*Por Brunna Condini
Fábio Assunção poderá ser visto no celebrado ‘Motel Destino‘, que teve première e é o mais recente longa-metragem de Karim Aïnouz, aclamado no Festival de Cannes deste ano, e mais recentemente no 52º Festival de Cinema de Gramado. No provocativo filme, o ator é Elias, um homem machista e tóxico, que se impõe em relações de poder. Casado com Dayana (Nataly Rocha), administra com ela um motel no litoral do Ceará. Até que entra em cena Iago Xavier, o jovem Heraldo, que se refugia no lugar para fugir da perseguição do bando criminoso do qual faz parte, e vai triangular a relação. O thriller erótico com climas de film noir à brasileira – da melhor qualidade, aliás – traz Assunção com visual diferente: usando lentes de contato castanhas por cima dos olhos azuis e o cabelo tingido em tom alaranjado. “Foram 65 dias no Ceará ensaiando, filmando, também fiquei em uma casa isolada do elenco me preparando”, diz, em entrevista exclusiva ao site.
E analisa mais: “Interpreto um cara que sai do Rio de Janeiro e vai para o Ceará, conhece essa dançarina, casa com ela, compra um motel, trabalha e vive lá. Se você pensar, ele está em desespero. O motel é um fenômeno brasileiro. E é um lugar, que em razão da privacidade, pode acontecer qualquer coisa, inclusive crimes. Meu personagem vive esse confinamento com a mulher neste espaço, ouvindo aqueles sons o dia todo, que em um primeiro momento são sons de sexo, mas, depois, também são um exercício de claustrofobia acústica”. Segundo Fábio, “pensando neste espaço de confinamento, me vem ‘O Iluminado‘ (filme perturbador de Stanley Kubrik, (1928-1999), e ‘Bates Motel‘ (série baseada no clássico ‘Psicose‘, de Alfred Hitchcock (1899-1980), lugares que isolam quem vive neles. Então, também acho que o meu personagem vive num estado de solidão enorme, já que também existe um disparidade entre ele e a mulher em vários níveis.Tem um lugar de poder que acha que habita, mas não habita em um estado de consciência, equilibrado. Ninguém se sente amado ali”, observa.
O ator está em um momento de maturidade profissional, conferida em algumas vertentes: faz participação na próxima novela das nove, ‘Mania de Você‘, é um dos protagonistas da nova das seis, também da Globo, ‘Garota do Momento‘, e roda o Brasil na peça ‘Férias‘, ao lado de Drica Moraes.
O filme é essa ferida. Fazer o Elias é fazer essa reparação histórica, do homem branco, de colocar ele exposto nesse lugar. É mais uma obra que cutuca, que empurra as pessoas para se movimentarem emocionalmente, em uma direção que elas já entenderam intelectualmente – Fábio Assunção
“Esse filme é uma saga do encontro de um rapaz em fuga, totalmente vulnerável, com uma mulher aprisionada pelas dinâmicas de um casamento abusivo. Unidos pelo destino, seus caminhos se cruzam e a história se desenrola”, resume Karim Aïnouz. E Fábio acrescenta, ao analisar seu personagem na trama: “Chega o Heraldo, um garoto que vem de viver muitos riscos, se esconde ali, e o Elias dá uma oportunidade de trabalho para ele. Mas é uma relação de poder e abuso. Acho que o grande conflito no final, quando o Elias percebe a relação dos dois, não é nem a traição da mulher, acho que ele toparia um trisal…mas o que pega é a deslealdade do Heraldo. Então, não estou defendendo o meu personagem, mas ninguém é uma coisa só. Isso pulsa. O Elias tem uma coisa do macho ferido, mas que é extremamente frágil. Alguns comportamentos se repetem através da história. As leis endurecem, mas o ser humano tem isso de humilhar, de derrotar o outro, de se relacionar abusivamente. Tem uma índole humana que ganha relevância no tipo de estrutura social em que vivemos”.
Maturidade e liberdade
Com 53 anos e 38 de carreira, contando seu começo no teatro, Fábio fala do atual momento. “Esse filme me deu muita liberdade de fazer. Acho que mais pela maturidade do que pela experiência que tenho no audiovisual. O tempo no ofício pode te engessar, achando que sabe tudo, mas também pode te levar para o não saber, o que pode ser bom. Quando comecei esse filme eu estava cheio de dúvidas, e terminei cheio de dúvidas. Nada foi resolvido ali, mas foi vivido. O Karim traz coisas para o set que não são tão fáceis que coexistirem juntas: a disciplina e a liberdade. Ninguém sai do foco fazendo o filme, mas ele te traz uma possibilidade de libertação, de não ficar recorrendo a coisas que você já construiu em outros trabalhos. Ele traz o novo e não busca um ideal de cenas, me parece. Ele aproveita o que acontece entre os atores. Mas para isso tem muita preparação, muitos tratamentos de roteiro. Karim é essa ventania pulsante. Queria trabalhar mais com ele”.
O que vemos neste filme é um sudestino que vai para o Ceará e tem essas relações de poder já no DNA. Tem gente que já percebeu que isso não pode seguir, e tem gente que naturaliza isso. Não tem autocrítica. É a diferença entre gente conformada, engessada, e outras que estão num estado eterno de provocação, inquietude, tentando fazer a vida um pouco melhor para si e para os outros – Fábio Assunção
TV e teatro
O ator recentemente fechou com a direção da Globo e está no elenco de ‘Garota do Momento’, de Alessandra Poggi. Ele será o pai da personagem de Maisa Silva, a grande vilã do folhetim de época. “A novela se passa na década de 1950, mas especificamente em 1958, um ano de muito crescimento no Brasil, com Juscelino Kubitschek (1902-1976) como presidente, a gente sendo campeão do mundo em uma copa pela primeira vez, a Martha Rocha (1932-2020) como Miss Brasil, enfim, dizem que 1958 era o ano que não deveria ter acabado. E tem o foco no mundo publicitário dessa época também. Então, é uma espécie de ‘Mad Man’ (série premiada que mostra partes da cultura e da sociedade norte-americana nos anos 1960), mas não é, porque é algo bem brasileiro. Faço um cara rico, privilegiado, cheio de amantes”, conta.
“Estou conhecendo mais desse trabalho ainda. Estava com a Drica em São Paulo, onde fizemos o espetáculo ‘Férias’ e foi algo dos sonhos. Ficamos 10 semanas em cartaz e 22 mil pessoas foram assistir, isso é lindo. É uma comédia do Jô Bilac, que é um cara muito profundo. Fala de um casal que está junto há 25 anos e faz uma viagem de férias em que revisitam essa relação, olham para como pensam a vida, do que acham graça e por aí vai. Vamos seguir com a peça, já temos na agenda Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, Brasília, Goiânia e Ribeirão Preto em finais de semana. Esse espetáculo é uma celebração da alegria”.
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