“Eu tenho esperança que um dia as pessoas acordem e passem a se aceitar mais, sem julgar. A gente precisa de mais solidariedade, de amor e de compaixão com o outro. Não podemos ser tão egoístas. Fora que, com as redes sociais, achamos sempre que a vida do outro é mais legal e interessante que a nossa. Mas a nossa é maravilhosa também. Precisamos olhar diferente, pensar diferente, agir diferente. Experimente. Renove”. Essa foi a energia do novo editorial do site HT. Empoderada, engajada e feliz, Lucy Ramos é a estrela de mais um ensaio exclusivo. A atriz, que está no ar em “A Força do Querer” como Leila e em cartaz em São Paulo com o espetáculo “Hotel Mariana”, foi clicada pelas lentes poderosas de Thiago Bruno em um espetáculo em forma de arquitetura: a lindíssima Casa Levi’s que, durante um mês, foi o endereço da cultura, moda e comportamento no Rio de Janeiro. A beleza de Lucy, que teve a força dos cabelos cacheados como destaque, foi assinada pelo gênio Titto Vidal e o styling, uma produção de Herik Birkheuer.
Estrela do nosso novo editorial, Lucy Ramos também está brilhando no elenco de “A Força do Querer”. Na pele da arquiteta Leila, a atriz interpreta uma mulher livre e cheia de personalidade, mas também misteriosa. Como nos contou, Lucy Ramos definiu sua personagem como uma caixinha de surpresas que, embora saiba as curvas da sua trajetória, não imagina onde ela pode chegar. “Por enquanto, eu já descobri que é uma mulher forte e cheia de atitude. Com o passar da novela, vamos descobrir que ela também tem suas inseguranças e medos, afinal, é uma pessoa normal. Ela não é linear. E a nossa vida é assim. Normalmente, quando fazemos o estudo de um personagem, listamos algumas palavras que definem a personalidade daquela pessoa. Mas ela não é só aquilo. A gente é muita coisa”, disse.
Com uma personagem super plural no horário nobre da Globo, Lucy Ramos mergulhou em uma preparação tão intensa quanto o trabalho. Para viver a Leila, a atriz foi além das salas dos Estúdios Globo. De acordo com ela, além de se dedicar à construção desta personalidade fictícia, Lucy também buscou referências na profissão da personagem. “Primeiro, eu recebi o estudo do personagem para entender mais ou menos para onde ela ia e como começaria aquela história, porque somente ao longo da novela que aquela pessoa fictícia começa a, de fato, ganhar vida. Depois, li muito e comecei a pensar referências de filmes que eu já tinha visto para resgatar algumas características. Para essa novela, por exemplo, como a personagem é arquiteta, eu também cheguei a ir na Faculdade Mackhenzie, em São Paulo, para ter uma ideia de como é o comportamento e a visão dos profissionais dessa área”, lembrou.
Com tudo isso, Leila e “A Força do Querer” já são um sucesso na programação da emissora. Na trama, a autora Gloria Perez não foge de sua identidade criativa e aborda diversos temas polêmicos no folhetim, como a transexualidade, os vícios e o preconceito. Para Lucy Ramos, fazer parte de uma novela com esses assuntos representa algo a mais em sua carreira. “Toda vez que um trabalho traz temáticas polêmicas e até desconhecidas é muito interessante para a construção de uma sociedade melhor e mais justa. Afinal, a televisão e, principalmente, a teledramaturgia, ainda são os meios de comunicação que atingem mais gente”, disse a atriz, que gosta de trabalhos engajados e com propostas diferentes.
No entanto, não é sempre que o artista tem a oportunidade de escolher enredos com essas propostas. Afinal, como destacou Lucy: “a gente precisa trabalhar”. Mas ela tenta. Em sua carreira, a atriz tem a consciência que, a cada trabalho, fala com milhares de pessoas e que, por isso, precisa levar sempre informações plurais para esse público. “Não quero só ser referência de beleza, por exemplo. É claro que isso é importante e eleva a autoestima, mas não é o suficiente. Eu vejo que quando uma pessoa pública é mais que só estética, quando tem opiniões e chega ao próximo de uma maneira diferente, ela tem muito mais visibilidade porque gera uma identificação maior com o outro”, analisou Lucy Ramos que acredita que, nos bastidores, os próprios autores e produtores estejam mais engajados em promover trabalhos com enredos interessantes. “Com a internet, milhares de pessoas passaram a ter voz no mundo. Todos nós estamos tendo acesso a cada vez mais informações e conteúdos diversos, e isso é muito importante”, disse.
