*Por Brunna Condini
Anna Hartmann já namorava, como público, o palco, até que experimentou e se lançou com coragem na carreira de atriz, deixando o direito, que cursou, para trás. “Percebi que estaria sempre aquém do meu potencial se continuasse insistindo em algo que não movesse a minha paixão. Parece romântico, mas não é. A minha vocação traz a obstinação necessária para abraçar uma função no mundo, e através dela gerar transformações em si mesmo e ao redor. Só descobri o teatro quando já estava no direito. E depois soube que lá residia minha formação, minha identidade e minha potência como ser humano”, conta a atriz gaúcha de 30 anos.
Uma das protagonistas de “Reality Z”, nova série da Netflix, de Claudio Torres e Renata Brandão – que retrata um mundo pós-apocalíptico invadido por zumbis – Anna recorda que trancou a faculdade de direito e foi estudar artes nos Estados Unidos. Quando voltou para o Brasil, e parou em São Paulo em 2012, ela conseguiu uma vaga como tradutora no icônico Teatro Oficina, liderado por José Celso Martinez Corrêa. Seu trabalho era traduzir e fazer as legendas dos vídeos das peças da companhia. Já no ano seguinte, ela saiu do backstage e foi para o palco. Ali nascia a atriz.
“Ficava muito inquieta como plateia. Vi muito teatro antes de decidir arriscar. Só fui criar coragem depois de não conseguir mais me conter de vontade. O Oficina foi a gota d’água. Não tinha condições de ficar só assistindo. Eu precisava fazer parte daquele mistério, daquela visão de mundo. Eu já trabalhava lá e já tinha dado um jeito de arrumar um figurino para entrar em cena na hora em que o Zé apresentava toda a equipe técnica para o público (na época eram umas 70 pessoas). Então quando pedi, não foi uma surpresa. Mas sei que só segui em cena porque descobri um potencial em mim que eu não sabia que existia. Até então, era só desejo”, recorda a atriz, que teve também no seu caminho profissional o auxílio luxuoso da atriz Maria Alice Vergueiro, que nos deixou esse ano: “Ela foi a minha grande mestra. Dedicou uma vida inteira as artes, ao teatro. Me ensinou fundamentalmente, que no teatro tudo que é humano é sublime, até mesmo (ou principalmente) a sombra”.
A ficção e o apocalipse real
Anna fez sua estreia na TV na supersérie “Onde Nascem os Fortes”, e depois também integrou o elenco das séries “Me Chama de Bruna”, da Fox, “Feras”, da MTV, e “Hard”, na HBO, ainda sem data de estreia. Mas foi com “Reality Z”, que seu rosto e seu nome começaram a ganhar popularidade. A série da Netflix caiu nas graças do público, dividindo opiniões, mas chamando atenção pelas doses certas de humor, terror e referências à cultura pop. Nela, a atriz vive Nina, uma das protagonistas na adaptação da minissérie original de Charlie Brooker (mesmo criador de “Black Mirror”), com direção de Claudio Torres e Rodrigo Monte, e precisa convencer os participantes de um reality show de que não se trata de nenhuma prova da competição ou uma pegadinha, mas de que eles são provavelmente os últimos sobreviventes da humanidade.
O que foi mais desafiador neste trabalho? “Vivenciar as circunstâncias como se fossem reais (como em qualquer trabalho). Mas neste caso, as premissas eram absurdas, como na maior parte dos produtos de terror. Tive que criar uma intensa relação com os meus medos e com a minha coragem para enfrentá-los”, confessa. E comenta sobre as críticas que a série recebeu: “Li muitas. Aparentemente a série dividiu bastante o público, o que gera uma excitação tanto para o lado bom quanto para o ruim. Acredito que alguns críticos chegaram a tocar no ponto essencial da produção, que é a sensação de absurdo e caos da pós-modernidade. A sensação de estarmos circundados de uma energia que nega o humano, a ciência, tudo o que consideramos como sedimentado. A sensação de andarmos passos para trás, principalmente no Brasil. Saber que a série foi compreendida neste nível me alegra”.
