*por Vítor Antunes
Em um momento em que o cinema brasileiro explora questões sociais de forma leve e divertida, a atriz Evelyn Castro compartilha suas impressões sobre o filme “Caindo na Real“, um projeto que mistura comédia, romance e uma crítica sutil à ideia de monarquia no Brasil. Nas palavras de Evelyn, ‘”Caindo na Real“‘ tem elenco incrível. Eu me sinto muito honrada em estar com essas pessoas em cena, e fazendo a minha terceira protagonista. A grande piada do filme está na história, que fala de o Brasil virar monarquia. Espero que todo mundo goste, é um filme leve. A minha personagem é uma personagem leve, inclusive. Ela é humorada, uma mulher do bem, honesta, e quer ajeitar o Brasil. Fora isso, tem um romance dela com o Barão, vivido pelo cantor Belo. Mas é tudo muito leve, muito gostoso, é um filme para a família”.
Na sutileza da comédia, a atriz toca num tema que, por vezes, parece anacrônico, mas que no roteiro ganha novo fôlego: a restauração de uma monarquia no Brasil. “A grande piada do filme está na História”, diz ela, sublinhando que a própria ideia já carrega consigo um tom jocoso, dada a história republicana e, em muitos sentidos, caótica do país. Evelyn interpreta uma princesa, uma figura que, na vida real, estaria longe da realidade contemporânea brasileira, mas que no filme ganha contornos cômicos e inspiradores. Sua personagem, ao tentar “ajeitar o Brasil”, talvez entre numa metáfora sobre os desejos genuínos da população por uma sociedade mais justa e organizada. No entanto, é o humor que conduz essa crítica, evitando o peso das discussões políticas para oferecer um olhar fresco e divertido. Através desse romance e do cenário fictício, “Caindo na Real” promete ser uma sátira suave sobre o Brasil, sem perder o humor que caracteriza a carreira de Evelyn Castro.
Nunca me vi estando nesse lugar da realeza enquanto personagem. Nunca seria Paquita, por exemplo. Então me ver nesse local hoje, assistir “A Pequena Sereia” hoje em dia, ver a Tiana, que é uma princesa da Disney, está alcançando esses espaços também, é fundamental. Não só por mim, mas por todas as minhas amigas e mulheres e pardas negras retintas é importante e faço isso por todas nós – Evelyn Castro
RETRATOS E CANÇÕES
Quando Evelyn Castro surgiu no cenário musical, sim, musical, ela era apenas uma menina que sonhava ser cantora. Razão pela qual entrou no programa “Fama”, um sucesso do início dos Anos 2000. Uma das falas dela no antigo reality era de que se inspirava em Sandra Sá, e que um de seus discos favoritos era o álbum de 1987. “Um que tinha bonecos de massinha na capa. Ouvi várias vezes”, disse no já longínquo 2005. Um dos hits do álbum de Sandra é, justamente, a frase que abre esse trecho da reportagem. Hoje, quase 20 anos depois de sua participação ela tira um saldo positivo do programa: “É muito legal poder falar do Fama depois de tantos anos. Na minha carreira, como artista e como cantora, eu acho que o programa me englobou como artista num todo. Hoje em dia, eu consigo enxergar isso. E acredito que ele foi um grande divisor de águas da minha vida. Aprendi muitas coisas lá dentro, conheci muitas pessoas, me deparei com pressões, coisas que tinham que ser entregues, posicionamentos, posturas no palco. Então, ali eu me formei em dias. Eu amo demais essa fase, sempre guardo ela dentro de mim como um momento muito especial”.
