Prestes a voltar ao ar com a série “Dois Irmãos”, Antônio Fagundes fala sobre o PT, Beijo Gay, Leis de Incentivo e meia entrada. Vem!


Durante uma tarde de folga das gravações de “Dois Irmãos”, novo seriado da TV Globo, o ator conversou com HT sobre cinema nacional, Partido dos Trabalhadores, planos para 2015 e beijo gay

Antônio Fagundes atua há quarenta e seis anos. Tempo suficiente para fazer dele um conhecedor nato das artes cênicas e, consequentemente, das dores e delícias de trabalhar entre coxias. Rodando o país com “Tribos”, uma comédia perversa de Nina Raine, sem patrocínio, Fagundes é um exímio defensor de que é possível interpretar sem uma Lei Rouanet da vida. Opinião contundente ele também mantém sobre as meias entradas, situação que ele define com status de farra. “Por que o doador tem que pagar meia-entrada? Eu que sei quanto eu vou cobrar pelo meu trabalho. Nenhum negócio aceita isso. Pergunta a um hospital se ele vai querer cobrar meia-entrada de idoso”, questiona.

Esse foi apenas um dos assuntos polêmicos que Antônio Fagundes falou com HT durante uma tarde de folga das gravações de “Dois Irmãos”, novo seriado da TV Globo.  Com “Tribos” abordando uma família judia, cheia de cobranças particulares, que tem um filho com deficiência auditiva, as temáticas da intolerância, do preconceito e do egocentrismo tornam-se recorrentes num papo com o ator. “Estamos vivendo a maior onda de narcisismo da história da humanidade”, considera.

(Foto: Divulgação/TV Globo)

(Foto: Divulgação/TV Globo)

Aliás, se o assunto é preconceito, beijo gay está na pauta. Para ele, o grande erro de “Babilônia” foi o timing ao abordar  a homossexualidade. “O que acho que foi diferente é que aconteceu no primeiro capítulo, quando o público mal conhece os personagens, mal conhece as trajetórias deles. Me pareceu que ficou mais agressivo”, opinou ele, que ainda falou de cinema nacional, Partido dos Trabalhadores, e planos para 2015. Vem que está quente. Muito quente.

HT: A peça “Tribos” fala, entre outras coisas, sobre preconceito e intolerância, já que uma família cheia de egos tem de lidar com um deficiente auditivo. De que forma você enxerga esse texto atuando como conscientizador, ou seja, o teatro em sua verve social?

AF: A gente chama a peça de comédia perversa, para se ter uma ideia. O público dá boas risadas, mas é uma risada com sabor um pouco ardido. Ardido porque ela toca em assuntos pertinentes como esse. Temos que pensar que a gente nunca foi tão cego, tão mudo no nosso cotidiano. A peça fala exatamente sobre isso e a autora apenas usou a surdez como metáfora.

HT: Você acha que nós estamos mais tolerantes com o próximo ou retrocedendo?

AF: O mundo está mais intolerante. Não sei se é porque agora temos mais informação e com isso a intolerância aparece mais ou se ela realmente aumentou.

Elenco de "Tribos" (Foto: João Caldas/Divulgação)

Elenco de “Tribos” (Foto: João Caldas/Divulgação)

HT: E o lado narcisista? É hora de parar de olhar para si próprio?

AF: Até o olhar para a gente mesmo está sendo deturpado, acredita? Estamos vivendo a maior onda de narcisismo da história da humanidade. O problema é você, apesar de estar estar voltado para si mesmo, não estar nem se enxergando. Porque a gente não se enxerga mais. Eu vejo as pessoas montando vidas virtuais que não correspondem a verdade. Não temos uma pessoa falando com a outra. Hoje em dia é um Facebook falando com outro Facebook.

HT: Situação-problema com o enredo de “Tribos”. Você, que sempre escutou, sabendo de todas as mazelas da nossa sociedade, o que não gostaria de ter conhecimento sendo surdo? O que não ia querer escutar?

AF: Não tem nada que a gente deva não querer ouvir. O importante é ouvir e saber que temos a possibilidade de mudar. O Eduardo Galeano [jornalista urugaio] tem uma frase que eu gosto muito que diz: “Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos”.

dupla

Solano e Fagundes atuando em “Amor à Vida” (Foto: Divulgação)

HT: Vamos falar do polêmico beijo gay. O Félix, personagem do Mateus Solano em “Amor à Vida” – novela que você protagonizou -, beijou outro homem. Qual a diferença daquele beijo para o da Fernanda Montenegro e da Nathalia Timberg em “Babilônia”?

