“A arte mesmo não tendo incentivo no Brasil, sendo jogada de lado, abandonada, sendo desvalorizada pelos governantes, gera R$ 2,6 bilhões no PIB do Brasil. Nós geramos emprego, renda, aprendizado e conhecimento. Desrespeitar a arte é um crime”. Posicionamentos como esse são partes da vida de Érico Brás, ator e humorista, atualmente no ar em “Zorra”, se preparando para estrear em novembro na “Escolinha do Professor Raimundo”, interpretando Eustáquio e ficou popularmente conhecimento pelo personagem Reginaldo, em “Ó Paí, Ó”, que ganha continuação em 2019. Érico possui uma bagagem longa que o faz agradecer e reconhecer a arte como parte integral na sua vida. Ele nasceu na Bahia, mas costuma dizer que é do mundo, e é mesmo. Já estudou em Portugal e no início de outubro foi a Nova York com a esposa, Kenia Maria, para receberem um prêmio da lista dos 100 negros mais influentes do mundo, o prêmio MIPAB. O ativismo o fez chegar a lugares inimagináveis e Érico contou ao Site HT os momentos mais incríveis, difíceis e dolorosos de trabalhar pela representatividade negra e pela cultura no pais.
Nascido e criado em Salvador, o artista se alimenta da cidade natal. E lá que começa sua história no ramo da atuação. Aos 8 anos, já estudava teatro e já sabia que queria ser ator. A mãe, Walquiria Brás, foi a primeira personalidade que Érico viu cantar e fazer cena de perto. Ela foi, também, a responsável por fazê-lo entender o que ele queria realmente fazer. “Ela me falou uma frase que eu nunca mais esqueci: ‘Se você quer fazer teatro, é porque você precisa fazer teatro’. Depois disso nunca mais parei, era realmente meu caminho”, contou o ator. O ator estreou na televisão com Reginaldo, na série “Ó, Paí, Ó”, papel que já havia interpretado no longa conhecido, mas antes das telas, Érico criou uma bagagem em teatro de rua, peças amadoras, em comunidades, nos palcos de Salvador e, segundo ele, foram os momentos essenciais para estar preparado para momento atual. Já foi visto atuando, dançando e cantando, mas para ele ainda falta um caminho. “Eu gostaria de ter a oportunidade de ser apresentador. Eu acredito que tenho um viés bom para isso e é algo que estamos precisando na televisão brasileira”, completou.
Érico mostra que suas escolhas de papeis e de produções sempre estão ligadas ao ativismo. Um exemplo é a estreia em novembro como Eustáquio, na “Escolinha do Professor Raimundo”. O papel foi originalmente interpretado por Grande Otelo, um artista negro pioneiro no Brasil. Além da atuação em sua vida, foi professor de escola pública e viveu a realidade de grande parte da juventude negra no Brasil, o que se alinhava ainda mais à sua luta como figura pública. Após ser um dos representantes da campanha “He For She – pela igualdade de gênero”, Érico foi nomeado como Conselheiro do Fundo de População da ONU, uma agência de cooperação internacional que luta pelo direito à vida saudável e com oportunidades iguais para todos. Érico, como conselheiro, auxilia na identificação, articulação e proposição de estratégias e soluções para a população. “Ser conselheiro é uma coroação de todo meu trabalho social, principalmente com a população negra e jovem, onde a hashtag não chega para eles. O Brasil é um país que não tem noção da realidade que existe dentro dele e isso é perigoso. Nem todo mundo tem internet ou smartphone“, defendeu o ator.
A realidade é mais dura do que é mostrada pela mídia: 77% dos jovens assassinados no país são negros, segundo o Atlas da Violência de 2018. E ainda piora: a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no país. Érico entende essa realidade e busca os caminhos pela educação da arte, mas que sofre com a desvalorização. “Os diversos tipos de públicos nos respeitam, mas o estado, que infelizmente é mal administrado, é formado por pessoas que não respeitam a arte e nos colocam em uma situação muito difícil. Em outros países, na América do Norte, no continente africano, na Europa, a arte é alicerce da sociedade que se respeita e que tem o conhecimento artístico como fundamental no processo de educação”, revelou. Um exemplo citado pelo ator é a lei 10.639/03, que obriga o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana, mas não é levada a sério no país. “Os professores e as escolas se sentem no direito de não cumprir a lei”.
