“Estes 20 anos passaram tão rápido, fiquei só gozando as delícias de trabalhar com esses três caras”, declarou Mussum em uma entrevista feita para o jornal O Globo, em 1986. Desde então, mais vinte anos se passaram e muita coisa mudou. O quarteto irreverente virou uma dupla que se separou ao longo dos anos. Os Trapalhões perderam a risada de Mussum e as caras e bocas de Zacarias com o falecimento de ambos em 1994 e 1990, respectivamente. Em homenagem a esta trupe de humoristas que completam quarenta anos de história na televisão brasileira, a rede Globo preparou um remake da série com direito a novos personagens. O gesto de Didi e o jeito circense de Dedé prometem representar o grupo de amigos provando que, mesmo depois de tantos anos, é possível ser trapalhão. Compondo o elenco, Lucas Veloso, Bruno Gissoni, Mumuzinho e Gui Santana imitam o quarteto de gigantes sem qualquer intenção de tomar o lugar dos antigos atores. “Fiquei muito preocupado com os quatro meninos por temer uma rejeição do público que venera os trapalhões e assistiu desde o princípio. Eles não são uma cópia dos outros atores, cada um tem sua essência e buscam homenagear o passado imitando. A galera de casa tem que saber que não estamos substituindo ninguém. Muito pelo contrário, eles veneram o nosso trabalho. No início, o elenco jovem sempre se emocionava quando contracenava comigo, por exemplo”, afirmou Renato Aragão, o eterno Didi que será homenageado, também, pelo Didico feito por Lucas Veloso.
Assim como Renato, Dedé também ficou muito preocupado com relação a repercussão que o novo elenco poderia trazer. “Todos tínhamos medo deste remake porque não queríamos receber críticas ou julgamentos. Mas caiu na mão de pessoas muito competentes que conseguiram levar estes papéis adiante. Estes meninos são heróis por terem a coragem de imitar personagens tão importantes. Acho que vai dar tudo certo no final porque nestas últimas gravações aconteceu uma coisa muito comum comigo na primeira fase do grupo: esquecer que estava em cena e me divertir assistindo meus colegas. O diretor da época me pedia para prestar atenção porque eu continuava atuando, algo que se repetiu recentemente. Isso porque nunca me considerei um trapalhão porque sou muito fã do elenco, principalmente, do Mussum que não saia da minha casa. No início, os garotos ainda estavam muito inibidos e agora está começando a dar certo. O elenco tem muita qualidade o que me acalmou para voltar a fazer esta série”, relembrou o ator que volta às telinhas brasileiras depois de ter atuado em Portugal com Didi em uma série especial sobre a dupla.
Durante a coletiva de imprensa do programa, o elenco novato deixou bem claro o respeito que tinha pelo trabalho dos antecessores. Cada um, preparou o seu personagem de forma especial para poder vangloriar Mussum e Zacarias. “Para preparar este personagem, eu passei dias indo dormir com os vídeos dos trapalhões onde escutava a voz do Mussum ao fundo. Poder homenagear este grande sambista e ator é uma emoção muito grande. Quero honrar o que estes caras fizeram e dar sentido a isto na televisão brasileira”, sugeriu Mumuzinho, o Mussa desta nova etapa da série. O rapaz foi, inclusive, muito bem recepcionado pela família do falecido ator. Dedé garantiu que a qualidade do trabalho do rapaz está muito alta. Em uma das cenas, inclusive, o ator chegou a achar que estava vendo Mussum na sua frente. “Tem uma cena em que faço um diretor de comercial onde senti o espírito do Mussum lá dentro. Foi arrepiante, fiquei impressionado tentando entender se não era ele na cena em vez do Mumuzinho”, contou.
Para Bruno Gissoni, atuar como Dedeco foi ainda mais complicado pois o ator veio do meio televisivo. Sempre trabalhou com novelas sem a preocupação como humor. “Fui o último a entrar e me receberam de forma maravilhosa. Como venho da novela, estava muito inseguro no início, mas tive muito suporte da produção e caracterização. No entanto, ter estas grandes referências do meu lado me ajudou muito. Na minha infância eles eram meus ídolos e trabalhar com os meus super-heróis é fantástico. Busquei fazer meu trabalho com muito carinho e cuidado. Atuar ao lado de Didi e Dedé é uma experiência que vou levar para o resto da vida”, informou o ator. Sobre a participação do rapaz na série, Dedé brincou que não gostou da seleção de Bruno por ele ser bonito demais comparado ao mais velho no passado. No entanto, o comediante admite a dificuldade que o mais novo está enfrentando em seu papel. “O Dedeco é o mais difícil porque ele prepara a cena para a piada sair, assim como o meu personagem. O Renato me falou que, por isso, me considerava a pessoa mais importante do programa na época”, contou Manfried Sant’Anna, cujo nome artístico é Dedé.
