“Estamos inebriados na dopamina dos likes das redes sociais e não olhamos o abismo que nos espera”, diz Tainá Muller


A atriz fala de ‘Bom dia, Verônica’, que protagoniza, e já é uma das séries mais vistas da Netflix. Além disso, Tainá, que exercita pensar ‘além bolha’, conversa sobre a violência contra a mulher, tema abordado na série. E também, sobre o fato de se questionar constantemente diante de tudo o que estamos vivendo, fazendo isso também através de lives, que vão se transformar em um canal de troca de ideias. “Acredito que todas as pessoas minimamente conscientes e com o prato de comida garantido na mesa têm a obrigação de botar a cabeça para funcionar nesse momento, fazer de tudo para cavar outros horizontes, imaginar juntos um outro mundo possível”

*Por Brunna Condini

Tainá Müller estreou no streaming com a série ‘Bom dia, Verônica’, na Netflix , já com status de sucesso. A protagonista do thriller policial, que já está entre os top 3 mais assistidos, interpreta uma escrivã da Delegacia de Homicídios de São Paulo que quer ajudar as vítimas na luta contra a violência e a injustiça. Conhecida por trabalhos no cinema e na TV, a atriz vive intensamente a personagem que batalha contra a corrupção e a violência contra a mulher.

“A resposta da crítica e do público têm sido ótima e eu estou muito feliz com a repercussão. Entramos no “Top 10” de vários países e essa é uma experiência inédita para mim, em termos de alcance do trabalho. A mensagem que a série passa é importante e infelizmente uma realidade mundial, não só do nosso país. Espero que a gente espalhe o debate sobre a violência contra a mulher”, diz Tainá sobre a série que também tem Eduardo Moscovis e Camila Morgado no elenco.

“A mensagem que a série passa infelizmente é uma realidade mundial. Espero que a gente espalhe o debate sobre a violência contra a mulher”(Foto: Suzanna Tierie /Netflix)

Baseada no livro de Ilana Casoy e Raphael Montes, a série aborda a violência doméstica e os relacionamentos abusivos, com o intuito de encorajar as mulheres a denunciarem. Observando, que com a pandemia da Covid-19, os números de agressões contra mulheres aumentaram cerca de 40%. Acha que esse trabalho pode ser uma espécie de ‘gatilho’ para essas mulheres ou encara, principalmente, como uma forma de incentivo para denúncias? ”Entendo que a série pode ser ‘gatilho’ sim para quem está mais sensível ao tema, mas ao mesmo tempo o jeito que a produção escancara o problema da violência doméstica é também, de certa forma, bastante educativa. Então, se uma mulher assistir a série e se identificar com alguma situação abordada ali, tem a possibilidade de pedir ajuda, inclusive ligando para o telefone que a Verônica fala na série. A Netflix disponibilizou o redirecionamento da ligação para uma central de apoio com profissionais”.

Camila Morgado e Tainá em cena: “Se uma mulher assistir a série e se identificar com alguma situação tem a possibilidade de pedir ajuda” (Foto: Suzanna Tierie /Netflix)

Acredita que este tipo de violência acontece porque em nossa sociedade muitos homens ainda pensam que são superiores às mulheres? Ser feminista é questão de sobrevivência? “Vivemos em uma sociedade machista, patriarcal, cuja miscigenação aconteceu a partir do estupro de mulheres negras e indígenas e isso não pode nunca ser esquecido. Essa é uma realidade indigesta que precisamos encarar de frente. Aliás, o estupro no Brasil ainda acontece em sua maioria no ambiente doméstico. Recentemente divulgaram o número grotesco de crianças que aparecem grávidas para serem atendidas em hospitais. Enfim, a violência doméstica é fruto dessa cultura que subjuga o corpo feminino, que quer nos matar como sujeito e nos fazer de objeto há séculos. Me considero feminista sim, pois ser feminista nada mais é do que lutar para que as mulheres tenham o mesmo respeito que os homens têm, em todos os níveis. É uma luta diária para ter voz e ao mesmo tempo dar espaço para as mulheres mais vulneráveis, invisibilizadas pela nossa sociedade”.

E pelo visto a atriz vai se tornar uma queridinha das séries policiais, já que começaria a gravar para o Globoplay a série “Mal Secreto”, de Braulio Mantovani, na semana em que começou a recomendação de quarentena por conta da pandemia. “Minha personagem é uma advogada criminalista que se envolve com o psiquiatra forense vivido pelo Sergio Guizé”, diz sobre a série que só deve retomar as gravações ano que vem.

“Me considero feminista sim, pois nada mais é do que lutar para que as mulheres tenham o mesmo respeito que os homens têm, em todos os níveis” (Foto: Suzanna Tierie /Netflix)

De olho no mundo que se abre 

No ar na edição especial de “Flor do Caribe” na TV Globo, ela tem aproveitado o isolamento necessário para fazer mudanças, estudar e trabalhar: “Mudei de estado (para São Paulo), comecei o processo de uma série, lancei ‘Bom Dia, Verônica’, reformei a minha casa, comecei uma pós graduação (em Filosofia) e um canal de entrevistas. Tá bom, né?”, indaga.

