*Por Brunna Condini
Nós vimos ‘Ainda estou aqui’ e também fomos tocados profundamente pelo longa de Walter Salles, que estreou em circuito nacional na quinta-feira (dia 7). A produção é considerada a maior chance do Brasil de conquistar indicações no Oscar, e por toda a trajetória e prêmios angariados até aqui, já é considerado o filme do ano. Em Los Angeles para uma intensa agenda de campanha do filme, Fernanda Torres abriu um espaço na agenda para conversar com o site. E fomos direto ao ponto: você já disse que o Oscar “é muito importante, mas não é medida de tudo”. Isso é uma forma de lidar com a expectativa de forma mais realista, ok. Mas a pergunta que não quer calar é: já pensou no discurso caso seja indicada e ganhe?
Não existe a menor possibilidade de ganhar. Um ator brasileiro, falando português ganha se conseguir ser indicado, o que não é fácil. Nesse ano, têm atuações incríveis no páreo, Tilda (Swinton ), Mariane (Jean-Baptiste), Angelina (Jolie), Ronan (Saoirse ), se chegar a ser indicada é milagre. Mas estar em todas as shortlists de possíveis indicações já é um feito e tanto – Fernanda Torres
‘Ainda estou aqui‘ estreou no Festival de Veneza, e desde então, é só ladeira acima no quesito reconhecimento: levou o prêmio do público de melhor filme de ficção brasileiro na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo; foi o favorito do público na mostra World Cinema da mostra World Cinema do Mill Valley Film Festival; e também foi o vencedor do prêmio de público no Vancouver International Film Fest. Fernanda também levou o prêmio de Melhor Atriz no Critics Choice Awards. Para além de tudo o que viveu na pele de Eunice Paiva, no longa que conta a história da Família Paiva, baseada no livro de Marcelo Rubens Paiva, que relata a jornada da matriarca, partindo de 1970, quando seu pai, Rubens, (interpretado no filme por Selton Melo), desaparece; Fernanda fala do que tem aprendido com a personagem. “Com a Eunice descobri o poder da contenção. Mas não faria isso sem o Walter, todos nós estamos afinados no filme, honestos, realistas, ele nos conduziu para isso”. E continua:
“A Eunice é um exemplo para todos nós, de como é possível perder a inocência, enfrentar as adversidades, enterrar as utopias e se reinventar com isso, sair mais forte. Ela é cheia de contradições, não conta para os filhos o que aconteceu com o pai deles, talvez para não destruir a inocência deles. Como contar para filhos de diferentes idades algo tão monstruoso, a tortura e a morte, a inexistência sequer do corpo de Rubens? Ela segue em frente, aprende a ser mãe e pai de si mesma e ensina os filhos a seguirem. É muito bonito”.
Vivemos em um país que insiste em não ter memória…fazer um filme que traz o público para dentro da intimidade de uma família que foi dilacerada pelas ações da ditadura, diz o que para o Brasil de hoje? “Eu mesmo não sabia detalhes sobre o desaparecimento do Rubens, até ler o livro do Marcelo. Acho que o filme ajuda a criar uma empatia com aquela família, uma compreensão de que o Estado autoritário, que suspende os direitos civis dos cidadãos, é uma terra de ninguém onde qualquer um pode desaparecer, ser torturado e morto. Acho que, não importa a sua tendência política, como espectador, você não tem como não se identificar com aquela mulher, se indignar com uma menina de 15 anos, a Eliana (Luiza Kosowski), sendo levada para uma masmorra”.
Acho que nem as Forças Armadas tem orgulho do que aconteceu na época da ditadura. Acredito que essa visão do ponto de vista de uma família nos ajuda, hoje, a pensar que país queremos para a frente – Fernanda Torres
Sentimentos nunca explorados
Você contou que a vivência da Eunice te fez experimentar sentimentos inéditos. Além disso, teve a preparação física (Fernanda emagreceu 10kg para a personagem) e todo o universo dela que precisou tocar. Como foi esse processo? “Eu passei um ano na pele da Eunice. Me preparei antes da primeira leitura com uma mulher maravilhosa, chamada Helena Varvaki. Nas filmagens, porque tínhamos muitas crianças, a Amanda Gabriel veio trabalhar conosco e se transformou numa peça fundamental do filme, fiel escudeira, sempre colada na gente, ajudando a pensar o que faltava na cena. A Amanda foi muito importante. Filmamos de maneira cronológica, de forma que o que acontecia com os personagens era, também, o que se passava com a gente. A tristeza de ver o Selton ir embora, as festas animadíssimas com os amigos, a violência de ser levada para o set do DOI CODI, o retorno para aquela casa maravilhosa da Urca e ver o set ser desmontado, na partida para São Paulo. Os sentimentos eram muito parecidos. Foram meses de filmagem, porque toda a parte do desenvolvimento da doença, do esquecimento dela levou quase um mês e, depois, foi cortado do filme, foi uma aventura maravilhosa, rara de acontecer na vida”.
Em nome da mãe
O papel de Eunice Paiva é dividido entre Fernanda Torres e sua mãe, Fernanda Montenegro, que no final do longa, vive a protagonista já com Alzheimer. Mesmo em uma rápida e especialíssima participação, a atriz de 95 anos nos faz ficar vidrados na tela. Não há palavra em suas cenas, mas há um mundo familiar acontecendo ao redor, e há aquela mulher que ficou aqui, pelos seus, por tudo o que acredita e ‘apesar de’. Eunice partiu aos 86 anos, em 2010, após viver 14 anos com a doença. O encontro das Fernandas, mãe e filha, em ‘Ainda estou aqui’ é muito especial, afinal, dividem um trabalho de Walter Salles, responsável por ‘Central do Brasil’, que fez a Montenegro ser indicada ao Oscar de melhor atriz em 1999. Na ocasião, ela perdeu para Gwyneth Paltrow por ‘Shakespeare Apaixonado’, mas ganhamos todos, que voltamos a amar nosso cinema. Sobre trabalhar com a mãe na emblemática produção, Fernanda, a Torres, sintetiza. “Não nos encontramos no set, mas o filme reúne a nossa família de circo, comigo, ela, Walter, com quem fizemos o ‘Terra Estrangeira’ e o ‘Central do Brasil’. E teve a presença da Daniela Thomas no set também, nossa parceira de vida, que viu, quando criança, o Ziraldo (1932-2024) ser levado de casa, na mesma época do Rubens”.
Tem eu, a mamãe, mas também outras famílias ali naquele filme. E as crianças, que nunca haviam feito cinema, e a Valentina ( Herszage), a Luiza (Kosowski) e a Bárbara (Luz), as atrizes que fazem nossas filhas no filme, que me lembravam o meu começo de vida na profissão, tudo muito emocionante – Fernanda Torres
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