O ativismo, para Érico, é algo que ele não pode fugir durante a vida. “Eu sou um artista, mas eu sou ator cidadão, que não posso me distanciar da realidade, porque a sociedade brasileira me trata primeiramente como negro, independente da minha profissão. E o racismo no Brasil é escancarado, então eu entendo meu papel como ator cidadão, responsável por contar essas histórias com fidelidade, até porque eu tenho noção de que sou referência. A juventude negra pode me olhar e pensar que quer cortar o cabelo como eu corto, se vestir como me visto, falar como eu falo. Então, por mais que eu não quisesse, seria um prejuízo para a sociedade não me reconhecer como referência e não respeitar isso. Eu não posso me ausentar de falar sobre política, porque a minha arte é política, então eu estou completamente inserido nisso”, frisou o ator. Mesmo com a mudança de vida, Érico afirma que não é privilegiado como pensam. “Negro no Brasil não tem privilégio, apenas vantagens sociais como eu tenho por ser artista. Antes das pessoas me reconhecerem, eu sou um negro qualquer. Quando eu faço sinal para um taxista e ele não para porque sou negro ou quando para e logo pergunta para onde eu vou, com medo que eu vá para alguma favela, ele me vê como um negro. E de repente eles me reconhecem como algum personagem que eu fiz, então é a vantagem de ser artista. Mas eu não tive o privilégio, porque eu caí no conceito de ser um homem negro na calçada que ou vai assaltar o táxi ou vai para alguma favela. Isso está no imaginário das pessoas”, completou.
O imaginário da população é extremamente formado pela publicidade, outro ponto extremamente delicado na representatividade negra. “Se nós somos mais da metade da população, nós temos que estar representados na publicidade, que continua sendo racista e está completamente ligada ao poder financeiro. É impossível acabar essa exclusão sem dar esse poder para a comunidade negra. Os publicitários e as agências, ao contratarem pessoas brancas e apenas elas para comerciais, ela está desconsiderando a parcela significativa da população, que também contribui diretamente para o Produto Interno Bruto do país, que consome, principalmente nas favelas. A verdade é que quem compra os produtos comuns do dia a dia são os pobres na favela que, pelo legado da escravatura brasileira, é majoritariamente negra. Nós precisamos estar representados nos comerciais por conta dessa população. Nós precisamos chegar às pessoas que escolhem esse elenco e esclarecer que eles precisam fazer jus ao nosso consumo também”, defendeu. O crescimento de representatividade é lento, como apontado pelo estudo realizado por Carlos Martins, pesquisador da Universidade de São Paulo. O estudo aponta que a presença do negro na publicidade aumentou de 3% em 1985, para 13% em 2005, um crescimento mínimo em 20 anos.
Além da publicidade, Érico acredita na representatividade dentro política brasileira. “Você já parou para pensar por que não tem negro preso na Lava-Jato? Porque não tem negro na política.” Nós não estamos representados, nem pra bem, nem pra mal. Eu sou a exceção que precisa virar regra”, disse. O perfil político brasileiro já é comum: homem branco, rico e com idade média de 50 anos, contando quase 80% dos parlamentares. E mesmo a população negra sendo 54% dos brasileiros, segundo o IBGE, o número de negros em cargos políticos é mínimo.
O ator também acredita em conscientização, inclusive de quem não sofre com o racismo todos os dias. “Nós estamos querendo um novo tempo, com novos produtos, características e pessoas. E não podemos correr o risco de continuar pensando como antigamente e, para isso, a consciência de inserção é essencial. Quem é herdeiro precisa perceber como é importante abrir mão dos privilégios, porque assim vai ajudar a nação a avançar. Não estamos querendo que branco fique pobre, nem que as coisas se invertam. Nós queremos que nos deixem ocupar nossos espaços e que possamos nos apoderar do que é nosso. Enquanto não existir essa consciência, não temos como mudar a realidade”, frisou.
E quando perguntamos se é difícil e cansativo se manter insistindo em conscientização, Érico afirma que sim. “É cansativo quando a gente vê que muitos não querem avançar. E quando nós repetimos muitas vezes, alguns acabam ficando para trás por causa da fadiga de lutar e estar sempre alerta. Mas quando eu vejo outros artistas, atores e pessoas lutando por isso, me dá alegria e uma força enorme. Me deixa respirar. E mesmo que eu canse e pare para descansar um dia, eu sei que ainda vai ter gente lutando, batalhando e dizendo além das coisas que eu quero dizer”, defendeu. Ainda comentou que tem muitos jeitos de lutar. “O humor, por exemplo, é uma arma. Faz parte da arte, que é capaz de reafirmar um mito ou destruí-lo, por isso muita gente tem medo dela”.
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