Fatos que mostram que o entretenimento no Brasil não será mais o mesmo depois de 2021


A pandemia da Covid-19, além de ter despertado reflexões sobre a sociedade e o planeta, também provocou uma reviravolta no que diverte e distrai o público. Nada mais será como antes também em relação ao entretenimento, e o pesquisador Valmir Moratelli nos ajuda a entender: “Tivemos também mudanças em episódios pontuais na TV aberta, com a saída do Faustão da Globo, de Marcos Mion da Record, assumindo a partir de setembro o ‘Caldeirão’, de Luciano Huck. Essas movimentações são marcantes, interessantes de se acompanhar, mas são normais do mercado, mesmo se não fossem o momento pandêmico. O que mais me chama à atenção não são as mudanças personificadas, mas as transformações que vão mudando os rumos do entretenimento, guiando para onde ele está indo”

*Por Brunna Condini

Em quase dois anos de pandemia assistimos nossa forma de consumo de entretenimento mudar. O setor muito afetado pela crise, segue se reinventando: se tornou mais virtual, remoto e transmitido sob demanda. A situação acelerou mudanças no comportamento dos consumidores, proporcionando uma imersão na produção digital e o aumento das assinaturas das plataformas de streaming. “Falando do Brasil, a gente vem passando por um ciclo transformador na indústria cultural desde 2020 quando parou-se de produzir novelas inéditas nos estúdios de televisão, os cinemas e teatros foram fechados, e também os shows suspensos para evitar grandes aglomerações. Tivemos aí uma quebra, uma ruptura de uma indústria cultural que vinha se mantendo muito forte no país. O entretenimento sempre foi uma grande fonte de receita para as grandes cidades e importante fonte de lazer para as pessoas”, diz Valmir Moratelli, jornalista, escritor e especialista em teledramaturgia.

Nada mais tem sido como antes. As novelas foram reprisadas no período e as totalmente inéditas, foram sendo adiadas. Até esta segunda-feira, quando estreia no horário das 6, ‘Nos Tempos do Imperador’, de Alessandro Marson e Thereza Falcão, com direção de Vinícius Coimbra, que começou a ser rodada no fim de 2019, com poucas cenas externas captadas, e depois precisou de uma grande pausa forçada pela pandemia. Hoje, quando a trama inédita for ao ar, 75 capítulos já estarão finalizados e editados, o que equivale a praticamente dois terços da narrativa. É algo incomum em se tratando de um gênero que costuma ser uma ‘obra aberta’, levando em consideração a opinião dos telespectadores. “Vai ser curioso observar a audiência desta novela, que teve que passar por uma série de transformações com o adiamento e os protocolos por conta da pandemia. Já está  tudo quase gravado, o que é uma transformação de produção. Ao contrário de uma série, que é totalmente exibida do começo ao fim após fechada a produção. Além disso, a novela costuma mudar com o humor do telespectador, com a recepção da audiência. Agora percebemos a telenovela tendo que acompanhar a produção fechada. Se uma audiência não for bem, como farão? Vão comprar o barulho até o final?”.

Neste novo ‘mundo’, o espectador ainda vai conseguir se ligar à uma programação padronizada de TV aberta ou segue conquistando autonomia como seu próprio programador? Nada será mesmo como antes?

Em 'Nos Tempos do imperador': Luisa Condessa de Barral ( Mariana Ximenes ), Dom Pedro II ( Selton Mello ) e Teresa Cristina ( Letícia Sabatella ) (Divulgação/ Globo)

Em ‘Nos Tempos do imperador’: Luisa Condessa de Barral ( Mariana Ximenes ), Dom Pedro II ( Selton Mello ) e Teresa Cristina ( Letícia Sabatella ) (Divulgação/ Globo)

Sem ‘intocáveis’

Se olharmos ainda mais in loco para as mudanças no entretenimneto brasileiro, vemos uma ‘dança das cadeiras’ inédita, em se tratando do últimos anos, em relação aos apresentadores das principais atrações da TV. Isso prova que ninguém é mesmo ‘intocável’. A começar por Fausto Silva, que após mais de 30 anos no comando do ‘Domingo do Faustão’, na Globo, saiu da emissora sem sequer um programa de despedida ou um aviso prévio ao público. As notícias são de que ele retorne em programa inédito no início do ano que vem, na Band. Aos 70 anos, o apresentador recomeça em outra emissora, e apesar dos desafios que isso impõe, pode balançar ainda mais as estruturas na disputa por audiência.

