Fernanda Marques: “O abuso que sofri aflorou todos os medos possíveis. Desde sair na rua a confiar nas pessoas”


A atriz fala sobre os temas que orbitam sua personagem em ‘Um Lugar ao Sol’, e, em especial, sobre um deles, o abuso sexual, assunto que se misturou à sua própria história. Nesta entrevista, Fernanda comenta mais sobre o episódio que aconteceu há alguns anos em sua vida particular no intuito de encorajar outras mulheres a falarem e denunciarem as violências que tenham sofrido. Além disso, franca e aberta, ela opina sobre o momento político, fala da vocação e do caminho até aqui, e exalta o feminismo para a conquista dos espaços: “As mulheres têm a cobrança da sociedade de serem ‘perfeitas’ dentro das limitações do patriarcado, e comigo não foi diferente. Seja na escolha de roupas, pessoas que me envolvi ou algo simples como optar por deixar meus pelos, são julgamentos rotineiros que nos desanimam. É desgastante, revoltante, cruel, ainda precisamos resistir e lutar diariamente mesmo que a passos de ‘formiga’ para que um dia quem sabe seja diferente”

Fernanda Marques: "O abuso que sofri aflorou todos os medos possíveis. Desde sair na rua a confiar nas pessoas"
Fernanda Marques como Cecília de 'Um Lugar ao Sol' (Divulgação/ Globo)

Fernanda Marques como Cecília de ‘Um Lugar ao Sol’ (Divulgação/ Globo)

*Por Brunna Condini

Em ‘Um Lugar ao Sol‘, a estreante em novelas Fernanda Marques vem se destacando na trama emocionante e para lá de conturbada entre mãe e filha criada por Lícia Manzo. Aos 27 anos e vivendo Cecília, de 18, a filha de Rebeca, interpretada por Andréa Beltrão), a atriz vem colhendo o retorno do público e tem aproveitado a visibilidade para trocar sobre temas relevantes. Fernanda revelou, recentemente, que assim como a personagem já passou por um episódio de abuso sexual. As marcas que ficaram? “É muito particular e específico para cada pessoa, mas, para mim, foi o medo. Senti que foram aflorados todos os medos possíveis. Desde sair na rua a confiar nas pessoas. Traumas como esse são capazes de apagar o brilho de vida que existe na gente, até a vontade de viver. Depressão e ataques de pânico são as consequências  que mais escutei de relatos parecidos e que me identifico”, divide.

“Nesse processo, a terapia foi e é extremamente necessária. Porque é um processo e acho que vai continuar sendo. Sei que, infelizmente, não são todos que têm acesso à essa ferramenta. Também sei que, além disso, ainda é um tabu para muitas pessoas. Existe uma resistência quando se fala em terapia, mas ela tem sido fundamental na minha vida, ajudando diariamente a lidar com os traumas e identificar possíveis gatilhos. É um tratamento que eu considero ser para vida toda e para todo mundo”.

"Ser feminista no Brasil é estar constantemente lutando contra o machismo, sexismo e a violência contra a mulher" (Foto: Guilherme Sausanavicius)

“Ser feminista no Brasil é estar constantemente lutando contra o machismo, sexismo e a violência contra a mulher” (Foto: Guilherme Sausanavicius)

Fernanda compartilha ainda que considera “de extrema importância” o papel da arte em abordar assuntos considerados tabus, temas que precisam ser falados e refletidos na sociedade. “Relatei sobre o que vivi de forma espontânea. Quando vi a repercussão, senti a necessidade de trazer o tema nas minhas redes sociais para incentivar as mulheres que já passaram por situações de abusos a não se calarem. Para todos que já passaram por isso, sinto muitíssimo, espero que vocês possam procurar por acolhimento nas suas relações sejam de amizade ou familiares e redes de apoio. Meu conselho é que denunciem e saibam que não estão sozinhas! Indico terapia, existem vários consultórios e profissionais que fazem atendimentos gratuitos, inclusive postei alguns locais no meu Instagram”, comenta.

E completa, frisando a importância das lutas feministas ainda hoje: “Ser feminista no Brasil é estar constantemente lutando contra o machismo, sexismo e a violência contra a mulher. Infelizmente, ainda estamos em uma sociedade que reproduz muitos preconceitos e por isso são muitas as lutas que são necessárias atualmente, dentre elas leis mais eficazes que punam a violência contra as mulheres e dê suporte”.

“Acho de extrema importância o papel da arte em abordar assuntos considerados tabus, temas que precisam ser falados e refletidos na sociedade" (Foto: Guilherme Sausanavicius)

“Acho de extrema importância o papel da arte em abordar assuntos considerados tabus, temas que precisam ser falados e refletidos na sociedade” (Foto: Guilherme Sausanavicius)

A paulistana não se esquiva de se posicionar e compartilha sua preocupação com o ano de eleições e a situação do país: “Estamos passando por uma fase triste e complicada no Brasil, que deixa ainda mais escancarada a desigualdade social e de gênero, o negacionismo contra a ciência em tempos de pandemia, o que é uma desinformação para a população que resulta em perda de milhares de vidas. Espero que neste ano de eleições as pessoas não se esqueçam e tenham em mente tudo o que vivemos, que não aceitem mais esse desgoverno, e por isso o meu voto esse ano é no Lula, não há outra alternativa para melhorar a atual situação do Brasil”.

