Filha de uma gravidez precoce, Nanda Costa revive sua história atuando em filme e também fala sobre ativismo LGBT


A atriz vive um momento sublime da vida. Ela e a esposa, a musicista Lan Lanh, comemoram este mês o primeiro aniversário das filhas gêmeas. No cinema, Nanda é Melina em “Derrapada”, de Pedro Amorim, personagem cujo filho engravida uma menina de 16 anos. Algo semelhante ao que aconteceu com a mãe da atriz, que também engravidara precocemente. Comenta ainda sua experiência como protagonista de “Salve Jorge”, produto mais consumido no Globoplay no início da pandemia, bem como a participação em “Cine Holliúdy” como Conga, a mulher-gorila dos circos, e comemora ser voz representativa da comunidade LGBTQIAPN+

*por Vítor Antunes

Dez anos após haver dado vida à Morena de “Salve Jorge” – a novela esteve na quinta posição entre os programas mais vistos na Globoplay na primeira semana deste mês -, a atriz Nanda Costa vive o auge de sua vida e carreira. Além de curtir a linda família, que serve de farol a outros casais LGBTQIAPN+, na TV, ela segue contratada pela Globo e fará uma participação especial no oitavo episódio de Cine Holliúdy. No cinema, Nanda é protagonista no filme “Derrapada”, de Pedro Amorim, que trata de maternidade. Nanda comenta que, na vida real, devido ao fato de ter sido filha de uma gravidez precoce, adiou muito o sonho de ser mãe e só resolveu engravidar aos 34 anos.

Nanda Costa e Matheus Costa em “Derrapada” (Foto: Helena Barreto/Divulgação)

AMOR DE MÃE

Ao início desta entrevista, recebemos o alerta de Nanda: “Talvez haja uns chorinhos de criança ao fundo”. Ao que respondemos: “É a beleza da maternidade. E esta vai ser a melhor sonoplastia que você vai ter durante a vida”. E assim foi a tônica da entrevista: brilho na voz e olhos felizes ao falar da mais sublime experiência não apenas de si mesma, como de sua esposa, Lan Lanh, e das filhas gêmeas, Kim e Tiê. Maior das coincidências, a última novela feita por Nanda foi, justamente, “Amor de Mãe”, e o filme com première no Festival do Rio, “Derrapada”, aborda o tema da maternidade. Sua personagem, Melina, engravidou quando era adolescente, vê seu filho, Samuca (Matheus Costa), também ter um filho quando adolescente. Em tempo: na vida real, a mãe de Nanda Costa também engravidou precocemente. Muitas sinergias.

Sinônimo de amor: Lan Lanh, Nanda Costa e as gêmeas (Foto: Reprodução/Instagram)

“O filme me atravessou completamente, porque a minha mãe engravidou com a mesma idade da minha personagem e Samuca (Matheus Costa), filho da Melina, também é pai nesta fase da vida”, relata, acrescentando que, na vida particular, “nesta mesma época, eu me reaproximei da minha mãe. A gente conversou sobre muitas coisas que ela enfrentou no passado. Era um momento no qual, em razão da maturidade e com a sensibilidade aflorada por conta dos hormônios, já que eu estava tentando engravidar, tudo contou e acabou mexendo comigo. Esse é um filme pelo qual eu tenho muito amor e carinho, não apenas por contar essa história, mas também por ser integrado por um elenco do qual eu tenho muito carinho. O filme tinha um set alegre, um bom roteiro, é uma alegria”.

Nanda Costa é Melina em “Derrapada” (Foto: Helena Barreto/Divulgação)

Segundo a atriz, o debate sobre este tema e seu retrato em um longa-metragem é importante. Especialmente diante do fato de ele dialogar profundamente com a sua realidade: “Eu acho que demorei a despertar o desejo da maternidade já que, por muito tempo, e razão de ser filha de uma mãe adolescente, eu sei o quanto de provações ela enfrentou em decorrência da minha chegada. Tinha a impressão que eu havia chegado numa hora errada, ou que lhe havia atrapalhado os planos de vida e que ela teria um futuro completamente diferente do que imaginava. Mas, por outro lado, se eu não tivesse vindo ao mundo, a vida dela seria ainda mais diferente. Eu tenho certeza disso, porque ela diz que eu sou um de seus maiores motivos de orgulho e que não consegue imaginar a vida sem mim. Apesar de ser fruto de uma gravidez precoce, disse-me ela que não foi acidental, a contrário do que eu pensava. Ela quis e me desejou muito. Meus avós tomaram um baque ao ver a filha com 16 anos grávida, lógico, mas, pouco tempo depois, eles já viam em mim a alegria da casa e estavam apaixonados por mim”. Ainda segundo Nanda, seu pai, ainda que a tenha registrado, não teve convívio consigo. O casal se separou quando ela estava com 1 ano de idade e foi ela criada pela mãe e avós na cidade de Paraty, cidade histórica no litoral Sul do Rio de Janeiro, distante em cerca de 260 quilômetros da capital.

