*Por Karina Kuperman
Noemia Oliveira acumula 17 anos de experiência nos palcos, mas 2019 teve um gostinho especial: além de ser a mais nova integrante do elenco oficial do canal de humor “Porta dos Fundos”, ela ganhou o prêmio de melhor atriz coadjuvante no 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro por seu papel no curta “Eu, Minha Mãe e Wallace”, dos irmãos Carvalho (Eduardo Carvalho e Marcos Carvalho). “Esse filme foi a minha primeira oportunidade e experiência com cinema. Dentro dos meus sonhos eu tinha muitas pretensões, mas jamais cinema. Nunca fui extremamente pobre, mas sou preta, cresci com limitações financeiras e sonhar com isso era muito ousado. Fiquei sabendo através do Facebook que os irmãos Carvalho estavam precisando de uma atriz para um papel. Minha irmã viu a postagem, eu tinha acabado de fazer ‘Coletivo Preto‘, uma companhia do Rio de Janeiro que trabalha para que artistas negros tenham videobooks de qualidade para enviar, então eu tinha material. Gostaram do meu trabalho, fiz teste, e, a partir, daí começamos a desenvolver esse projeto”, lembra a atriz, que, algumas vezes, chegou a pensar em desistir: “É muito difícil ser artista no Brasil, são muitas portas fechadas. Esse trabalho veio como uma esperança, um ‘continue’, sabe?”, ressalta.
Com quase duas décadas de história nos palcos, Noemia confessa que teve medo ao encarar o novo desafio: “Não posso mentir. Foi a minha primeira experiência. Mas eu tive a sorte de encontrar os irmãos Carvalho, diretores do filme, que são excelentes, sensíveis e tiveram um olhar cuidadoso, deixando com que a gente respirasse a cena e criasse a partir do que já estava pronto, do roteiro. O Fabrício (Boliveira, seu par na história) é um artista que eu também admiro faz tempo. Quando fui selecionada nem sabia que era ele. Fiquei nervosa, mas a maneira como ele construiu junto comigo foi incrível. Eu, ele e Sophia Rocha, que vive nossa filha, nos entrosamos, o que fez toda diferença para entregarmos esses personagens defendendo suas verdades. Foi muito importante ter essas pessoas abertas a essa troca. Considero que construímos juntos o que foi para as telas”, diz, sobre a história e a dores de uma mãe preta que cria a filha sozinha na favela.
“Depois de 10 anos, o pai da criança sai da cadeia e volta para conhecer a filha. Mas, quando ele aparece, a personagem diz que ele foi lá para consertar a geladeira. E é daí que a história se desenrola. É um filme sobre a não relação entre um pai e uma filha e sobre essa mãe que se virou para criar a filha sozinha”, comenta a atriz. “É um curta-metragem que conta a história desse pai que ficou preso por todo esse tempo e é apresentado para a filha como um amigo da mãe. Algo que gosto muito que os diretores falam é que nesse momento que ele chega na casa, vemos dois personagens que disputam a razão. Eu e Fabrício defendemos esses personagens com suas verdades para deixar o público tomar a decisão de quem tem razão, certo e errado… tentamos não julgar. Ele é um homem negro que está em um sistema carcerário precário, que é o nosso, brasileiro. Na história, não sabemos nem se ele deveria estar preso, o porquê de estar. Não sabemos a história prévia, então nos concentramos nesse momento sem outros julgamentos”, conta.
Noemia destaca que a preparação antes das filmagens também ajudou bastante: “Foi ali que construímos a relação da Vanessa e do Wallace, com o cuidado de não julgá-los. Rolou uma parceria incrível com o Boliveira. Ele é um excelente ator e colega de trabalho. Me ensinou muito. Achei lindo na postura dele, deixar de lado a experiência que já tinha e descobrir tudo de novo junto comigo. Fiquei nervosa ao saber que era ele, mas foi maravilhoso. Tanto que quando eu recebi o prêmio por esse curta, eu disse que era um prêmio nosso”, conta.
Além de ser seu primeiro contato com o cinema, da oportunidade de contar uma história densa e de um prêmio, Noemia tem carinho especial pelo trabalho por outros muitos motivos também. “Acho incrível que o elenco é todo negro, temos protagonismo preto. Além disso, a história traz muitos questionamentos interessantes para o espectador”, analisa. Em comum com a Vanessa, Noemia tem a característica de cuidar de quem ama. “A Vanessa é uma mulher preta que cria a filha sozinha. Ainda não tenho filhos, é um sonho que vou realizar no tempo certo, mas sou muito maternal, me identifico com ela na maneira como ela é forte, muito mais do que eu, na verdade. A forma como ela defende a filha é onde mais me identifico: cuidar de quem ama. Disso eu entendo. Eu também tenho referências na minha família de mulheres que me espelho, que dizem respeito de muito do que eu sou e estão na Vanessa”.
E os horizontes tem se aberto para Noemia: primeira atriz negra contratada do “Porta dos Fundos“, ela comemora o momento feliz na carreira. “Estou em uma época muito importante. Sou a primeira atriz negra do ‘Porta’, é um começo, e fico feliz que a empresa pense em trazer mais representatividade negra à frente e atrás das câmeras”, diz ela, que tem adorado o clima nas gravações e ainda “finge costume” quando contracena com Fábio Porchat. “Todo o elenco é muito legal, é ótimo trabalhar com quem se admira, dá nervoso, mas vamos acostumando. Fingi várias vezes que eu não estava muito nervosa e feliz de estar ali, é como dizem: ‘fingi costume’. Mas agora estou mais tranquila, a gente troca muito, eles são super veteranos e estão abertos para isso, que é muito importante na arte em geral, mas ainda mais no humor”.
Pelo canal, já passaram nomes como Letícia Lima, João Vicente de Carvalho, Júlia Rabello e outros que acabaram fazendo novelas. Será que Noemia pensa em uma carreira na televisão? “Tenho muita vontade. É importante para o ator se experimentar em diversas vertentes e eu sou muito curiosa. Adoro as novas possibilidades e ainda não tive contato com novelas. Fiz série esse ano, dois longas, tudo estreia ano que vem. Tive a experiência do cinema, mas da novela não. Adoraria. O ‘Porta’ é um trabalho que chama outros, é ótimo”.
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