Com os temas plurais, chegam também as diferentes personagens. Desde que estreou na televisão, em 2004, Lucy Ramos percorre uma jornada artística sem muitas curvas. Negra, jovem e do cabelo cacheado, a atriz destacou o fato de os atores ainda serem estereotipados nas artes. Em “A Força do Querer”, esta é apenas a segunda personagem rica, bem resolvida e poderosa de Lucy Ramos. “O caminho é enorme até chegarmos neste panorama mais homogêneo. A maioria dos meus trabalhos foram como escrava e empregada. E eu não tenho problema nenhum com isso. No entanto, acho que precisamos ir além. Eu estou em busca de bons personagens e, se isso significar que farei uma empregada, não tem problema”, argumentou a atriz que confessou ter muitos sonhos na carreira. “Eu sempre peço muitos trabalhos diferentes porque eu ainda não fiz nada que eu gostaria. Muitas vezes, quando a gente começa, fica fazendo quase os mesmos personagens porque são só aqueles que aparecem. É como se quando pensassem em determinado ator, só associam a um tipo de papel. Até o artista ter autonomia para se produzir e escolher qual trabalho quer fazer, demora”, revelou.
Um desses personagens idealizados por Lucy Ramos é a vilã, que consegue caminhar por diferentes emoções e situações dentro de uma trama. Na verdade, ela quer mais que isso. Segundo a atriz, ela sonha em poder fazer trabalhos com conflitos, que permitam novos desafios para a carreira. “Eu não quero ser linear em uma história. O meu negócio são os dramas, aventuras, ação, suspense. Eu quero experimentar novas sensações. Não quero passar a minha vida como atriz fazendo sempre o mesmo tipo de personagem. Eu quero me aventurar”, contou empolgada.
E, se na televisão essa euforia artística ainda não chegou, no teatro, Lucy Ramos está tendo novos desafios a cada semana. Em São Paulo, a atriz integra o elenco do espetáculo “Hotel Mariana”, que tem a tragédia da cidade mineira como enredo. Na peça, dez atores narram doze depoimentos emocionantes de vítimas do ocorrido em 2015 em uma proposta diferente. “É uma técnica pouco usada chamada verbatim. O nosso produtor, Munir Pedrosa, foi captar os áudios uma semana depois da tragédia no Hotel Mariana, onde as vítimas foram acolhidas. Então, foi um momento em que estava tudo muito fresco e latente e as pessoas ainda não entendiam o que tinha acontecido com as suas casas e com toda a cidade”, explicou.
No palco, com um fone de ouvidos como canal destes relatos, Lucy Ramos e o elenco do espetáculo transmitem à plateia as emoções, as histórias e a dor daquelas dez pessoas que perderam tudo com a avalanche de lama. Como contou a atriz, todos os depoimentos narrados em “Hotel Mariana” são muito fortes e emocionantes e evidenciam o desespero de pessoas que se viam em um panorama sem esperança. No entanto, apesar de toda semana reproduzir o mesmo relato, Lucy contou que a experiência nunca é igual. “Embora nós atores saibamos exatamente o que a pessoa vai dizer nos fones, a cada dia é uma emoção diferente. Nós ouvimos sempre as mesmas histórias, mas não decoramos as palavras e nem as sensações. Não é para ser apenas reproduzido, nós sentimos o que aquela pessoa está passando através da sua voz e recontamos ao público. A ideia é que nós atores sejamos apenas o canal de transmissão daquele áudio, respeitando todos os detalhes daquela pessoa, desde o sotaque à emoção”, disse.
Assim, Lucy Ramos e seus companheiros de cena tornam-se válvulas que resgatam o clima de destruição vivido por aquelas pessoas e acompanhado por todo Brasil. E, com isso, também se tornam combustíveis de uma dor ainda não cicatrizada. Ou seja, a vivacidade do assunto é, para Lucy, um fator dificultador na abordagem artística. “Quando a gente trabalha em cima de um tema mais antigo, como Ditadura ou Segunda Guerra, por exemplo, tem uma emoção diferente porque nós retratamos em cima de relatos, mas não colocamos a emoção viva que vimos quando tudo aconteceu. Parece que, em casos assim, o sentimento fica na teoria. Mas, quando abordamos Mariana, estamos falando de hoje, de algo que aconteceu há dois anos e que poderia ter sido com você, com a sua casa”, apontou.
