Enredo do filme Legalize Já relembra a história da banda Planet Hemp e traz um discurso a favor da liberdade de expressão


Elenco e equipe falaram em entrevista sobre a decisão do prefeito Marcelo Crivella em proibir a exposição no MAR, Queermuseu

Legalize Já é o nome de uma música da banda Planet Hemp e traz um discurso em sua letra favorável à legalização da maconha. O título, por si só, remete a um posicionamento político-social, o que causou na época o espanto de parte da população. Por isso, estas duas palavras foram as escolhidas para resumir o filme dirigido por Johnny Araújo e Gustavo Bonafé, já que aborda o princípio do conjunto. O nome pode até mesmo cair no clichê, mas o longa-metragem vai muito além deste discurso. “O filme não é sobre a legalização da maconha, se fosse para falar sobre isso, tenho vários outros argumentos para trazer de outro jeito como, por exemplo, a ideia do uso medicinal que já é usado no mundo inteiro. Bandeira que estamos trazendo é a ideia de todos poderem assumir a sua sexualidade, vestir e falar como quiserem”, afirmou o diretor Johnny Araújo. O título mudou ao longo dos oito anos de produção do filme, por parecer não se encaixar mais no discurso abordado. A ideia do roteiro era mostrar a amizade entre Skunk e Marcelo D2 que resultou na formação deste grupo musical. “O Anjos da Lapa era um nome provisório que usamos para fazer os tramites do filme. Na época, o Marcelo tinha dito que o Skunk foi um anjo na vida dele. Essa ideia ficou na minha cabeça e uni isto à importância da Lapa. Oito anos se passaram e percebi que este nome não me dizia nada. O Legalize Já é um nome mais poderoso, o Marcelo carregou a bandeira da liberdade de expressão por muito tempo”, completou Johnny. O filme conta com a atuação de Ícaro Silva e Renato Góes.

https://www.youtube.com/watch?v=XaCeB4Ouh84

Marcelo D2 começou a sua carreira no início dos anos 90 e ainda acumula sucesso por onde passa. Mas esta fama só se tornou realidade graças a uma união incomum. A trama retrata a vida de Skunk, um jovem músico revoltado com a opressão e o preconceito sofrido pelas comunidades o que o faz expor sua insatisfação através da música. Um dia acaba, literalmente, esbarrando em Macelo que vendia camisetas de banda de heavy metal. O gosto musical aproxima ambos e, impulsionado pelo amigo, D2 acaba entrando no universo da música, formando ao seu lado a banda Planet Hemp. “O Marcelo me ligou umas 8:30 da manhã, chorando, falando que não conseguia parar as lágrimas. Mas é isso. Faz oito ou nove anos que nos reunimos e ele me contou a história dele. Naquele momento, afirmei que era um relato universal e muito emocionante. Por causa da camiseta de uma banda, eles sentaram para conversar. Como não existia celular, as pessoas se comunicavam muito pelo olhar e se víamos algo em comum começávamos a conversar sobre. Em um ano e meio, este cara mudou completamente a vida do Marcelo, mas infelizmente foi embora porque tinha HIV. O Skunk teve o amor e a paixão por brigar pelo o que ele acreditava. Foi essa narrativa que me cativou. A história do Planet Hemp é importantíssima e linda, mas daria apenas um lindo documentário. Queria mais do que isso, minha ideia é falar sobre a amizade e quanto um encontro pode mudar a sua vida”, relatou Johnny.

Marcelo D2 ao lado de Ícaro Silva que faz o Skunk no filme (Foto: Ruano Carneiro/R2)

Marcelo D2 estava vestindo a camisa do grupo Dead Kennedys quando conheceu o amigo. A amizade de ambos durou cerca de dois anos, unicamente porque Skunk contraiu HIV. O rapaz faleceu antes que Planet Hemp começasse seu sucesso. “A primeira vez que vi o Ícaro Silva como Skunk foi impressionante, fiquei chocado. Ele está muito parecido”, garantiu o cantor. O ator Ícaro Silva teve a missão de trazer para o cinema a voz e o rosto do amigo de D2. No entanto, houve alguns obstáculos em seu caminho já que não tinha acesso a um vasto material sobre a vida dele. “Não tinha muito material porque o Skunk não tinha coisas gravadas, então, acabei revisitando a geração. Mas o principal para a formação deste personagem foram as conversas que tive com o Marcelo, o Skunk vive nos olhos dele. Sempre que falávamos sobre o assunto, o rapaz começava a se formar na minha frente, porque ele parece estar vivo através do D2”, afirmou. O ator não era fã da banda, mas depois das gravações se tornou.

Ícaro destacou ainda a importância social desta história ao expor a realidade de muitos brasileiros que não possuem acesso e não sabem como mudar a sua história. “Mergulhar nessa história foi uma sensação muito familiar de sentir a deficiência na cultura que temos no Brasil. Nos anos 90, foi a primeira vez que tive contato com muitos produtos extremamente populares e outras músicas que tinham a intenção de modificar, transformar e mover as pessoas. Este cenário não mudou muito. O Planet tem muito isso, porque apesar de ter uma bandeira que, inicialmente, pareça da maconha, eles possuem uma responsabilidade social por trazer a ideia da liberdade de se expressar como artista”, completou. Marcelo D2 espera que a galera saia da sala de cinema mexido por algo, que a trama cause polêmicas, mas o diretor discorda que exista esta linha. “O enredo não é polêmico, mas o Marcelo carregou uma bandeira sempre muito debatida por todos. Foi uma banda dos anos 90 que atravessou gerações, inclusive, cai no gosto da molecada que tem 20 anos hoje. É uma das pouquíssimas bandas de rock que conseguiu isto, porque possui uma propriedade no que falam”, garantiu Johnny.

