Ex-BBBs engajam mais nas redes do que protagonistas de novelas. Estariam elas perdendo espaço em popularidade?


Por anos as novelas brasileiras foram sinônimo de brasilidade e não apenas isso: de popularidade. Artistas nacionais ganhavam a cena de modo a não poderem sequer aparecer livremente nas ruas, nos shoppings, numa vida cotidiana. Hoje parecem estar ofuscados pelos influencers-pós-BBB. Se observados os números, nove ex-BBB’s estão com mais de 1mi de seguidores e geram discussões e engajamento. Os realities, ainda que tenham uma audiência menor que as novelas, também geram milhões em dinheiro e em popularidade. Em que momento o Brasil perdeu a mão na produção das novelas e em que momento os ex-BBB’s ganharam mais repercussão que os artistas? Em que momento nos desvencilhamos daquilo que sempre soubemos fazer bem? Houve uma separação entre os artistas e o povo? Não há resposta conclusiva, mas há o debate, que nos propomos a trazer à cena

Muito se questiona hoje o poder das novelas frente a outras plataformas e a outros programas. Inquestionavelmente, as novelas da Globo ainda respondem pela maior audiência da casa e “Renascer” foi, recentemente, estimada como a novela que mais rendeu comercialmente para a Globo. Não muito distante disso, e pensando apenas enquanto produto, o Big Brother Brasil também foi um dos programas de entretenimento mais rentáveis da casa. Às raias da estreia, em janeiro, todas as cotas de patrocínio do programa estavam vendidas. Na edição do ano passado, 2023, o programa chegou a assinalar cerca de R$ 1,5 bilhão em ganhos para a Globo. Porém, traz o questionamento: em relação à popularidade nas redes sociais, teriam os participantes de realities suplantado os protagonistas de novela? Se observados apenas os números das redes sociais, os ex-BBB’s, de fato, passam – e de de longe – os atores de novela.

Pinçando nove personagens de destaque – de cada uma das novelas que estão no ar, os atores somados atingem o número de 11.832.000 seguidores. De “No Rancho Fundo“, Túlio Starling tem 15 mil seguidores, Larissa Bocchino, com 295 mil; os de “Família é Tudo” são Arlete Salles, com 112 mil, Renato Góes, com 1mi. Os de “Renascer” são Marcos Palmeira, com 1mi, Theresa Fonseca, 101 mil e Juan Paiva, com 809 mil.

Considerando estritamente os nove personagens de destaque do BBB, os números são escandalosos e chegam a 46.100.000, quando somados. Neste caso, também merece destaque o fato de que nenhum participante do reality tem menos de 1 milhão de seguidores. O vencedor do programa, o baiano Davi alcança, sozinho, 9,4 milhões de seguidores. Outra a estar entre as recordistas em popularidade nas redes é Beatriz, com 5,4mi. O casal Matteus e Isabelle têm 5,3 mi e 6,2mi, respectivamente. Fernanda Bande, 2,6mi. Giovanna Pitel, 1,5 milhão. MC Binn (ex-Bin Laden), 6,2mi. E os cantores Rodriguinho e Wanessa Camargo, 4,4 mi e 4,8, individualmente. Números bastante consideráveis.

Davi Brito é um fenômeno nas redes (Foto: Divulgação/Globo)

No que tange às novelas, caberia muitas perguntas para explicar a falta de apelo junto ao público. As três tramas no ar, ainda que tenham uma audiência muito boa e estejam léguas à frente do segundo lugar, não geram engajamento nas redes sociais – e aparentemente, nem mesmo nas ruas. Os conflitos de José Inocêncio e Mariana são muito menos impactantes para a audiência que o namoro de Matteus e Isabelle. Assim como a virgindade de Beatriz do BBB, gerou menos discussão que a de Guto, de “Família é Tudo“. Aliás, o que foi questionado, inclusive, foi o suposto abuso de Lizandra (Danielle Winits) sobre o rapaz.

A média geral do programa foi de 20,2 pontos e revelou um aumento de 42% no alcance de usuários em relação ao “BBB 23″. Diante apenas dos números, a audiência do BBB é menor que o de “Renascer”, por exemplo, que assinala 26. Desta forma, por qual motivo, “Renascer” não engaja tanto como o BBB?. Não há uma resposta definitiva. Pode ser dizer que há uma menor relação entre o telespectador médio e as novelas, que mesmo no Globoplay são ultrapassadas por outros programas. Um problema de ritmo da atual trama das 21h ou o possível falta de carisma do folhetim. Ou uma mudança mesmo na relação de consumo.

Quinota (Larissa Bocchino) e Artur (Túlio Starling). Os protagonistas de “No Rancho Fundo” passam em brancas nuvens frente aos influencers (Foto: Divulgação/Globo)

Outra possibilidade seria encarar que os personagens do BBB, que se vende como vida real, mas tem edição, comportamento, e embalagem de dramaturgia – com a escolha de bons e maus, figuras carismáticas, erráticas e fakes, permitem muito mais a identificação e reconhecimento do público consumidor que os personagens de novela, cada vez mais maniqueístas. O merchandising social deu vez à militância, que em alguns casos é excessivamente didática e pouco fluida dentro da narrativa.

No Globoplay, não poucas vezes, “Renascer” foi substituída em quantidade de visualizações para o documentário sobre Davi. Aliás, ele, Isabelle e Matteus foram recebidos com grande apoio popular em suas cidades. A moça inclusive conseguiu a incrível façanha de juntar os bois Garantido e Caprichoso, rivais a ponto de fazer a Coca-Cola mudar seu rótulo para azul para atender a uma demanda da rivalidade entre os torcedores do Festival de Parintins. E quanto às novelas? Há quanto tempo não se ouve falar que “a chegada de um ator tal exigiu um esquema de segurança da polícia”? Há quanto tempo um ator não dispara a quantidade de adeptos quando se torna protagonista? Túlio Starling, de “No Rancho Fundo” é um exemplo. Em um mês, não chegou sequer aos 20 mil seguidores.

No Rancho Fundo e seu casal principal (Foto: Divulgação/Globo)

Um movimento silencioso, porém, merece destaque exatamente por passar despercebido: as novelas turcas. Na Globoplay, “Hercai – Amor e Vingança” está há semanas entre as novelas mais vistas do Globoplay. O ator turco Can Yaman protagonista de “Sr. Errado”, igual, igualmente uma novela turca, parou o aeroporto e Guarulhos, em março. Também não pode ser desprezada a força das novelas coreanas, os doramas, que geram uma grande mobilização por seus atores. Daí, há de se ponderar: será que desaprendemos a fazer novela ou desaprendemos a nos comunicar com público? Será que os realities fazem mais sucesso por trazerem uma realidade mais palpável, mais prática? Ou será que as novelas turcas fazem sucesso por, justamente, se distanciarem da realidade num momento em que todos querem sonhar? Definitivamente, não há resposta. Mas, se fomos por anos conhecidos como o País das Novelas, talvez precisemos voltar a olhar, efetivamente, o que é o Brasil do Brasil.