Bruno Fagundes estava em Nova York, perdido em meio ao vasto leque de opções teatrais, quando o acaso o levou para assistir “Tribos”, da dramaturga Nina Raine. E, como se estivesse falando de uma namorada, o ator conta sobre como uma obra o deixou abarrotado. “Me apaixonei perdidamente pelo texto, pelos personagens. É muito louco esse processo que você vê um texto e sente aquele baque. Foi um soco no meio da minha testa”, contou ele em entrevista exclusiva para HT. Daí em diante, ele só tinha um objetivo: “eu falei que precisava contar essa história no Brasil de qualquer jeito”.
O texto que tanto apaixonou o rapaz fala de Billy (Bruno), que é surdo de nascença em uma família que não o aceita. O pai de Bruno, Antônio Fagundes, vive Christopher, o pai da família que ainda precisa lidar com Daniel (Guilherme Magon), que sofre de esquizofrenia, e as frustrações de Ruth (Maíra Dvorek), filha que quer ser cantora lírica. Eis que já fazem dois anos que essa história estreou sem incentivo da Lei Rouanet – para a montagem, que fique claro! -, o que não faz Bruno ter dúvidas: “o público nos escolheu”.
Todas as críticas feitas na peça, por meio de metáforas, fazem ele refletir sobre a função social do teatro no nosso país. “Essa discussão é morta no Brasil. Não se fala sobre minorias, indiferença, intolerância. Nossa peça tem caráter universal, ela joga isso no colo de todos. E é um mérito do texto, ele não faz apologia, ele pega uma questão e explode em todas as variáveis”, opina.
Quando questionado sobre a influência do pai, e a rotina de trabalho com ele, Bruno Fagundes é tranquilo. “Eu não consigo ver ele como pai nesse processo. Nós somos sócios na produção, e isso é uma responsabilidade imensa porque não somos só eu e ele, são 25 pessoas no processo. Eu só realmente lembro que ele é meu pai quando a gente acaba, relaxa. De resto, quase o tempo todo estamos falando de trabalho. Nos encontramos profissionalmente”, conta ele, que descartou qualquer imposição para seguir o caminho de ator.
“Eu realmente gosto do que eu faço. A minha onda é essa, é achar o prazer. O resto vem fácil, vem acompanhando. Não tenho pretensão de ser isso ou aquilo, eu quero exercer a minha profissão. Todo mundo acha que meus pais impuseram isso, mas não é verdade. Eu sempre fiz questão de acompanhar a vida profissional deles. Foi um processo natural para mim. Um dia eu resolvi fazer um curso livre de teatro e me apaixonei”, nos conta ele, que ainda falou muito mais. Confira o papo, antes do espetáculo chegar em Vitória neste final de semana, e, no próximo mês, ao Rio de Janeiro.
HT: Qual a sua tribo?
BF: A minha tribo é a dos que fazem teatro, que já são reconhecíveis logo de longe. Isso reflete no meu jeito de falar, de vestir, de me relacionar.
HT: A peça fala – entre outras coisas – sobre preconceito e intolerância. De que forma sua geração está lidando com as diferenças e com o preconceito? Acha que são mais tolerantes do que a geração do seu pai, por exemplo, ou estamos retrocedendo?
A minha geração é mais tolerante, mas ao mesmo tempo acho que é uma hipocrisia dizer que o preconceito está indo embora. Ele está cada dia mais presente porque nossa geração está cada vez mais egocentrada. Ela está voltada para si e esquecendo o próximo.
HT: O seu personagem é surdo em uma família de ouvintes. Você, Bruno, às vezes, se sente diferente de quem está em volta? Em que ocasião? E como lida com essa sensação?