Por muito tempo, eu tinha o entendimento de que a minha mãe havia errado. Tanto que quando eu comecei a namorar esse era um tema muito presente, tanto sobre preservar-se como para gravidez – Nanda Costa

A artista prossegue dizendo que a preocupação com a gravidez em sua juventude tinha também outro viés “Isso poderia atrapalhar os meus planos de ser atriz, de estudar fora, de abrir a cabeça”. Naquela época, ela se relacionava com rapazes e pontua que “ainda não havia entendido sua sexualidade”. Tendo esta fase passada, depois de haver se casado com Lan Lanh, a maternidade tornou a ser pautada. “Depois que eu encontrei a Lan tive o interesse em multiplicar essa família. E eu engravidei aos 34 anos”.

Nanda Costa e o barrigão de gêmeas. A plenitude da maternidade (Foto: Reprodução/Instagram)

Nanda relata que sua gravidez aconteceu na hora “exata e perfeita. Lan é uma parceira e mãe maravilhosa, e está muito junto comigo. Eu acho que não encararia uma gravidez sozinha, e ser mãe solo não estava nos meus planos. Eu queria esperar para ter uma estabilidade maior na minha carreira, já que eu não era mais uma estudante, uma jovem. Já havia trilhado uma estrada profissional, então queria viver a maternidade de uma forma planejada e desejada”.

Ambas são recorrentemente citadas como referência de casal gay. Não apenas por conta da sintonia, mas também pela felicidade de terem tido filhas e por tratarem o assunto com a naturalidade que o tema pede: “Não me incomoda o fato de ser referenciada pela comunidade LGBTQIAPN+. Acho, inclusive, que este é um motivo de orgulho. Ter a família que tenho, o meu relacionamento com a Lan (…). Esperamos que em breve isso seja cada vez mais naturalizado, pois que falamos sobre nós com naturalidade e abertamente. Não temos problemas de repetir quantas vezes for preciso até que não seja mais necessário falar sobre”.

Nanda Costa traz a importância do debate de questões voltadas à comunidade LGBTQIAPN+ (Foto: Vinícius Mochizuki)

Diante do seu melhor papel, a maternidade, Nanda diz que ser mãe é “o meu maior e melhor trabalho. Tudo o que a gente faz com amor não pode ser tido como difícil”. As filhotas do casal já estão com mais de 10kg e próximas de comemorar o primeiro aniversário. “É muito legal voltar de um dia exaustivo de trabalho e ver as meninas batendo palma por me ver chegar em casa. Isso não tem preço. E é impressionante a velocidade do desenvolvimento. Houve ocasiões em que eu, ao sair de casa, as vi se arrastando no chão. E quando eu voltei, elas já haviam aprendido a engatinhar. Ainda que eu tenha feito mais participações especiais em trabalhos neste período, sempre que eu retornava para casa havia uma novidade. Algumas coisas delas eu consegui vê-las fazer pela primeira vez, ao passo que outras não. Mas não deixa de ser tão maravilhoso quanto”, frisa.

Na programação da Globo, a atriz estará interpretando uma personagem que deveria ser assustadora: a Conga, uma típica atração circense. “Deveria” assustar: “Tentei com as meninas, mas, em vez do susto, divertiam-se. Gargalhavam e eu não sabia mais o que fazer, pulava gritava engrossava a voz e elas se divertiam muito”, relatou-nos ela, sobre sua “plateia caseira”.

Nanda Costa vive a Conga em “Cine Holliúdy” (Foto: João Miguel Junior/TV Globo)

“Você não tem um filho, você renasce com um filho, porque, depois que um filho nasce, você não consegue mais lembrar da sua vida antes dele”. A frase de Glória Perez talvez possa resumir a vida não apenas de Nanda Costa, mas também de sua esposa, a musicista Lan Lanh. E não foi escolhida por acaso. Glória foi a responsável por fazer de Nanda Costa protagonista de novela, em “Salve Jorge” (2013).

MENTE ABERTA

Com a ascensão do conservadorismo perguntamos à atriz de que maneira ela enxerga essa onda reacionária. “Eu acho que, ao mesmo tempo que muita gente está se sentindo confortável para assumir-se enquanto homossexual e saindo do armário, há muita gente saindo do esgoto na mesma proporção. A gente seguir livremente para viver o que acharmos que tem que ser trilhado e amar quem tem que ser amado”. Ainda, segundo a artista, “há muitas atrizes falando sobre sua bissexualidade e homossexualidade. Há pouco tempo não havia isso. Mesmo entre os homens eram poucos [os assumidos] e hoje temos também”. A fala de Nanda é pontual e assertiva. Apenas, recentemente, alguns atores, mesmo os veteranos sentiram-se confortáveis para assumir a homossexualidade. Ney Latorraca e Marco Nanini são um exemplo entre os maduros. Lúcia Veríssimo abordou publicamente o assunto depois de anos de carreira. Houve também atores, como Leonardo Vieira, que foram vítimas de violência ao serem “tirados do armário” à revelia. Fotos do ator beijando um rapaz foram publicadas sem sua autorização. Lauro Corona (1957-1989) faleceu sem nunca abordar sua orientação sexual. Havia entre os atores um temor de que assumir-se gay fizesse com que perdessem importantes papeis no cenário artístico. Algo que, nas palavras de Nanda, foi superado.