Assim como Bruno, Lucas Veloso faz um personagem que não precisa se restringir ao trapalhão original. Apesar de Didi e Dedé serem dois ícones, não possuíam bordões muito característicos como Zacarias e Mussum. Além disso, o jovem não deve imitar exatamente o que o outro fazia já que o próprio Renato Aragão está na série ao seu lado. “Ao fazer um trapalhão novo, tenho a liberdade de colocar o bordão no Didico da forma que quiser e montar o papel. Para não trazer uma pessoa aleatória para aquele cenário, busquei inspiração na atuação do Renato Aragão da década de 70. É outra pessoa, novas tiradas e estilo de roupa, mas relembra o passado. Mas nunca busquei ter uma carreira parecida com ele ou a de outra pessoa. Busco ser eu. O Didico, no programa, é que almeja ser o mais velho”, exemplificou Lucas. Assim como o jovem se espelha em Didi, o mais velho aprendeu muito com esta galera. “Na vida, nós estamos sempre aprendendo. Nós aprendemos muito com as novas técnicas de teatro deles. Aqui não existe mestre ou aprendiz, estamos todos no mesmo patamar”, garantiu Renato. Gui Santana, inclusive, brincou que foi o responsável por Didi saber mexer no SnapChat.
Diferente do colega de elenco, Gui foi o que mais precisou se assemelhar ao falecido Zacarias por ter trazido caras e bocas icônicas que seguem firmes no imaginário das pessoas. Segundo Renato Aragão, este ator foi o que conseguiu interpretar melhor o personagem. “Não levava muita fé nele porque é cantor e ator. Achei que não ia ter nada a ver com o programa e com o Zacarias, mas ele assumiu o papel com tudo”, garantiu Renato. O mais novo afirmou que isto só foi possível graças a grandes maratonas de Os Trapalhões para observar os trejeitos do falecido ator. No entanto, o Zaca tomou conta do ator quando Gui entendeu o que significava estar neste programa. “Ser trapalhão é viver intensamente, se divertir com as situações de vida e não enxergar maldade em nada. Qualquer um pode ser assim, até eu sou um pouco. Trabalhei muito neste personagem para que a minha atuação fossem próxima do Zacarias, se botasse ele na minha frente seria possível ver muitos erros, mas eu tento”, informou Gui Santana.
A inocência de uma criança é a chave do riso leve que despertam na plateia. No entanto, esta linha não é tão fácil como parece na telinha. “É muito mais complexo fazer esse tipo de comédia do que a gente pensa, porque o Didi e o Dedé voltam a ser crianças, uma coisa que todos tentamos ao longo da vida. Ter contas para pagar e cobranças nos faz criar um adulto. Cresci muito cedo, com 16 anos já era o pai de família. Ao fazer este programa, ressuscitei aquele menino que existia em mim e pedi desculpa a ele. Esta constatação me trouxe uma lição de vida mais valiosa do que qualquer coisa”, desabafou Lucas Veloso. Assim como o colega, Mumuzinho também considera esta forma de atuar complicada e vê os trapalhões como grandes heróis. “Eles colocavam piadas espontâneas que nem estavam no texto. Agora, fazer isto é ainda mais difícil por termos que nos preocupar com termos mais politicamente corretos. Eu, por exemplo, nunca tive problema em rir do racismo, como o Mussum”, explicou o ator.
No antigo programa, os atores não se importavam em fazer piadas que poderiam soar racistas ou machistas. No entanto, depois de intensos debates, o povo prefere um viés humorístico que não ridicularize a mulher ou a situação de uma pessoa. Palavras que antes causavam risos, hoje podem gerar desconforto com o público. “Não dá mais para fazer as mesmas piadas. Meu doce favorito, por exemplo, é Nega Maluca, mas as pessoas podem ficar ofendidas até com este nome. Para não ter problemas, substituímos o que achamos que poderia soar preconceituoso”, garantiu Dedé.
O diretor do programa, Fred Mayrink, garantiu que o público não precisa se preocupar com termos indevidos e que, mesmo mudando alguns aspectos, o humor segue o mesmo. “Queremos fazer um programa para toda a família, como sempre foi. Precisamos ter cuidado com o que vamos falar porque o mundo está mais evoluído, mas não tiramos a essência do programa que trata sobre desavenças, amizade e convivências. Não é preciso tocar em assuntos polêmicos para fazer humor. Estas coisas do passado faziam parte daquele momento e que hoje não cabem mais, não tem mais graça. O tempo andou e nós fomos juntos, por isso atualizar o programa é acompanhar o momento em que estamos vivendo. Isto não afetou em nada a forma de fazer”, informou. Renato confirmou que vamos continuar vendo o Didi com o mesmo humor ingênuo de sempre. “Entre o humor antigo do Didi e o novo não muda nada porque ele é livre, não quer ofender ou se aproveitar da deficiência das pessoas. Quer divertir as pessoas e se conseguiu até hoje”, agradeceu Renato Aragão.
Além do diretor e elenco, há uma grande equipe por traz da qualidade do programa o que deixa Didi muito feliz. Este é mais uma série em que Renato Aragão está inserido. Somente no cinema, o ator já fez cinquenta filmes e levou mais de cento e setenta e três milhões de pessoas as salas de todo o Brasil. “Nunca pensei em ser quem sou hoje, tanto que me formei em advocacia. Comecei a gostar da profissão de comediante ao ver os filmes de Oscarito e, mais tarde, tive o prazer de afirmar a ele que estava ali por causa dele”, relembrou o famoso.
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