Isso, na verdade, é um pretexto para falar de uma incompatibilidade. Cada vez mais estamos nos afastando um dos outros. E você não precisa ser ouvinte para compreender as coisas. Eu acho que todos nós nos sentimos assim. A comunicação já é a incomunicabilidade. A partir do momento que eu falo alguma coisa para alguém, essa pessoa vai receber essa informação pelas experiências, pelos filtros dela. Eu nunca sei como ela vai receber a informação. Vai ser de forma inesperada. Toda vez que a gente se comunica, a gente está jogando uma palavra no escuro. E isso tem a ver com a surdez do meu personagem.
HT: O que mudou no Bruno que estava sentado na plateia de NY assistindo “Tribos” para o Bruno que está no palco agora?
Eu me sinto muito tranquilo com a carreira que estou trilhando. Faço escolhas que não são egocentradas. Eu não estou mostrando meu trabalho como um pavão. “Tribos” é o trabalho que eu tenho mais orgulho, um filho que eu coloquei no mundo e vi crescer.
HT: Você aprendeu libras pra essa peça, né? É tão difícil quanto parece? Quanto tempo estudou? Conta das dificuldades e das delícias do estudo das libras…
Aprendi mesmo, e é muito difícil porque ela é muito precisa e ao mesmo tempo tem um vocabulário extenso. É como se fosse uma pessoa que fala português aprendendo chinês. É muito diferente da nossa cultura, que é auditiva. Você tem que mudar a forma de enxergar o mundo. Nos sinais, tem que elaborar muito mais o discurso. Fiz questão de aprender para fazer o personagem. Eu queria que o que eu faço em cena fosse em sinais e não em gestos aleatórios. Demorou mais ou menos um mês para aprender, foi um estudo muito diferente.
HT: De certa forma a peça traz para o palco e para o centro da discussão uma minoria que – quase – nunca é abordada na dramaturgia de uma forma geral. Como os deficientes auditivos estão recebendo a peça. Como é esse contato e a recepção dele?
Essa discussão é morta no Brasil. Não se fala sobre minorias, indiferença, intolerância. Nossa peça tem caráter universal, ela joga isso no colo de todos. E é um mérito do texto, ele não faz apologia, ele pega uma questão e explode em todas as variáveis. Tem a minoria com preconceito com maioria, a maioria com a minoria. Pensamos: por que a gente ainda é, em pleno século XXI, intolerante? É muito bom falar disso, abre a cabeça do público, mas abre a nossa também. A gente sente isso no público ouvinte e de deficientes auditivos.
HT: Como ator e produtor, você já mostrou que tem uma função social, suscitando a discussão e trazendo novos elementos para a cena teatral. Como vê os atores da nova geração – que é bem diferente da do seu pai, por exemplo – que são engolidos pela televisão e pelo mercado publicitário e se transformam em produtos, onde tudo está à venda? Como resistir ao lucro fácil dos bailes de debutantes?
Essa pergunta é interessante porque hoje em dia nossa geração é massacrada pela pressão do mercado de trabalho. Nossa competitividade é absurda. São 8 mil pessoas tentando a mesma coisa que você e você tem que pagar suas contas. Os atores são um pouco vítima de como o mercado evoluiu. O mercado tendenciou esse lado efêmero, publicitário, da nossa profissão. Eu, por exemplo, só produzi essa peça para mim, porque eu queria fazer teatro. Eu não podia esperar alguém me chamar. É difícil ser escolhido num universo de milhares e milhares de pessoas. A saída que eu escolhi foi produzir.
HT: Quais os novos projetos?
Estou imerso em “Tribos”. Eu estou muito aberto para qualquer outro trabalho, esperando umas oportunidades, cavando outras e preparando campo para mais algumas. Eu não paro nunca. Tenho sempre muitos sonhos, mas algo concreto por enquanto só “Tribos”.
Serviço
7 Ed. Circuito Banescard de Teatro
“TRIBOS”
De 8 a 10 de Maio de 2015
Local: Teatro Universitário – UFES
Endereço: Av. Fernando Ferrari, 514 – Campus da UFES – Goiabeiras.
Horários: sexta, às 21h / sábado, às 21h / domingo, às 18h
Horário de funcionamento bilheteria: de terça a sexta, de 15h às 20h.
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