Se para o elenco que já respira aquelas histórias é difícil, para o público que as assiste o resultado não é diferente. De acordo com a atriz, as histórias narradas no palco provocam diferentes sensações e repercussões nas plateias e, a cada apresentação, o panorama final ainda surpreende. “Tem gente que fica inquieto e outros que choram. No final, às vezes a plateia sai assim que acaba, outras fica lá um tempo digerindo tudo o que escutou. Então, para cada pessoa, é uma emoção diferente. Por isso, eu costumo dizer se, a cada espetáculo que fizermos a gente conseguir tocar uma ou duas pessoas, já está valendo. É uma questão de humanidade”, disse Lucy que pensa em levar o espetáculo para Mariana, em Minas Gerais. “A gente pensa muito, mas talvez agora não seja o momento. Nós não queremos levar a peça para um lado político, apesar de sabermos que existe. Nosso objetivo é que tenha uma proposta social para que a plateia veja todo esse sofrimento”, explicou.
O fato é que, se no palco o choro transita por diferentes emoções, fora dele, as lágrimas podem ser consequência da dificuldade em se fazer arte no Brasil. Com um panorama de crise na economia, já é unânime a luta da classe artística em nosso país. E com Lucy Ramos a realidade não é diferente. Para manter o espetáculo “Hotel Mariana” em cartaz, a atriz contou que vive uma intensa rotina de divulgação. “Nós temos um ponto a favor que é o Teatro Satyros, tradicionalmente, já receber espetáculos com propostas diferentes. Mas, mesmo tendo isso, nós estamos na quinta semana e ainda assim precisamos batalhar por divulgação”, revelou a atriz.
Porém, este espetáculo também revela que não é só o dinheiro que mantém a arte brasileira viva. Além de se apresentar aos sábados e domingos, o elenco de “Hotel Mariana” promove uma apresentação popular às segundas-feiras, com entrada gratuita. A iniciativa, de acordo com Lucy Ramos, visa alimentar a fome por cultura de quem quer, mas não pode. “Eu acho que se todo espetáculo promovesse pelo menos um dia de graça, mais pessoas poderiam ter acesso à cultura. Muita gente tem vontade de estar ali, mas não tem condições. Para muitos, o valor do ingresso representa menos comida dentro de casa, por exemplo”, destacou a atriz que acredita que o trabalho artístico vá além do salário no fim da sessão. “O ator tem um imenso prazer de subir ao palco e mostrar seu trabalho, independente se está ganhando dinheiro para isso ou não. Por isso que quando a gente sente que tocou o coração de alguém com a nossa sensibilidade é tão recompensador. Isso é arte, é cultura”, completou.
No entanto, apesar de utópica e linda a iniciativa do elenco de “Hotel Mariana”, a realidade tem sido dura com a cultura brasileira. Mais uma vez, uma palavra muito atual toma conta do debate: resistência. Para Lucy Ramos, este substantivo é mais que uma luta contemporânea, é uma garantia para o futuro, uma esperança para as próximas gerações. “Nós temos que continuar resistindo porque a arte é muito importante para as crianças e para a educação de uma sociedade. A gente abre caminhos e outras possibilidades que nos permitem enxergar o mundo de outra maneira. Quando uma pessoa vai ao teatro e se depara com essa pluralidade de emoções e histórias, é como se fosse uma licença para chegar em outro lugar. E isso não pode parar jamais”, argumentou.
Em contrapartida, se no campo artístico Lucy Ramos levanta bandeira e inflama discursos, quando o assunto é política a atriz prefere resguardar suas opiniões. Sincera, ela não hesitou em afirmar: “eu não tenho um grande embasamento para falar sobre isso”. De acordo com a atriz, há pessoas mais gabaritadas e atuantes para analisar o atual panorama caótico brasileiro. “Sinceramente, prefiro deixar essa questão para os especialistas que, neste momento, até eles ficam surpresos com tudo o que está acontecendo. Afinal, é cada notícia inimaginável. Por isso, eu não sou uma pessoa que fico explanando as minhas opiniões, ainda mais na internet, porque eu preciso ter muito embasamento naquilo que estou falando. E política eu não tenho. Eu escuto e tenho as minhas opiniões, mas não compartilho porque é apenas o que eu acho. E eu não vou ficar falando asneira porque já tem muita gente fazendo isso. Não preciso”, sintetizou.
