Fabrício Boliveira desabafa: ‘’Neguei trabalhos que feriam o que acredito’’


Na pele do personagem Roberval, em Segundo Sol, seu primeiro papel de destaque em horário nobre, Fabrício Boliveira conquista popularidade com vilão que apronta vários esquemas com a parceira Laureta, personagem de Adriana Esteves

Aos 36 anos, Fabrício Boliveira está com tudo e, sim, está prosa. No cinema, o ator tem dois filmes a caminho: ‘’Além do Homem’’ e ‘’Tungstênio’’. Já na televisão, ele encanta a todos em ‘’O Segundo Sol’’, novela das 21h escrita por João Emanuel Carneiro, como Roberval: o motorista da família Athayde-Severo que descobre que, na verdade, é filho bastardo do patrão, interpretado por Odilon Wagner. O jovem, portanto, decide se aventurar em busca da sua identidade e se envolve com a vilã Laureta, personagem de Adriana Esteves, criando uma química entre os dois à la Bonnie e Clyde que encanta o público a cada esquema realizado pela dupla. ‘’Eu tenho achado a repercussão do personagem muito engraçada. As pessoas estão falando muito disso, elas estão preocupadas e ao mesmo tempo mobilizadas. ‘’Será que ele é um vilão? Será que eu posso gostar dele?’’. É muito legal ver essas contradições e o público se mobilizando por questões que você trabalhou junto à direção. É tudo muito bacana’’, conta o ator que recebeu o apoio dos internautas nas redes sociais após a sequência de cenas nas quais descobre o segredo da mãe e doméstica Zefa, personagem de Claudia Di Moura.  

Fabrício Boliveira como Roberval ao lado de Laureta, personagem de Adriana Esteves. (Foto: Divulgação)

Para Fabrício, apesar de já ter tido outros trabalhos de sucesso na televisão, como em ‘’A Favorita’’, a primeira parceria entre o ator e o João Emanuel Carneiro, o papel em ‘’O Segundo Sol’’ é o primeiro de destaque na programação de horário nobre da emissora Globo, criando uma relação de maior cuidado entre o personagem e o público. ‘’É um trabalho que traz o gosto de mais responsabilidade, de ter mais clareza nas afirmações. Estamos em um momento muito confuso, estamos muito bombardeados de informações e confusões. Embora o Roberval seja esse vilão que ninguém sabe o que é exatamente, eu acho que essa é uma clareza sobre os seres humanos e o maniqueísmo’’, reflete.

Fabrício Boliveira caracterizado como Roberval durante a primeira fase da novela. (Foto: Divulgação)

Ao conquistar um papel de grande peso para a trama, apesar de toda a polêmica envolvendo a ausência de atores negros na novela que se passa em um dos estados com a maior população negra, a Bahia, Boliveira traz uma conquista – por menor que seja – para a questão da representatividade do negro.  Além de interpretarem apenas 10% dos personagens da emissora Globo segundo uma pesquisa divulgada em 2015 pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa (Gemaa), os 75% dos papéis para atores negros – como foi mostrado pelo documentário ‘’A Negação do Brasil’’ do cineasta Joel Zito Araújo -, são estereótipos reproduzidos pela mídia. Portanto, com vários papéis que marcaram a televisão brasileira no currículo, como Didu, filho de um deputado rico em ‘’A Favorita’’, o Saci do ‘’Sítio do Pica-Pau Amarelo’’ e o escravo Sebastião em ‘’Sinhá Moça’’, Fabrício Boliveira sempre enxergou o seu trabalho como forma de resistência seja ela artística ou social, colocando a luta muitas vezes acima da profissão. ‘’Realmente faltam bons personagens para todos os negros, mas no meu caso eu pude fazer boas escolhas e até mesmo abdicar às vezes de trabalhar para poder fazer que eu acredito e estão conectadas comigo. Já neguei vários trabalhos porque feriam o que eu acredito como artista e pela forma como abordavam a posição do negro. Não tenho problema nenhum com as funções, como empregados, desde que seja mostrado uma história sobre o personagem. O que não pode acontecer é ele ser pano de fundo’’, declara.

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No cinema, Fabrício também tem expandido a luta dos negros e trazendo personagens que mostram camadas desse povo para além do estereótipo. Como Tião em ‘’Além do Homem’’, filme que conta a trajetória de Alberto (Sérgio Guizé) – um escritor que renega as suas raízes brasileiras -, o ator vive um personagem que resgata traços da cultura do Brasil, representando o país como ele realmente é: místico, mestiço e miscigenado. Para ele, o filme, cuja estreia nas telonas está marcada para o dia 28 de junho, e os personagens possibilitam que o espectador redescubra a nação da qual faz parte. ‘’É um retrato de um brasileiro e dessa reconexão da gente com a gente. O filme fala disso: o que nos une como brasileiros e o que faz com que a gente tenha interesse na gente, o desejo de estar mais conectado com outros tipos de brasileiros, lugares diferentes, culturas diferentes’’, afirma.  

No decorrer da narrativa, Tião tem duas responsabilidades: ser motorista de Alberto na pequena cidade de Milho Verde e ajudá-lo a se reconhecer brasileiro ao desbravar as terras tropicais e enaltecer a pátria independente dos problemas existentes. Assim como seu personagem, Fabrício, apesar da insatisfação com a atual conjuntura sociopolítica do país, nunca teve vontade de sair daqui. Muito pelo contrário: busca sempre uma forma de continuar a luta por transformações. ‘’A vida é tão árdua, acho que não dá para desistir assim. Eu só penso em luta, no desenvolver, no caminhar. Eu não sei se desistiria em algum momento de morar no Brasil porque eu tenho a minha vida aqui’’, conta. Boliveira, que também entrou em cartaz no dia 21 de junho com o filme ‘’Tungstênio’’, filme no qual interpreta um policial abusivo em Salvador, ainda completou dizendo que são essas questões sociais que possibilitam que ele como artista crie uma relação com o seu lado brasileiro. ‘’Eu trabalho com o diálogo com o meu povo. Esse é o meu público, eu estou conectado com ele. As questões que emergem do Brasil mobilizam o meu trabalho’’, declara. Estamos com você, Fabrício!