradina Azevedo e Dida Andrade, traz dilemas de uma geração na qual fazer 30 anos é… um marco na vida!

O longa, que também é protagonizado pela dupla, fechou a mostra competitiva do Festival de Cinema de Gramado de 2019 e teve exibição no Festival do Rio. Para o diretor e ator, Andradina Azevedo, o filme é um reflexo de como o mundo está. “É sabido que hoje se tarda mais para chegar à idade adulta. Na geração dos nossos pais tudo já era bem mais definido. Aos 30, a maioria das pessoas já tinha filhos, casa e um trabalho. Hoje existem muito mais questionamentos. As pessoas fazem mais perguntas e mudam mais de vida, de trabalho, de faculdade. O que por um lado é bom, mas também gera muitas incertezas e pouca solidez”, diz. E pondera ainda que esta geração alega que a crise econômica deixa “mais difícil” o cenário para essas pessoas terem a estabilidade de um adulto de outrora”.

A história narra o encontro de dois amigos, ex-cineastas, que após cinco anos comentam os rumos que tomaram. Um deles, André, tem aparentemente uma vida invejável, se casou com uma mulher rica, conseguiu um emprego na família dela e mora em seu apartamento, contudo começa a perceber que se tornou submisso a esse estilo de vida e perdeu sua coragem e juventude. Em contrapartida, o outro amigo, Diego, após anos sem rumo, volta à cidade de São Paulo para morar com os pais, buscando uma rotina equilibrada, uma esposa e um trabalho.

A narrativa começa em uma festa de reencontro da faculdade, onde André conhece uma menina de 20 anos e Diego reencontra Helena, seu antigo caso de faculdade que hoje está prestes a se casar com um professor de física apesar de não estar apaixonada. 

Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, Dida Andrade reitera que as pessoas estão com dificuldades de crescer. “Realidades como formar família e ficar ao lado de uma pessoa, se tornou raro hoje em dia. Temos muitos sonhos e, consequentemente, muita frustração com a realidade. Além destas questões psicológicas, a economia anda horrorosa e antigos planos como a casa própria e estabilidade numa carreira não existem mais (ou estão cada dia mais difíceis)”. 

Cartaz do filme “30 Anos Blues”

Andradina e Dida são os diretores e protagonistas da trama e com isso, se dividem em duas tarefas de forma simultânea. Para Andradina, tudo pode ser considerado “uma performance de trupe teatral”. Dida conta que poder exercer as duas funções é importante e garante que na hora tudo pode ser mudado caso haja aberturas na história. “Posso colocar humor, agressividade e tristeza em uma cena, por exemplo. De dentro consigo, eu ter uma visão boa além da atuação, mas de como a câmera precisa captar a cena para que o trabalho dela tenha relação com a ideia do personagem naquele determinado momento”.

Andradina Azevedo é ator e diretor do longa (Foto: divulgação)

Empolgado, Andradina afirma que é de extrema importância em sua carreira estar presente em um dos maiores festivais de cinema do Brasil e destaca: “Além de estar muito feliz me sinto ainda melhor porque esse filme foi feito completamente sem recursos e em condições que normalmente seria impossível chegar aos cinemas. Vencer essas batalhas perdidas é o que nos dá o sentimento de potência”. Ele divide que em suas produções busca constantemente reverberar dentro das pessoas sentimentos proveitosos, assim como a arte reverbera em si próprio. “30 Anos Blues é um filme fiel a si mesmo e por isso acho que ele é verdadeiro. Diz coisas que normalmente não se vê na tela. Se as pessoas se deixarem embarcar, terão uma experiência significativa”.

Sobre o cenário da arte no Brasil, a dupla de diretores têm opiniões distintas. Para Andradina, o país está em um momento horrível, além da crise econômica. “Se você não está numa posição favorecida, você deve ter outras formas de sustento. O que é muito ruim, pois o artista precisa de tempo para estudar e trabalhar e nesse quesito sinto que saímos atrás de muitas outras pessoas e outros países. É como se um atleta não pudesse treinar parte física pois gasta seu tempo trabalhando num fast-food”.

Já Dida frisa que o Brasil é um país muito novo e ainda funciona como “uma grande fazenda”. “Embora tenhamos grandes artistas em nossa história, ainda precisamos construir nossa indústria. Temos 200 milhões de habitantes para consumir entretenimento. Lógico que não será da noite para o dia, mas sou muito otimista”.

Dida Andrade vive André no filme “30 Anos Blues” (Foto: divulgação)

Em meio a tanto trabalho e dedicação, cada um dos diretores carrega consigo um sonho. O de Andradina é “filmar da maneira que filmamos, em um meio de comunicação para grande massa, como uma novela”. Já Dida, divide que deseja casar-se e ter filhos e continuar a labuta do dia a dia. “Aqui, no Brasil, quero fazer novelas. Criar a história junto com alguns roteiristas que admiro, dirigir e atuar com o Andradina e meus amigos. Nos Estados Unidos, eu quero fazer uma “invasão bárbara”. Levar junto com meu irmão Andradina o charme do inglês mal falado”.