*Por Brunna Condini
E quando passado e o presente se encontram orbitando ao redor do mesmo tema, mas de lados opostos? O ator Felipe Ribeiro interpretou personagens em produções de destaque no audiovisual, que mostram diferentes lados da ‘moeda’ do preconceito: em ‘Babilônia‘(2015), sua primeira novela, ele deu vida à Fred, um homofóbico, em trama que teve repercussão nacional, e agora na série ‘Maldivas‘, na Netflix, está na pele do cabeleireiro Cauê, que tem orientação homossexual e se apaixona. “Na novela, o personagem que discriminava para ‘pertencer’ a determinado grupo, como acontece muito ainda, plantou a semente lá atrás dos debates atuais contra o preconceito, a homofobia.
Já nesta série, faço o Cauê que é o amante do cantor de axé Cauã (Samuel Melo), casado com a personagem da Sheron Menezzes. Ele luta para ser visto, assumido, por amor e para ser valorizado do jeito que é. Os gays afeminados sofrem preconceito externo e muitas vezes entre os gays, é uma construção. Ele não tem a passabilidade. A ‘pinta’ dele é motivo de vergonha para muitos. Quis humanizar o Cauê, não só no arquétipo do gay, cabeleireiro. Ele é também um homem apaixonado. Encontrei uma força de ser com liberdade para traçar a trajetória dele na série”, detalha Felipe.
Aos 30 anos, o ator divide a própria experiência: “Escrevo e pesquiso sobre sexualidade, é um projeto que tenho há sete anos. Falar abertamente é preciso. Meu último relacionamento foi com um homem, mas me considero livre. Sofri homofobia durante a infância, não era o menino ‘tipico’, foi castrador. O desejo não tem rótulo, vai além das nomenclaturas, dos papéis. É preciso liberdade para amar”.
Buscando uma existência mais plena e autêntica a cada dia, Felipe pontua. “Terminei de escrever uma série que fala sobre sexualidade, que é esse grande pilar da sociedade, mas tratamos como tabu. Se é para dar um nome, posso dizer que me sinto pansexual, ainda mais nesse momento em que estou solteiro e me reentendendo. Hoje vem acontecendo uma reinvenção deste masculino, o que é transformador. A figura com os conceitos que carreguei da minha infância, é um aprisionamento para mim. Pesquiso gênero e perfomance há muito tempo e agora estou olhando para o meu masculino ferido. Me recolocando no mundo. É outra época. Ainda bem”, observa.
“Com esse personagem da série aceitei todos os meus lados, o masculino e o feminino. Contar essa história em ‘Maldivas‘ é cura para mim. O Cauê está em uma trama de amor e isso tem muita força, me permitindo falar sobre o assunto. Em quase dez anos de profissão volto para um tema, um lugar, mas esse trabalho agora vem para fechar um ciclo dentro de mim. Não podemos nos esconder, não falar sobre o que nos aflige, deixar essas sombras dominarem”.
O que fazer do que foi feito
O carioca recorda episódios de intolerância e discriminação que vivenciou no passado, apenas por ser exatamente como é. “Não correspondia às expectativas da sociedade em relação a um menino. Não curtia fazer coisas tidas como tipicamente masculinas, como futebol, por exemplo. Era mais da arte, da música, das brincadeiras lúdicas. Mas a sociedade cobra. Chegou uma hora que consegui um atestado para não fazer mais educação física na escola, porque eu passava humilhação. Foram muito episódios de preconceito. Isso tudo me deixava isolado dos outros, me tornei um observador”, lembra.
“Meus pais sempre compraram os meus barulhos, cada um ao seu modo. São extremos opostos: ele é o silêncio e ela as palavras. Minha mãe acabou acompanhando tudo mais de perto, já que quando se separaram, fiquei morando com ela. Meu pai é mais na dele e me ensinou o valor do silêncio. E embora nossos momentos fossem mais esporádicos, tem um episódio que me transformou e acredito que a ele também. Eu fazia uma peça em que era um filho que se resolvia com o pai. Ele foi assistir e no final a gente se abraçou muito emocionado. Meu pai me disse que tinha muito orgulho de mim. Ali tudo se transformou para melhor. Foi uma cura. Ficamos muito presos em moral, julgamentos, nas imposições da sociedade, tudo que acaba sendo muito nocivo. Quando pego um personagem, baixo os muros, e posso contar essa história, me curando”.
vela. “Em ‘Babilônia’, era um ator estreante, fazia faculdade de teatro. Tinha 22 anos. Passei por algumas situações de homofobia dentro do set. Antigamente se normalizava isso, até levando para o lado do humor. Mas não dá para fazer piada com o que é imutável, ferindo alguém. Vivi isso minha infância toda, e não queria passar por isso fazendo o que tinha escolhido para minha vida. Gravava com medo de ser descredibilizado por ser quem eu era, livre”, lembra. “Foi um processo complexo. A estrutura de um set ainda é muito patriarcal. Ao mesmo tempo, foi um lugar de muita cura. Tudo que busco na minha vida, busco como experiência para ir além. Depois me resolvi com quem precisava, me pediram desculpas. Mas tive medo de não fazer mais outra coisa, era meu primeiro trabalho. Sou artista de oficio. Vivo, acordo e durmo para a dramaturgia. Depois disso tudo, mergulhei no teatro e fiz as pazes com o meu feminino no espetáculo ‘Dzi Croquettes’. E hoje faço as pazes com o meu masculino”.
Roteirizando um videoclipe para a cantora paulista Alva, e preparando-se para assinar sua primeira série, ele conclui: “Pensei se falaria sobre essas questões pessoais, mas pesquiso e trabalho com isso, e quando falo, não é sobre me expor, é para conseguir criar um espaço. É um processo de evolução como ser humano, um serviço. É um movimento neste sentido. Busco agir na coragem”.
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