(Foto: Ruano Carneiro/R2)

Renato Góes fará Marcelo D2 (Foto: Ruano Carneiro/R2)

Diferentemente de Ícaro, Renato Góes conseguiu reunir um vasto material para fazer o seu personagem. No caso do ator, ele foi encarregado de viver o próprio Marcelo D2. Para isso refez os passos do cantor durante sua juventude. “Estive próximo de coisas que ele viveu, porque era um tempo diferente. Tentei imaginar como seria este Marcelo, por isso peguei algumas coisas dele e conheci o bairro onde morou. Consegui criar o D2 que havia dentro de mim, fiz banda, trabalhei em um camelódromo, viajei com a banda em turnê, me mudei para o seu bairro e fui acompanhado por ele. Foi um momento de trabalho e de diversão onde pude viver uma vida completamente diferente, foi muito rico para mim”, garantiu o ator que era um grande fã da banda nos anos 90.

Durante a produção do filme, D2 teve a oportunidade de ver de perto a sua juventude através da atuação de Renato. Em novembro, o cantor fará 50 anos o que só aumentou a nostalgia de reviver sua história. “Quando tinha 15 minha vida era completamente diferente. Dá vontade de chorar, fiquei o dia inteiro com o rosto cheio de lágrimas. Fico nervoso quando vou lançar um disco novo, mas dessa vez não me sinto nenhum pouco tenso. Estou me sentindo um catalisador de amor, não foi fácil chegar aqui tendo crescido em um lugar tão violento. Essa história é minha, do Skunk e muitas outras pessoas. O que contamos no longa não mostra nem 10% da loucura que foi chegar até aqui. Ganhei muitos amigos fazendo esta produção. Fazer disco todo mundo faz, mas virar filme é demais”, comemorou o artista. Marcelo D2 garantiu que está muito feliz com a idade e se considera apenas um jovem há mais tempo.

Veja quem foi conferir o longa no Festival do Rio

Este slideshow necessita de JavaScript.

Além de ser o protagonista da trama, o papel do cantor foi ainda muito importante na montagem do filme. Foi a primeira vez que Marcelo colocou a mão na massa e trabalhou como produtor musical, cuidando do que entraria ou não na trilha sonora. “Chamei dois amigos, Mauro Berman e Lourenço Monteiro, para ajudar. Era impossível que outra pessoa fizesse isso por mim porque era o único espaço onde iria controlar e ficar de olho para ver se estava tudo certo”, brincou o cantor.

O filme demorou cerca de oito anos para ser exibido ao público. Desde o início, o longa já possuía verba para a produção, poderia ter sido feito antes, segundo o diretor Gustavo Bonafé. No entanto, era necessário que tanto o diretor Johnny Araújo quanto o cantor Marcelo D2 acreditasse na força que o enredo possuía de virar um filme. “Essa história precisava amadurecer. Eles tinham que se sentir seguros para produzir esta peça. O tempo de maturação das coisas é fundamental”, afirmou Ícaro Silva. Depois destes anos pensando em como ficaria o roteiro, foi necessário convidar mais um diretor para clarear as ideias da produção. “Me tornei diretor do projeto um pouco antes de ter começado as gravações, o Johnny me pediu uma ajuda porque queria alguém que não estivesse tão dentro da história como ele”, contou Gustavo que sempre foi fã da banda. As filmagens aconteceram no ano passado e o convite rolou seis meses antes.

Legalize Já foi lançado no Festival do Rio, na semana passada, na mesma época em que o prefeito Marcelo Crivella proibiu que uma exposição artística fosse exibida no Museu de Arte do Rio do Janeiro. O nome e o enredo trazem consigo palavras de contestação, o que é extremamente contraditório. “Retrocedemos. Por mais que este filme se passe nos anos 90, tudo o que o público verá nele será muito atual, tanto o discurso quanto o diálogo. Impressionante”, lamentou Johnny. Para o ator Ícaro Silva, foi um presente de Deus que o lançamento fosse justamente agora. “Acho que estamos vivendo no momento mais careta do mundo. Estamos em uma inquisição religiosa de novo. Quando o diretor pensou neste nome questionei um pouco, mas depois entendi que a trama tem muito a ver com a ironia do Planet Hemp. A maconha, na verdade, era somente para tocar o terror, nós sabíamos que não seria legalizada tão cedo. A erva é a ponta do iceberg, apenas queríamos chamar atenção da caretice. Não é possível que em pleno 2017 as pessoas ainda se assustem com tudo isso e pensem que é preciso odiar em vez de amar. A cultura do medo apenas alimenta coisas ruins como, por exemplo, a ideia que comunista comia crianças. É uma imbecilidade”, criticou Marcelo D2. O cantor garantiu não ter nenhuma esperança para as eleições do ano que vem e que a última vez que teve foi nas eleições de 1978.