AF: Não tem uma grande diferença. A diferença foi dramatúrgica. O Walcyr Carrasco [autor de “Amor à Vida”] preparou o público no caminho do que ele queria dizer. O telespectador teve 200 capítulos para ver um pai homofóbico, para ver o sofrimento daquele menino. Ele colocou um personagem que era complicado, mau caráter, que jogava bebês no lixo. Quando chegou no momento do beijo ele já tinha nas mãos uma pesquisa boa sobre a situação. Na época, 50% dos telespectadores ouvidos eram contra. O que acho que foi diferente em “Babilônia”, foi que aconteceu no primeiro capítulo, quando o público mal conhece os personagens, mal conhece as trajetórias deles. Me pareceu que ficou mais agressivo, mas ainda consegue passar a mensagem que é possível aceitar as diferenças.

HT: Voltando ao teatro. A peça não teve apoio de nenhuma lei de incentivo. Você bancou tudo sozinho. Como você enxerga esses mecanismos de incentivo à arte, como a Lei Rouanet, por exemplo, do Ministério da Cultura?

AF: O espetáculo foi na base de cooperativa. Estamos sendo mantidos sem nenhuma lei de incentivo. Dependemos única e exclusivamente da bilheteria. E a nossa [peça] está em cartaz há dois anos, ao contrário das patrocinadas. Ao contrário do que se imagina, ela [a lei] prejudicou a comunicação na medida em que as companhias de teatro deixam de olhar para um público por terem sua produção paga. Nós continuamos em cartaz porque foi uma eleição do público. Enfrentamos, é claro, um milhão de problemas quando vamos viajar porque nos baseamos na bilheteria e ela também está sendo corroída , já que não pensam no produtor quando, por exemplo, você é obrigado a dar meia-entrada para doador de sangue.

(Foto: Divulgação)

(Foto: Divulgação)

HT: É a farra da meia-entrada?

AF: É a farra da meia-entrada. É um jogo político de vereadorzinho qualquer, ou deputadozinho qualquer que está faturando com o chapéu alheio. É uma coisa descabível. O cara que faz meia-entrada para doador de sangue foi achar isso aonde? Por que o doador tem que pagar meia-entrada? Eu que sei quanto eu vou cobrar pelo meu trabalho. Nenhum negócio aceita isso. Pergunta a um hospital se ele vai querer cobrar meia-entrada de idoso…

HT: Tem muito ator falando por aí que o cinema nacional virou um verdadeiro caça-níquel, só com comédia em cartaz, que é o gênero que dá mais dinheiro…

AF: Quem diz isso está misturando cebola com melancia. Não tem só comédia. O Brasil produz cerca de cem filmes por ano. Uns cinco são comédia. Os outros não são. Estamos fazendo até filme de terror. Você pode fazer o que quiser, mas tem que arcar com essa sua vontade. Se você quer fazer uma tragédia, que faça uma boa tragédia, que ela vai dar tanto lucro quanto uma comédia.

HT: Em tempos de Operação Lava-Jato, bate um arrependimento de ter apoiado o Partido dos Trabalhadores?

AF: Claro que não. Se eu fiz isso é porque acreditava neles naquele momento. Não mudaria nada. Agora o partido mudou. E se o partido mudou por que eu também não posso?

Fagundes em "Tá no Ar" (Foto: Reprodução)

Fagundes em “Tá no Ar” (Foto: Reprodução)

HT: Depois de tanto homem sério na dramaturgia, aparecer de Menudo dançando no “Tá no Ar” é para a gente ver que precisa rir de si mesmo, né?

AF: Ah, eu nunca me levei tão sério assim (ri).

HT: Desde 2011 até hoje, catolicamente, você faz pelo menos uma novela. O que temos para esse ano?

AF: Eu estou gravando uma adaptação do filme do Milton Hatoum, o “Dois Irmãos”, com direção de Luiz Fernando Carvalho.

HT: O Luiz Fernando está com você faz tempo…

AF: Desde “Renascer”. Ele é um criador em todos os níveis, ele interfere em cada momento da criação, estimulando. Você pode ver que os cenários são diferenciados, os figurinos. Ele tem uma marca.