* Por Carlos Lima Costa
Mergulhar em um universo lúdico, imaginar e criar é o que faz Igor Rickli amar a profissão que o leva a experimentar como ele mesmo diz “os dois lados da moeda ao viver papéis tão emblemáticos” para a humanidade e diametralmente opostos. Após interpretar Jesus cinco vezes, entre teatro e TV, ele surgirá para os telespectadores como Lúcifer, o Diabo, na novela Gênesis, que deve estrear, em janeiro, na Record.
“É maravilhoso poder vivenciar essas polaridades. Jesus é o maior símbolo de positividade do mundo e Lúcifer é o da negatividade. Então, fico honrado com a chance de representar essas figuras”, pontua ele, que, em março, viajou para o Marrocos, mas com a pandemia do Covid-19 explodindo no mundo, gravou poucas cenas da trama. “Fiquei somente uma semana. Teriam cenas incríveis no deserto, ia ser uma experiência fantástica. Mas tivemos que voltar às pressas”, lembra ele, que retomou às gravações semana passada.
Vivendo personagens fortes na questão da religiosidade, Igor é categórico ao explicar sua visão particular sobre o tema: “Não tenho religião nenhuma, mas não sou ateu. De forma alguma. Sou superconectado com a espiritualidade. Isso vem da minha família, desde muito pequeno. Só que a gente busca a espiritualidade de uma forma prática, que não depende de uma religião. Eu frequento vários lugares, sem problema. Temos que respeitar a religião de todo mundo, mas a minha é aplicar no meu dia a dia e entender o que é o amor. Não esse amor romantizado que as pessoas falam tanto. Me refiro ao amor de olhar para a pessoa que você não gosta e mesmo assim entender o lado dela, a dificuldade pela qual está passando e ter a atitude certa de não prejudicá-la, mesmo que ela te prejudique. O amor passa pela compaixão. Então, a religião que o meu pai me ensinou desde pequeno é a do amor. Se a gente não mudar a nossa postura agora, nosso planeta vai se tornar completamente insustentável”, filosófa.
A visão de Igor remete ao mundo que está polarizado com questões de intolerância religiosa e política, além de racismo, algo que ele foi conhecer realmente por conta de seu casamento com a cantora Aline Wirley. “Foram diversos momentos. É algo constante. Eu não tinha noção do que é até começar a conviver com a Aline. Nós, brancos, achamos que não, mas fui descobrir que isso é real. Por mais que as pessoas achem que é uma chatice, é importante sim a educação nesse momento e bater na tecla de que não dá mais para continuar esse tipo de coisa”, desabafa.
E prossegue o relato desse fator que afeta sua família. Eles são pais de Antônio, de seis anos. “Vivemos um momento de muita confusão e polarização. Infelizmente, tive essas experiências negativas que me amarguraram muito. Situações que eu não conhecia, porque estava e estarei nesse lugar de privilégio, que talvez me tire da realidade de muitas pessoas que eu conheço. Convivendo com a Aline pude enxergar o preconceito”, lamenta. O que exatamente aconteceu? “Prefiro nem entrar nos detalhes. São comentários malvados, olhares tortuosos, bloqueios. Existe um racismo velado, perigosíssimo, é o mais feio de todos e o mais difícil da gente conseguir amenizar, porque é algo que não é dito, mas está em todo lugar. Enquanto não falarmos sobre isso, não observarmos como funciona, ele vai continuar”, aponta. E explica a visão de mundo do pequeno Antônio sobre essas diferenças. “Meu filho já cresce nesse lugar entendendo que é o máximo ele ser preto e branco. Ele fala: ‘Eu sou preto e branco e está tudo bem a diferença. Eu gosto de ser assim. Eu amo ser preto e eu amo ser branco.’ Na cabeça dele, Antônio entende que não existe melhor ou pior, não existe diferença, é a mesma coisa. E a gente procura ter essa leveza, que ninguém tire isso dele. Ele tem o maior orgulho da ancestralidade dele, das duas partes e eu espero que isso se torne para uma geração futura, que todos tenham orgulho da sua origem”, torce.
