Atire a primeira pedra quem ainda não se pegou rindo ao assistir o quadro “Isso a Globo não mostra“, do Fantástico. Com uma linguagem mais coloquial e totalmente irônica, a equipe vem misturando elementos característicos da internet, como os memes, à própria programação da emissora. A montagem de vídeo que colocou o jornalista William Bonner cantando e dançando o hit “O nome dela é Jenifer” é um ótimo exemplo dessa abordagem diferenciada e pouco vista na TV Globo. Junto à divertida novidade, os telespectadores também observaram a inclusão de profissionais com grande notoriedade nas redes sociais à dramaturgia global, como Kéfera Buchmann. Porém, para além do bom-humor, muitos são os comentários de que a inovação é principalmente uma estratégia para a emissora manter a audiência. O site HT conversou com o jornalista, professor de Comunicação em Televisão na PUC Rio e especialista em marketing, Bruno Dieguez, sobre este momento de simbiose entre internet e televisão.
HT: Como você observa, enquanto estudioso do tema, essas mudanças que a Rede Globo vem estabelecendo aos seus conteúdos?
BD: É inevitável que as emissoras coloquem para dentro da sua grade de programação os elementos e personagens característicos da internet. Isso porque é necessário acompanhar a evolução da sociedade, seja ela como for, para continuar lucrando e sendo requisitada. A televisão, como líder entre os veículos de comunicação, precisa caminhar junto aos avanços dos telespectadores. Ela pode não ser a primeira a trazer essas revoluções, mas também não deve ser a última a se adaptar para não ficar obsoleta.
HT: Essa transformação, então, pode ser considerada como uma estratégia para driblar a concorrência que a internet representa?
BD: O comportamento do público está sempre se modificando. Nesse caso, existe uma crescente oferta de conteúdos e, por isso, os telespectadores ficam descentralizados. É um processo muito natural da evolução. O que, não só a Globo, mas todas as emissoras vêm tentando fazer é se adequar a essa nova realidade, inserindo elementos característicos da internet e investindo nas plataformas de streaming. Assim, o público não precisa mais ficar preso àquela grade de produção linear e fixa, que o obrigava a estar em casa durante um horário específico para consumir alguma atração. Hoje, é possível assistir ao que você quer, no lugar e na hora desejados e disponibilizar conteúdos diferenciados é uma inevitável estratégia.
https://www.youtube.com/watch?v=JMOnyEuz4eo
HT: A plataforma de streaming Globo Play não acaba descentralizando ainda mais o telespectador, que opta pela facilidade de consumir uma programação a qualquer momento, ao invés de assistir à grade fixa da emissora?
BD: Sim e não, depende de como você olha para isso. O modelo de monetização da televisão aberta sempre foi a partir dos anúncios entre uma programação e outra. Essa ainda é a ação publicitária que mais gera lucro no Brasil, mas é necessário pensar em outros formatos porque o público deseja, cada dia mais, fugir desses comerciais e consumir conteúdos personalizados para a sua própria rotina. A grande estratégia da Globo Play tem sido apostar em programações complementares, por exemplo, ao exibirem o primeiro episódio de uma série na TV aberta e disponibilizarem a continuação no streaming. Além disso, existe uma questão comportamental que atua muito forte nessa situação: se todo mundo está assistindo a um conteúdo que passa em um horário específico, o indivíduo vai querer também para se sentir incluído. Dessa forma, essas empresas precisam contabilizar separadamente a audiência que cada canal de exibição vem fornecendo e, assim, analisar se a estratégia está dando certo.
HT: Retornando à questão de incluir elementos da internet no meio televisivo, o que você acha que houve com o Vídeo Show, que sempre apostou nessa interação?
BD: Houve um desgaste no formato do programa, que foi muito modificado ao longo dos tantos anos que esteve no ar. Além de oferecer por muito tempo um conteúdo que o público poderia encontrar em outros lugares, ou seja, não era mais aquela relação complementar que eu expliquei. A Globo demorou a entender que não poderia falar só dela mesma e o Vídeo Show era isso: um programa que abordava os bastidores da própria emissora. O público quer saber de todo o universo informativo e não de um canal em específico. Junto a isso, ainda houve a saída da Monica Iozzi e Otaviano Costa que eram muito carismáticos. Na minha opinião, foi um programa que demorou a acabar.
HT: Você consegue enxergar essas modificações em outras áreas da emissora para além do entretenimento?
BD: Tudo em televisão é entretenimento, inclusive o jornalismo, porque entreter é atrair a atenção das pessoas. Se você não conseguir fazer com que as pessoas te olhem, você não consegue passar o seu recado. O Jornal Nacional, por exemplo, vem pensando na parte estética presente no jogo de câmera, nos vocábulos utilizados, na forma de falar e em muitos outros detalhes. A Globo e todas as emissoras estão se modificando nesse sentido.
HT: Acredita que a internet pode superar a televisão e as grandes emissoras, como a TV Globo?
BD: Não podemos ignorar a força das redes sociais. Ainda assim, a televisão aberta é o veículo mais forte do país, porque metade do Brasil não tem acesso à internet de forma regular e enxerga a Globo como principal fonte de informação. Essa parcela vem diminuindo, mas o acesso online ainda não é universal. Além disso, o ao vivo ainda é algo que a televisão faz muito melhor do que a internet, pela capacidade técnica principalmente. Por isso, hoje, a programação da Globo é ao vivo de 4ho até o Jornal Hoje, na parte da tarde. É mais uma estratégia inteligente para manter o público.
HT: E, pensando no futuro, como você enxerga a relação da Globo com a internet em alguns anos?
BD: Se você observar, verá que desde o ano passado, eles não assinam mais como Rede ou TV, mas sim como Estúdios Globo. Isso já é uma pequena parcela do que teremos no futuro: grandes produtoras de conteúdo, seja ele online ou não. Esse é um caminho inevitável para todas as emissoras que desejam se manter vivas no Brasil. O futuro já chegou.
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