Tainá também vem se dedicando à finalização de um livro em parceria com o Marcos Piangers sobre parentalidade. E se aventurou no mundo das lives. Em ‘Conversas de um Novo Mundo’, ela tem refletido e trocado com outras pessoas sobre horizontes possíveis pós-pandemia. O projeto também deve se transformar em canal no YouTube, com direção de Maurício Arruda e colaboração de Ronaldo Lemos.

“Estou gravando entrevistas nesse momento via zoom. Ainda estamos encontrando o formato, mas em breve devo lançar o canal que pretende justamente isso, trocar ideias. Vivemos em um tempo difícil, talvez nunca tenhamos estado tão desorientados e ao mesmo tempo com tanta urgência de organização de pensamento, de um plano em conjunto de sobrevivência. Minha vontade de falar disso surgiu da necessidade de eu mesma voltar a ter esperança, de ver saída para esse labirinto que nossa civilização entrou. A modernidade criou uma espécie de anestesia coletiva, onde os estímulos não entram mais. Então, por exemplo, no jornal vemos escrito: “Temos sete anos para reverter o aquecimento global”, e isso impacta zero em nosso dia a dia. Estamos inebriados na dopamina dos likes das redes sociais e não estamos olhando o abismo que nos espera logo ali. Acredito que todas as pessoas minimamente conscientes e com o prato de comida garantido na mesa têm a obrigação de botar a cabeça para funcionar nesse momento, fazer de tudo para cavar outros horizontes, imaginar juntos um outro mundo possível”.

“Acredito que todas as pessoas minimamente conscientes e com o prato de comida garantido na mesa têm a obrigação de botar a cabeça para funcionar” (Foto: Gustavo Zylbersztajn)

E que horizonte hoje vê possível para esse mundo pós-pandemia? “Eu só acredito na democracia como a força mobilizadora de mudanças. Mas não uma “falsa” democracia, que contempla uma ínfima minoria e deixa o resto de fora. Que funciona em um sistema econômico predatório e destruidor da vida. Acredito que para chegarmos lá, na democracia, tem que ter o debate, a pluralidade”, analisa.

“A vida não funciona de forma “mono”. A monocultura está nos destruindo em todas as instâncias. Nossa agricultura precisa migrar para sistemas agroflorestais, que regeneram nossa terra ao invés de consumi-la. Precisamos de energia limpa e parar de usar combustíveis fósseis já, para conseguirmos frear o aquecimento global. Resgatar a diversidade em todas as suas manifestações é uma via de salvar o mundo, pois a globalização nos tirou algo muito precioso em seu processo. Também acredito que para diversidade poder acontecer, precisamos regular a forma com que o algoritmo funciona nas redes sociais, que está criando bolhas intransponíveis de pensamento e polarização”.

Reflexão e voz

Em recolhimento social ao lado do marido Henrique Sauer com quem está há oito anos, e do filho Martin, 4, Tainá é consciente e se insere no universo ao redor para compreender e tentar transformá-lo. Ela pensa ativamente muito e sobre tudo. Tanto, que diante do cenário nebuloso que vivemos e das incertezas do caminho, ela começou a estudar Filosofia. Para a atriz, questionamento, troca e reflexão podem jogar luz nos caminhos. “O curso é todo online. Escolhi a filosofia porque gosto de pensar, de elaborar o mundo à minha volta. Foi uma forma de buscar entendimento para esse momento tão caótico.”.

Tainá com o marido Henrique Sauer e o filho Martin (Reprodução/Instagram)

A rotina de trabalho, reflexões e criações, é dividida com os cuidados com o pequeno, e ficou mais intensa ainda com a quarentena. “Tem sido desafiador, na medida em que não é natural uma criança não encontrar com outras para brincar, não interagir com outras pessoas e isso traz algumas questões emocionais. Acho que todas as mães e pais estão lidando com isso nesse momento. Mas ao mesmo tempo essa intensidade toda de convivência traz um nível de conexão muito bom entre a gente. Acontecem momentos mágicos também”, conta. E compartilha alguns anseios do momento: “Quero levar uma vida cada vez mais minimalista e simples. Eu ainda chego lá. Tenho estudado, tentado fazer exercícios e tentado trabalhar a resiliência. Mas não vou dizer que consigo sempre. Muitas vezes me pego ansiosa e angustiada pelo cenário. Não me cobro muita coisa nesse momento também, pois prefiro continuar sentindo do que me anestesiar”.

“Quero levar uma vida cada vez mais minimalista e simples. Eu ainda chego lá” Foto: Gustavo Zylbersztajn)