Mesmo assim, Lucy Ramos não abriu mão de mostrar sua insatisfação com as notícias que ainda nos surpreendem a cada dia. Como cidadã, ela destacou a indignação ao ver o egoísmo daqueles que nos representam no poder público, como ela mesma afirmou. “Eu fico pasma e muito triste. Na verdade, é uma mistura de sentimentos diversos, até de revolta. Afinal, é o nosso Brasil, um país lindo. Eu fico pensando como podem existir pessoas tão egoístas a ponto de fazerem o que fazem com um país, uma população. Esses governantes não estão cuidando só da vida deles ou da casa que moram. São milhões de pessoas afetadas. Não dá para entender como eles conseguem roubar desse jeito. Como pode alguém ser tão egoísta a ponto de pensar só no umbigo e em como enriquecer mais? Ninguém precisa de tanto assim para viver. A gente precisa de pouco para ser feliz”, analisou Lucy que afirmou acreditar em um futuro melhor. “Essa revolução que está acontecendo significa que as pessoas estão acordando para tudo isso e que estão lutando por seus direitos. Eu lamento muito por não ser algo que esteja ao meu alcance de mudar. O que eu posso fazer é votar direito a cada quatro anos. Mas isso é pouco, não vai transformar nada nisso tudo. Eu quero ir além”, contou.
Se na política ela não pode ir além, no comportamento social Lucy Ramos cumpre seu papel como representante das mulheres negras e maravilhosas. Ao lado de estrelas da nossa arte, como Taís Araújo e Cris Vianna, a atriz hoje é referência no quesito beleza, principalmente para as crianças. Porém, Lucy afirmou não se ver nesta posição. “Eu não gosto de ter a cobrança ou o peso de ter que ser algo. Eu prefiro sempre ter a espontaneidade nas minhas atitudes. Porém, eu sei que, como pessoa pública, eu dou voz a outras mulheres que não têm. Eu consigo chegar a lugares mais altos. Então, é quase uma obrigação eu levantar essas bandeiras. Mas eu não penso nisso desta forma”, disse Lucy Ramos que gosta de manter seu Instagram aberto para trocas de experiências. “Eu recebo muitas mensagens pela internet de meninas negras que não se aceitam ou que sofrem preconceito pelo cabelo ou pela cor. Em um desses contatos, uma seguidora me contou que ela não conseguiu um emprego porque a patroa exigia que o cabelo fosse alisado. E essa atitude é consequência de um pensamento muito estigmatizado de um grupinho de pessoas. Mas eu sinto que está mudando”, contou.
E ela faz parte disso. No papel de uma mulher rica e elegante na televisão, Lucy Ramos acredita que inspire crianças e adultos a valorizar a beleza afro. “É uma questão de aceitação. Muitas vezes, as cacheadas querem fugir de sua identidade e não se aceita com os cabelos crespos por pressão da sociedade”, apontou a atriz que destacou que, muitas vezes, esse preconceito já vem do ambiente familiar. “Nós somos criadas de uma maneira que, até na família, dizem que o nosso cabelo é ruim por ser difícil de cuidar. Falam que é duro. O que é isso? Ainda mais hoje em dia, com tantos produtos tratamentos e tutoriais na internet para conseguir cuidar dos cabelos”, disse a atriz que se orgulha de nunca ter feito progressiva e nem alisamento em seus fios. “Eu gosto da minha imagem como cacheada, sinto que sou assim e acabou”, concluiu Lucy Ramos. Tem como ser mais maravilhosa?
Equipe:
Foto: Thiago Bruno
Beleza: Titto Vidal
Styling: Herik Birkheuer
Assistência de fotografia: Brown
Tratamento das fotos: Carol Ferreira
Agradecimentos:
Casa Levi’s e Marina Kadooka
Cintia Camargo
Serviço : Hotel Mariana
Seg. e sáb.: 20h. Dom.: 18h.
Temporada até 10/7
Estação Satyros – Pça. Franklin Roosevelt, 134, Consolação
Telefone: (11) 3258-6345
Lotação: 60 lugares
Ingresso: R$ 30. Segunda-feira: grátis.
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