A história de amor que tem Antônio como símbolo maior completou uma década este ano, assim como sua estreia como ator no teatro (protagonista do espetáculo Hair) e na TV (participação na série A Vida Alheia). Mas o ano foi atropelado pelo Covid-19, que veio na contramão de tudo. “Seria lindo se não fosse a realidade. É melhor não falar de 2020, que foi uma surra energética, passamos por muitas coisas. Graças a Deus, temos motivos para agradecer. Estamos vivos e saudáveis. É nisso que a gente se apega, então, foi muita transformação, amadurecimento, fatos difíceis de lidar que a gente vem protelando. É importante aprender a se posicionar, a dizer não, a fazer exatamente o que quer. Então, 2020 foi um ano de muita revelação pra todos. Eu tenho a sorte de ter essa parceria com a Aline, que é o que mais acalenta a minha alma nos dias de hoje, porque ela é minha parceira de alma, de caminhada. A gente soma muito junto. Nem comemoro data, pra mim não tem peso nenhum, se tem dez, 20, 30. O que importa é a felicidade. E, graças a Deus continuamos sólidos como no início. Passamos por muitas coisas difíceis este ano e permanecemos cada vez mais felizes de termos um ao outro”, aponta.
Com Aline, imaginava ter uma família grande. “Falava que queria ter muitos filhos, mas, hoje, não sei mais se é legal ficar colocando criança nesse planeta com tanta loucura, tanta coisa acontecendo. Estou repensando. Sempre tive o sonho de adotar e queria muito ter mais um filho pelo menos. Mas é preciso ter um senso de responsabilidade grande nos dias de hoje. É um planeta, que tudo indica que daqui pra frente é uma ribanceira. Não quero ser irresponsável com a minha vida, e principalmente com a de um outro ser”, analisa.
Mas Antônio foi uma transformação. “É a melhor coisa que fizemos na vida, ele é um poço de amor, aprendizado, alegria. Sem dúvida, é o meu legado nesse mundo. Conseguimos plantar nele as nossas melhores intenções e vemos como repercute. Ele é um menino muito do bem. Sou muito feliz de ser pai dele, que me dá a chance de crescer pra caramba, me amadurece como homem. Não consigo nem falar dele que me dá um nó na garganta, porque é uma loucura, a paternidade é imensurável”, reconhece.
Onde Igor se enxerga em Antônio? “Me vejo no lugar lúdico que eu tinha. Tenho muita esperança ainda, mas acho que nos últimos tempos fui ficando mais calejado. Ele enxerga o mundo com olhos coloridos, vê arco-íris em tudo, encantamento na vida. Isso é maravilhoso, é a pureza da criança que eu gostaria que ele não perdesse, que ele não amargurasse, que tivesse sempre esse encanto pela vida, essa alegria de viver. Sempre fui muito cabeça nas estrelas e pouco pé no chão. E fui obrigado a amadurecer e largar um pouco esse encantamento, esse lugar lúdico excessivo, porque para a gente estar aqui é um processo de amadurecimento. Venho aprendendo coisas ultimamente que me trouxeram um pouco mais para o pé no chão”, pondera. E completa: “Isso tudo é a ponta do iceberg, a humanidade está numa grande transformação. Mas não posso perder o meu tesão pela vida. Tenho que estar sempre no trilho, tenho que passar isso para o meu filho. Como comunicador eu também tenho essa responsabilidade, sabe. Que informação estou passando para as pessoas? Futilidades, coisas frívolas, superficialidade ou estamos olhando para o que importa, valores simples, mas reais e que são importantes para que haja a transformação que todo mundo quer”, elucubra.