Ela prossegue. “O “Fama” ele me serve até hoje, quando eu penso que não vou conseguir, ou quando eu estou um pouco cansada, me vem o Fama na cabeça. A gente fazia aquele programa ao vivo. Era intenso, tudo era muito intenso, era uma competição, era confinamento. E me serviu já pra começar a me formar ali, nessa distância, em viver esses momentos, eu e a arte, e que só restaria ele naquele momento, eu e a arte mesmo”
Não foi fácil sair de lá também e ter, de fato, que construir minha carreira. Eu, com 24 anos, fiz um caminho oposto, entrei na carreira num grande ápice, e depois tive que estabilizar aquilo para continuar vivendo a arte. Então, eu aprendi demais e a lidar com todas as minhas frustrações. Ir à terapia foi fundamental – Evelyn Castro
Evelyn Castro, em sua fala, sintetiza uma revolução silenciosa e poderosa que vem transformando o cenário do humor no Brasil: o protagonismo feminino. Para além da comicidade, há uma crítica à trajetória estigmatizada que por muito tempo relegou as mulheres no humor a papéis de “gostosas e burras” ou “feias e sem sensualidade”. Esse duplo estigma, que insistia em aprisioná-las dentro de arquétipos vazios, vem sendo gradualmente desmantelado. O humor feminino encontrou, finalmente, uma nova narrativa, mais complexa e emancipatória.
Ela reflete sobre essa mudança com clareza e orgulho: “A mulher no humor de hoje, graças a Deus, ela está ocupando, acredito que há muito custo ainda – até porque a gente tem que falar sobre isso – mas ocupando outros cenários e outros papéis. Saímos da objetificação da mulher, saímos da função de escada na comédia e agora somos donas do nosso próprio humor e protagonistas desse humor. Então eu acho que isso é extremamente importante e todas essas minhas colegas mulheres, são extremamente importantes e fico muito feliz em ver cada uma delas sendo ovacionadas”
A atriz faz questão de pontuar que o humor protagonizado por mulheres, além de inteligente, é diverso. Já não se limita ao corpo ou à aparência, mas se alimenta da pluralidade das experiências e vozes femininas. “Tem seus estereótipos ainda? Tem, mas cabe a gente continuar, falar sobre, colocar aí na rua e quebrar o estereótipo. Então acho que o mais importante é a gente cada vez mais discutir sobre”.
A resistência ao clichê da “gostosa” ou da “esquisita” como figuras centrais do humor é uma vitória que mulheres como Ingrid Guimarães, Heloisa Périssé, Mônica Martelli e Tatá Werneck ajudaram a construir, abrindo espaço para novas gerações. “Acabou, como eu disse, o estereótipo da mulher que é ‘a gostosa que faz a escada’ para aquele humor. Acabou o estereótipo da humorista que tem que ser toda esquisita para fazer o humor e ser engraçada. Então, está caindo muita coisa. Nós saímos desse lugar de ter que ter a falta de beleza, a mulher é pouco engraçada, ou ela tem que usar de um recurso de ser vazia no que está sendo dito. Não, a gente pode ter um humor inteligente pra caramba. O corpo de uma mulher gorda, por exemplo, não precisa estar a serviço do ridículo.”
Nesse novo cenário, o humor feminino não apenas diverte, mas desafia, questiona, desconstrói. Evelyn Castro enaltece nomes como Flávia Reis, Thamirys Borsan e Rafaela Azevedo que não apenas atuam como humoristas, mas também escrevem suas próprias histórias, com sensibilidade e perspicácia. A presença de mulheres em todas as etapas da produção humorística, da atuação ao roteiro, é fundamental para que novas vozes e histórias sejam contadas sem a necessidade de recorrer aos velhos estereótipos. “Eu acho que uma das coisas também mais interessantes é a mulher se colocar no lugar dela de protagonismo e também falar, como tinha um bando de homem aí colocando que, ah, porque eu sou o cara, eu sou o bambambam, porque eu traio, porque eu faço, porque sei que lá, nós mulheres também hoje em dia estamos nos colocando nesse lugar.“
Ao inverter papéis e trazer à tona novas abordagens, o humor feminino se torna mais do que um espaço de entretenimento: é um lugar de resistência e de afirmação. Ao quebrar a objetificação dos corpos, como Evelyn aponta, as mulheres se libertam de serem apenas alvo de piadas e passam a dominar o palco, a câmera, e, principalmente, a narrativa. Em suas palavras, a atriz nos convida a refletir sobre o poder do humor como um instrumento de mudança social, desafiando o público a ver além dos clichês e a reconhecer o valor da inteligência, criatividade e originalidade das mulheres na comédia: “Nós saímos desse lugar de ter que ter a falta de beleza, a mulher é pouco engraçada, ou ela tem que usar de um recurso de ser vazia no que está sendo dito. Não, a gente pode ter um humor inteligente pra caramba.”
FURDUNCIN
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