Nanda Costa e Lan Lanh. Todas as cores do amor (Foto: Reprodução/Instagram)

Nanda Costa e Lan Lanh. Família e parceria (Foto: Reprodução/Instagram)

Ela diz: “Esse era um medo, porque a gente não tinha referência. Daí a importância da representatividade. Eu não tinha ninguém de referência [lésbica] quando atuei em “Salve Jorge”, por exemplo. Nesta época, eu já namorava meninas, frequentava lugares como a Galeria Café e beijava gente lá. Temia que isso vazasse em algum momento. Então, eu vivia com medo. Eu não estava preparada para esta exposição. Não tinha com quem conversar por que não havia mulheres assumidamente lésbicas ou homens assumidamente gays de destaque”, analisa.

Prossegue dizendo que resolveu assumir-se lésbica, porque a vida “escondida” não agradava a si: “Eu não podia mais viver assim. Eu estava sofrendo muito. Eu sou espontânea, carinhosa. Não queria andar na rua sem poder pegar na mão de Lan ou abraçá-la. É algo muito ruim ter que se esconder por conta da sexualidade, ter que disfarçar a nossa essência e o nosso jeito (…). Isso era muito sofrido. Hoje há muita gente que vem falar comigo de Lan agradecendo por conta de havermos tornado público o nosso relacionamento. Temos orgulho dessa história e de levantar essa bandeira”.

Os empresários tinham muito cuidado com essa questão e uma preparadora de elenco chegou a me dizer que, provavelmente, eu não faria personagens relevante em razão de eu estar falando muito da minha vida pessoal. Cheguei a pensar que isso podia acontecer e não aconteceu” – Nanda Costa

Com efeito, não houve recusa tanto a ela como a sua então namorada, hoje esposa. Ambas foram capa da revista Marie Claire, que, segundo ela foi “a primeira vez em que um casal de mulheres esteve na capa. Tanto que até a original francesa repostou”. Depois deste episódio, Nanda fez Érica em “Amor de Mãe”, menina hétero com vários namorados na trama e um filme internacional. “Recebemos uma onda de amor muito grande. Hoje há várias atrizes lésbicas fazendo protagonistas, como a Vitória Strada e a Bruna Linzmeyer e ninguém questiona”.

Lan Lanh e Nanda Costa (Foto: Reprodução)

A MORENA TÁ VIVA!

Quando viveu sua primeira protagonista na TV, em 2013, a atriz era Morena, moradora do Morro do Alemão que foi traficada a fim de ser escrava sexual na Turquia. Até hoje o meme com a frase “A Morena tá viva”, bem como o gif da cena onde a personagem de Dira Paes, mãe de Morena, celebrava o fato de a personagem não haver morrido, sejam usados ainda nas redes sociais.

Dez anos depois, a trama foi, por semanas, o produto mais consumido na Globoplay durante a pandemia – e assim prossegue. Tanto que na primeira semana de outubro de 2022, a novela esteve na quinta posição entre os programas mais vistos da plataforma. Nanda diz que ser protagonista de novela das nove é um desafio: “Não foi fácil, mas tratou-se de uma experiência maravilhosa. Que bom que tive a Morena em minha vida e uma grande projeção nacional. Até hoje, as pessoas comentam e eu fiquei muito feliz com o tanto de gente que queria que a trama fosse reprisada durante a pandemia. As pessoas foram muito carinhosas com a Morena e eu sou grata à Glória [Perez] por ela por haver acreditado em mim”.

Nanda Costa foi Morena em “Salve Jorge” (Foto: Estevam Avellar/TV Globo)

E, ao ser ver, o papel social da trama foi algo importantíssimo: “Para mim já teria valido a pena o fato de ter sabido que um cativeiro fora estourado em Madri, porque uma telespectadora desconfiou da viagem de sua filha que havia viajado para trabalhar no estrangeiro. A polícia encontrou um cativeiro em Madri onde havia seis meninas”.

Nanda Costa aprendeu a gargalhar com Sandra Helena, sua personagem em “Pega Pega”. Conta-nos ela que a preparação para a personagem a fez projetar sonoramente a sua gargalhada. O bom humor da personagem repercutiu e o público vibrava por sua redenção e que ela terminasse com o galã da trama.

Nanda Costa foi Sandra Helena em “Pega Pega”. Personagem ensinou atriz a gargalhar (Foto: Victor Pollack/TV Globo)