Vivemos hoje um cenário de isolamento, não temos um “apocalipse zumbi” lá fora, mas temos muitas mazelas…na sua opinião, quais seriam os “nossos zumbis”? “Qualquer um que se oponha ao intelecto, mas também qualquer um que se oponha ao conhecimento empírico, humano, da emoção. Parece contraditório, mas não é. Existem pessoas especialmente dedicadas a negar qualquer tipo de conhecimento, ou dedicadas a uma visão de mundo particularmente destruidora, contra o humano. Diria que é contra isso que devemos lutar. São os nossos zumbis”.
Se pudesse “salvar” algumas pessoas dentro de um ataque deste tipo, que pessoas seriam? “Se fosse líder e pudesse escolher, não poderia excluir sumariamente ninguém, certo? Me parece totalitário, desumano. Ao mesmo tempo esse dilema foi colocado na série e justamente não eliminar aqueles predispostos ao autoritarismo, acabou com as possibilidades de resistência de todos os sobreviventes. Posso dizer que o núcleo ideal de resistência teria anciãos, mulheres e artistas na liderança”.
Pausa necessária
Com a pandemia do coronavírus e a necessidade de fechamento dos espaços culturais, artistas têm enfrentado dificuldades em ter uma fonte de renda, e muitos se encontram em situação de vulnerabilidade. Consciente e engajada, Anna busca apoiar ações de suporte à classe. “Faço o que posso para apoiar de forma monetária coletivos que promovem a distribuição de cestas básicas. Toda minha rede foi afetada, meu trabalho foi prejudicado também. Fazemos o que podemos de forma privada, no offline, para segurar as pontas uns dos outros”, garante.
Mantendo a quarentena, ela tem se esforçado para manter sua atenção no momento presente, procurando não criar muitas expectativas com o que virá. “Além disso, tenho feito conexões com pessoas com quem já queria trabalhar há algum tempo, mas não fazia, pela distância, pelo tempo ou pela timidez. Estou aprendendo a me apropriar do virtual como um espaço onde posso expor, propor e engrenar meus projetos autorais. Trabalho muito, mas também encontro prazer na quietude e na beleza do cotidiano”.
Anna comenta ainda sobre os planos profissionais que aguardam definições pós pandemia. “No audiovisual, tem o longa-metragem “”O Pastor e o Guerrilheiro, do cineasta José Eduardo Belmonte. O filme tem no elenco nomes como Cássia Kis, Johnny Massaro e Júlia Dalavia, gravamos no início deste ano, e a previsão de estreia é para 2021”, diz. “Tenho também um curta-metragem, que vou dirigir, “Meu Outro Nome é Luiza”, que flerta com o limite entre verdade e ficção, onde a verdade, subjetiva, talvez, nada mais seja do que uma construção, uma projeção de nós mesmos. É um documentário ficcional sobre uma diretora que se encanta pelo objeto de investigação: uma vedete libertária que luta para sobreviver na metrópole. Tenho usado meu tempo também para fazer conexões pra projeções no campo do teatro. Acho que devo estar escrevendo uns cinco projetos”.
A atriz divide também que tem passado a quarentena sem companhia. “Não estou namorando. Mas sinto falta de contato em geral. Acho que quando abraçar profundamente meus amigos outra vez vou chorar ou gargalhar de alegria. A verdade é que gosto bastante do meu espaço e da minha liberdade. Ficar sozinha é essencial para mim. Se tivesse namorando acho que ia me sentir mais trancada ainda! (risos). Gosto de namorar em casa separada por enquanto”, revela.
Se te pedissem para falar sobre você hoje, o que diria? “Nos movemos para um mundo onde o imaterial e a comunicação são mais importantes do que nunca. Me sinto positiva de acreditar em um mundo onde o devido valor para as ideias e para as conexões humanas são os valores mais altos e possíveis”.
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