Fausto Silva, que após mais de 30 anos no comando do 'Domingo do Faustão', na Globo, saiu da emissora sem sequer um programa de despedida ou um aviso prévio ao público (Reprodução)

Fausto Silva, que após mais de 30 anos no comando do ‘Domingo do Faustão’, na Globo, saiu da emissora sem sequer um programa de despedida ou um aviso prévio ao público (Reprodução)

Atualmente Tiago Leifert comanda o ‘Super Dança dos Famosos’ no lugar do apresentador. Com a saída de Faustão, foi divulgado que Luciano Huck é o eleito para seguir o ‘reinado’ aos domingos, em programa batizado com nome próprio. E na última sexta-feira (6) aconteceu o anúncio oficial da contratação de Marcos Mion como novo integrante do time de apresentadores da Globo e do Multishow. Mion terá a missão de apresentar o ‘Caldeirão’ a partir de 4 de setembro. O apresentador falou da novidade como a realização de um sonho: “Entrar para o time da Globo não é apenas um reconhecimento dos meus 22 anos de carreira como comunicador, mas sim, o maior sonho da minha vida profissional realizado. Desde a honra indescritível de levar adiante o legado do ‘Caldeirão’ até comandar um formato original e inédito de reality no Multishow, a euforia de finalmente estar na maior organização de entretenimento, criação e jornalismo do nosso país é acachapante! Agradeço com todo coração a todos que torceram tanto para que isso acontecesse”.

As mudanças e a ‘busca’ por nomes que caibam nas atrações de ‘ouro’ da maior emissora do país também são analisadas. “Essas são movimentações normais do mercado, mesmo se não fossem o momento pandêmico. O que mais me chama à atenção não são as mudanças personificadas, mas as transformações que vão mudando os rumos do entretenimento, guiando para onde ele está indo”, diz Moratelli.

Um novo tempo

Antes, parecia existir uma máxima dentro da Globo que, mesmo com a política de reduzir bem o elenco fixo, alguns nomes da casa eram ‘sagrados’, mas desde o ano passado com a saída de Renato Aragão, por exemplo, após 44 anos na emissora, um dos casos mais emblemáticos, parece que uma era teve fim. E que daqui para frente, o ‘mar’ estará mais aberto do que nunca, fazendo valer a máxima de que ninguém é, de fato, insubstituível.

As mudanças dentro da segunda maior rede de televisão comercial do mundo – atrás apenas da norte-americana American Broadcasting Company (ABC) – , vem sendo planejadas desde a direção de entretenimento da emissora: ano passado saiu Silvio de Abreu – na Globo desde 1978 – e assumiu Ricardo Waddington. Além disso, também aconteceram transformações na estrutura organizacional do principal departamento do canal. Agora, a organização é dividida em dois gêneros: dramaturgia – comandada por José Villamarim – e variedade, com chefia de Boninho e Mariano Boni. A aposta é no novo mercado que surge com o aumento da presença do streaming. “Se observarmos o que vem dando mais audiência, tirando os realities, nestes quase dois anos de pandemia na indústria do entretenimento, o peso maior está no jornalismo. Percebemos de forma latente, o quanto as pessoas passaram a se informar em busca de notícias não só relacionadas à pandemia, mas ao cenário político brasileiro turbulento que enfrentamos desde as eleições de 2018, e à crise econômica que afeta a vida diária das pessoas. Com esse peso maior no jornalismo, vem também em paralelo, um enfraquecimento na audiência de novelas que não estão acompanhando esse ritmo, como é o caso das que estão sendo reprisadas, e aí falamos da Globo, já que é a líder de audiência no país”, analisa o especialista.

“Por outro lado, de que forma o jornalismo influencia no entretenimento? Vejo isso se refletir no ‘boom’ atual de documentários no streaming. São muitos produzidos nestas plataformas com boa audiência. Nós estamos passando, nesta fase atual, por uma linguagem audiovisual totalmente voltada para uma interferência do jornalismo muito forte, que é uma das pegadas do documentário. É um olhar mais apurado sobre um determinado personagem ou tema”.

O pesquisador completa sobre o cenário: “Acho que isso é um reflexo do que temos vivido. As pessoas estão tão ávidas por notícia e informação que elas também querem se entreter se informando, ao invés da ideia do entretenimento somente para sair da zona do real e ir para o mundo imaginário. Acredito que essa seja uma das consequências de ‘eixo planetário’ desde 2020 (risos). Com isso, também coloco um questionamento que eu mesmo ainda não sei responder, acho que ninguém sabe precisamente, será que o povo brasileiro está sentindo falta das novelas inéditas? Ou será que o streaming veio para ocupar bem esse espaço? Fato é, que o streaming vinha avançando desde 2014 com força no Brasil com a chegada da Netflix, e depois da própria Globoplay, já mudando o comportamento padrão do telespectador de ser seu próprio programador. A pandemia também acentuou as transformações em relação ao hábito de ver TV. Isso vai ser interessante de observar quando isso tudo passar, para entender se o público voltará ao estágio anterior de acompanhar uma televisão aberta padronizada, dentro de uma programação datada e rígida ou vai querer mais liberdade como já se propõe a Globoplay, por exemplo”.

Na Globoplay um das séries documentais de maior audiência no momento: 'O Caso Evandro' (Divulgação)

Na Globoplay um das séries documentais de maior audiência no momento: ‘O Caso Evandro’ (Divulgação)