Ao lado de Aline e Antônio, logo no início de sua quarentena, apresentou os sintomas do Covid-19 e, através de exame, confirmou a doença. Estava recém chegado do Marrocos. “Voltei para casa normalmente e convivendo com eles, porque a gente estava no início, não sabia exatamente o que era para fazer. Não tinha os protocolos realmente definidos. Aline e Antônio não tiveram, mas foi um processo que logo de cara desencadeou uma série de reflexões. Foi assustador, porque a gente não sabia a proporção disso. Foram sintomas leves, mas dois dias de cama, perdi olfato, paladar. Foi um grande susto. Logo depois a gente teve o episódio do assalto em casa, que mexeu demais. Passei por um processo profundo de ser tirado de uma zona de conforto. Não foi nada legal, foi bem ruim, assustador ainda mais porque temos uma criança que depende de nós, então, tivemos que entrar em um lugar de olhar para a vida com mais seriedade”, pondera.
Passado todos os sustos, Igor, além de gravar Gênesis, investe tempo em criar projetos de apresentação de programa. “Eu e a Aline temos surfado nessa onda das redes sociais. Isso vem trazendo um retorno bacana, abri portas, outras possibilidades, tanto que estamos desenvolvendo projetos, abrindo os olhos até para um lugar comercial de comunicadores, apresentadores. Isso vem se apresentando de uma forma natural, genuína e nos agrada. Nós nos tornamos autônomos, somos responsáveis pela própria emissora que é a rede social, não precisamos depender efetivamente de ninguém. Existem possibilidades. Então, tenho feito reuniões sobre pauta, projetos. Me agrada muito a ideia de conciliar a carreira de ator com a de apresentador. Na verdade, meu foco agora é dar seguimento a isso e estou feliz com as portas que vem se abrindo. Desenvolvi tanto projeto nessa quarentena desde viagem, viagem com família, autoconhecimento. Tenho um para fazer solo e um que sou eu, Aline e o Antônio. Em breve vou poder compartilhar mais informações sobre isso”, conta. E deixa claro que não irá se surpreender se no futuro Antônio for ator ou cantor. “Ele ama isso, quer fazer peça de teatro, show com a mãe, canta o dia inteiro. Não é uma coisa que a gente incentiva, brota dele e é um barato acompanhar. Ele é superafinado, tem ouvido absoluto, a arte está ali na veia dele”, baba.
Outro motivo de extrema felicidade para Igor, no momento, é a reprise de Flor do Caribe, que marcou sua estreia nas novelas, em 2013, interpretando o vilão Alberto. “Tenho o maior carinho por esse trabalho, porque me deu uma supervisibilidade com um papel maravilhoso que me abriu diversas portas. Sem falar que a novela é linda. Estou tão feliz, que ela está fazendo muito mais sucesso agora do que da primeira vez, a audiência está bombando e o retorno está gigantesco nas redes sociais”, vibra. E com distanciamento de sete anos reflete sobre o personagem. “Hoje, já tenho uma prática em fazer vilões e adoro, porque gosto de defendê-los, faço o papel de advogado do diabo. O Alberto eu o defendia sempre colocando o lado humano dele, fazia uma reflexão, buscando os traumas, as fragilidades. Isso ficou bem forte para o público, tanto que tinha muita gente torcendo por sua recuperação. Gostavam do vilão, entendiam o propósito dele, a obsessão que ele tinha com aquela mulher, por ser amado. Gosto de puxar sempre o lado humano, porque gera uma reflexão. Todo mundo é passível de ter essa dificuldades. Já fiz isso na Record algumas vezes também. E dá muito certo. O público acaba embarcando quando você compartilha algo que é genuíno, um sentimento que se conecta com todo mundo. No final das contas está todo mundo lutando para se encontrar, se entender e ser amado. Gosto de jogar com o público e percebo que ele entende esse lugar de humanidade. Na Record também aconteceu isso, tanto é que no O Rico E Lázaro, já estava definido que meu personagem iria para o inferno (risos), mas mesmo assim eu fiquei buscando sempre defender o que move uma pessoa a buscar esse lugar de vilania”, diverte-se.
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