Em sua pele

O envolvimento da sua personagem com Breno (Marco Ricca) tem sido uma das tramas que tem esquentando o folhetim das 21h. Mas, apesar das críticas ao romance com grande diferença de idades, e a relação de Cecília quase familiar com Ilana (Mariana Lima), a ex-mulher do fotógrafo, a atriz prefere não julgar a modelo, e, sim, descobrir cada experiência em sua pele. A história de Cecília e Breno vai ser mais amor ou dor? “Acredito que a relação deles se deve por uma somatória de dores e traumas até se encontrarem. No caso de Cecília, ela vem de um histórico complicado por ter crescido sem a presença do pai e a constante ausência da mãe. Mesmo depois de crescer, Cecília ainda sente a necessidade de suprir essa ausência. Na minha opinião, o fator da carência somada à pouca idade, faz com que não analise friamente as consequências de suas ações. Seus sentimentos são aflorados ao lado de Breno, mas nebulosos e confusos. Não posso dar spoiler dos próximos acontecimentos, mas a Cecília vem carregando muitas dores antes dele surgir e, agora, não é diferente depois dos recentes acontecimentos”.

A atriz e Marco Ricca em cena: "Acredito que a relação deles se deve por uma somatória de dores e traumas até se encontrarem" (Divulgação/ Globo)

A atriz e Marco Ricca em cena: “Acredito que a relação deles se deve por uma somatória de dores e traumas até se encontrarem” (Divulgação/ Globo)

E acrescenta sobre a personagem que tem gerado empatia, mas também um certo ‘ranço’ no espectador. “Recebi um acolhimento incrível do público e sou muito grata por todo carinho que tive. Gosto de acompanhar o que as pessoas falam da Cecília nas redes sociais, acredito que esse ‘ranço’ criado se dá pelo seu jeito impulsivo, além do seu conturbado relacionamento com a mãe. Mas acredito que o público já vem compreendendo os motivos que a fizeram ser assim e ver que seu jeito grosseiro é apenas uma armadura que ela criou para se proteger”, defende.

"Seja na escolha de roupas, pessoas que me envolvi ou algo simples como optar por deixar meus pelos, são julgamentos rotineiros que passamos como mulheres nos desanimam" (Foto: Guilherme Sausanavicius)

“Seja na escolha de roupas, pessoas que me envolvi ou algo simples como optar por deixar meus pelos, são julgamentos rotineiros que passamos como mulheres nos desanimam” (Foto: Guilherme Sausanavicius)

Cecília e Breno foram descobertos e julgados. Já se sentiu julgada assim? “Todo mundo já passou por algum julgamento na vida, especialmente as mulheres que têm a cobrança da sociedade de serem ‘perfeitas’ dentro das limitações do patriarcado, e comigo não foi diferente. Seja na escolha de roupas, pessoas que me envolvi ou algo simples como optar por deixar meus pelos, são julgamentos rotineiros que nos desanimam. É desgastante, revoltante, cruel, ainda precisamos resistir e lutar diariamente mesmo que a passos de ‘formiga’ para que um dia quem sabe seja diferente”.

No próprio caminho

Nascida em São Paulo e criada em Itaquera, na Zona Leste da capital, Fernanda é a filha do meio e a única que seguiu carreira artística na família, que começou com os pais que vieram do Ceará para a metrópole. Os dois saíram de casa do sertão do Ceará cedo e batalharam muito até terem seu próprio negócio. “Sempre fui uma criança que brinquei sozinha de fazer personagens e, aos 11 anos, uma prima chamada Maria do Rosário me levou para fazer um book. Comecei então a ser chamada para comerciais e, pouco tempo depois, resolvi ingressar em um curso de teatro. Na época entrei com o propósito de perder a timidez e desenvolver a minha fala. Tinha medo de assumir dentro de mim que esse era meu grande desejo. Ao encarar os palcos logo me apaixonei e percebi que queria seguir carreira como atriz, que ali era o lugar que queria estar”, recorda.

Espero que a gente consiga ter fé em um país melhor. E que não esqueçamos do nosso passado recente, nem da história de sangue do Brasil" (Foto: Guilherme Sausanavicius)

Espero que a gente consiga ter fé em um país melhor. E que não esqueçamos do nosso passado recente, nem da história de sangue do Brasil” (Foto: Guilherme Sausanavicius)

“Participei de muitos cursos ao longo da minha formação, fiz diversas participações, comerciais, peças e um dia recebi o convite da produtora Daniella Cimineli para um curso de teatro dos Estúdios Globo. O projeto me deu a oportunidade de participar do teste para a série de comédia romântica ‘A Fórmula‘, que foi a primeira série na televisão. Depois fiz participações em como ‘Onde nascem os fortes‘, e no filme ‘Marighella‘. E como protagonista, recentemente, fiz ‘Colônia‘, uma série com direção do André Ristum que está disponível na Globoplay”, lista, orgulhosa da trajetória que vem construindo.

Fernanda também protagoniza o filme ‘Nas mãos de quem me leva‘ com direção de João Cortes. “Tenho alguns projetos em aberto mas não posso falar sobre ainda, espero em breve poder compartilhar as novidades. Também estou no longa-metragem ‘Entre Nós‘, que deverá participar dos circuitos de festivais nacionais e internacionais durante 2022″, completa ela, que ainda pretende estudar roteiro.

A atriz também aproveita para dar um recado: “Espero que a gente consiga ter fé em um país melhor. E que não esqueçamos do nosso passado recente, nem da história de sangue do Brasil. Espero que as pessoas se informem, estudem sobre, que o olhar para o próximo seja mais afetivo e que dentro desse despertar necessário de consciência venhamos a escrever uma história melhor para as próximas gerações, fazendo mudanças significativas contra todo tipo de desigualdade e opressão”.

Assim seja, Fernanda!