Foi-se o tempo em que tanto a trilha e a abertura de uma novela eram eram algo original e inovador. Das últimas nove novelas exibidas pela Globo, apenas uma, Fuzuê, teve um tema de abertura inédito, a música homônima cantada por Michel Teló. O cantor sertanejo escreveu especialmente para o folhetim, marcando a estreia como intérprete numa abertura de novela. Mas há aí uma outra questão delicada: as novelas não estar abrindo espaço sequer para as músicas de sucesso atuais e cantores contemporâneos. Já que há uma predileção pelas regravações, por que não lançar mão dos MTG’s/mashups, que são montagens de músicas já conhecidas? No horário das 19h, a nova trama “Volta por Cima” tem o mesmo nome da canção de Paulo Vanzolini (1924-2013), regravada por Alcione e Ludmilla. As músicas tocadas durante as cenas de “Volta Por Cima”, “O que é o que é?”, de Gonzaguinha (1945-1991) – cantada por MV Bill – e “Negro Gato” na versão original, cantada por Luiz Melodia (1951-2017) são músicas antigas. Apenas a terceira tocada no primeiro capítulo da trama é relativamente nova: “Se Pendura“, de 2019, de Mariana Aydar.
Há de se notar também outra coincidência: as três novelas atualmente no ar têm nome de músicas já existentes. Ou seja, às favas com a criatividade, já que nem mesmo os nomes das tramas são originais. Isso levanta a questão de até que ponto as produções estão dispostas a arriscar, a apostar em novos nomes, novos estilos e novos sons que possam dialogar com as diferentes camadas do público.
As últimas três novelas das oito – “Mania de Você” – que está no ar –, “Renascer” e “Terra e Paixão” – tiveram regravações como o tema principal. Em “Mania de Você“, temos uma nova versão de Anitta para o clássico de Rita Lee (1947-2023). O remake da novela de Benedito Ruy Barbosa lançou mão de “Lua Soberana”, de Sérgio Mendes (1941-2024), presente na trama original. Já “Terra e Paixão” optou por usar “Sinônimos”, com Chitãozinho e Xororó e Ana Castela, uma música que inclusive já foi tema principal de “A Escrava Isaura” (2004) e “A Favorita” (2008). No horário das 19h, a trama anterior a “Volta por Cima” , a malcuidada “Família é Tudo”, teve a gravação de Jão para “Jardins da Babilônia”, de Rita Lee.
As novelas das 18h também seguem o mesmo esquema. A atual, “No Rancho Fundo”, traz uma regravação da música homônima de Ary Barroso (1903-1964), da década de 1930, que já esteve presente em “Tieta” (1989), por exemplo. Anteriormente a esta, foi a vez de “Elas por Elas” ter uma regravação feita por Ivete Sangalo, Preta Gil e Duda Beat. “Amor Perfeito” também contou com uma regravação de “O Amor é um Ato Revolucionário”, de Chico César.
Aparentemente, não apenas as novelas parecem ter parado no tempo – ou se adequado a ele da maneira mais rasa – como realmente parecem não querer olhar para o óbvio. O que, a princípio, poderia ser uma oportunidade de inovação e de inserção de artistas que estão em evidência, acaba se transformando em mais uma repetição de fórmulas antigas. Essa abordagem causa estranhamento ao público, que espera ver não apenas boas histórias, mas também trilhas sonoras que reflitam o momento cultural atual, trazendo frescor e novidade às produções televisivas.
Esse cenário nos faz refletir sobre o impacto que a música tem nas novelas. Antigamente, as trilhas sonoras não apenas complementavam a narrativa, mas se tornavam parte indissociável da identidade das tramas. É comum lembrarmos de novelas que marcaram época justamente pela sua trilha sonora, que refletia as emoções e o espírito do tempo em que foram lançadas. No entanto, atualmente, a falta de inovação tem feito com que muitas dessas produções soem antiquadas, presas a um passado que já não dialoga tanto com o público atual.
Nos anos 1970 e 1980, as trilhas eram cuidadosamente pensadas. A própria Alcione apareceu nas novelas pela primeira vez em “O Rebu”, cantando uma raríssima gravação. Em “Gabriela” (1975), a Globo se esmerou para celebrar seus 10 anos. A novela teve músicas compostas exclusivamente para ela e foi a primeira a contar com Gal Costa e Maria Bethânia na trilha. O disco com a trilha foi lançado em uma edição cara, de luxo. Apesar de serem uma marca do seu tempo e não terem ficado além dele, era possível ver nos discos alguns cantores ou conjuntos que haviam explodido na época, como Cyclone (com a música Tipo One Way, da trilha de “A Gata Comeu”) ou mesmo o Trio Los Angeles (“Transas e Caretas”, tema da novela homônima).
Em um levantamento rápido: você já ouviu Luísa Sonza cantando algum tema de personagem? E Liniker? Será que o mais novo sucesso popular, “Só Fé”, de Grelo, vai ser tema de alguém numa trama inédita, tal como “Melô do Piripipi”, de Gretchen, foi – e por duas vezes – o de Mário Fofoca, nas versões de 1982 e 2023 de Elas por Elas? Alguma música dos dois volumes de “Batidão Tropical”, maior sucesso de Pabllo Vittar, foi tema de personagem? E os pagodes de Glória Groove e Ludmilla?
Em entrevista recente, o próprio autor de “Família é Tudo”, Daniel Ortiz, assumiu que há um menor orçamento para as novelas. Possivelmente, isso tem se refletido nas canções, especialmente em razão de não haver mais o lançamento de álbuns e o consumo de mídias físicas. Mas fica o pensamento de que a parte musical das novelas – assim como elas próprias – tem entrado em uma espiral de descaso. O que antes era motivo de expectativa e gerava discussões entre os fãs das produções, agora parece ter se tornado apenas mais um detalhe perdido em meio a tantas repetições.
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