Em ‘Soul’, Pixar dá lição de vida sem recorrer a clichês, mas produção é acusada de racismo em Portugal


Novo filme da Pixar, lançado na plataforma Disney +, traz as vozes de Jamie Foxx, Tina Fey, Angela Bassett, Phylicia Rashad e da brasileira Alice Braga. A partir da história do músico de jazz Joe Gardner, que morre quando está prestes a realizar seu grande sonho e faz de tudo para voltar à Terra, o longa-metragem propõe uma reflexão sobre o que é sucesso e até que ponto ter um propósito é importante. Anunciado como o primeiro filme da Pixar com um protagonista negro, “Soul” gerou polêmica em Portugal: diferentemente do que aconteceu nos Estados Unidos e em outros países, foram escolhidos atores brancos para dublar personagens negros

Em 'Soul', Pixar dá lição de vida sem recorrer a clichês, mas produção é acusada de racismo em Portugal

*Por Simone Gondim

O que é ter sucesso e ser feliz? Pode parecer conversa de coach ou de livro de autoajuda, mas é a grande questão de “Soul”, animação da Pixar lançada na plataforma Disney +. O longa-metragem conta a história do músico de jazz Joe Gardner, que passou a vida esperando uma oportunidade de fazer sucesso e morre pouco depois de receber o convite para se apresentar com o grupo da respeitada saxofonista Dorothea Williams. Entretanto, o espírito de Joe se recusa a seguir para o além-vida e foge, indo parar no lugar onde as almas são preparadas para nascer.

Vale lembrar que esta não é a primeira investida da Pixar em tramas que mostram a formação da personalidade e o que há depois da morte: enquanto “Divertida Mente” (“Inside out”) usava o cérebro da pequena Riley para mostrar a passagem da infância para a adolescência, “Viva” (“Coco”) trazia o menino Miguel em meio ao colorido e à alegria do Dia dos Mortos mexicano. “Soul”, por sua vez, aposta em um personagem adulto para falar da alma humana e das expectativas de cada um.

(Foto: Divulgação)

No começo da trama, vemos que, apesar de seu talento ao piano, Joe Gardner leva uma vida frustrada dando aulas de música para crianças em um colégio de Nova York. Quando um de seus ex-alunos lhe oferece a oportunidade de fazer um teste para tocar com o grupo de Dorothea Williams, uma estrela do jazz, ele troca a depressão pela ansiedade. Em uma sucessão de trapalhadas dignas de comédia pastelão, que agradam às crianças, Joe cai em um bueiro e morre horas antes da tão sonhada estreia. A partir daí, vemos um Joe totalmente motivado, que se recusa a seguir o caminho de todas as almas desencarnadas e não mede esforços para voltar à Terra.

A teimosia de Joe faz com que o músico vá parar no plano onde as almas se preparam para reencarnar. É lá que ele conhece 22, um espírito rebelde que também se recusa a seguir adiante, sabotando todas as possibilidades de se tornar humano. Desse encontro, além de momentos de humor – com destaque para as figuras famosas que tentaram, sem sucesso, fazer 22 descobrir seu propósito -, saem situações que levam à reflexão. Quando Joe finalmente consegue a conexão com o próprio corpo, que está preso a uma cama de hospital, um acidente joga 22 em seu lugar. Já o pianista vai parar em um gato, cuja função era dar conforto aos pacientes internados.

Enquanto a rebelde 22 não quer ir para a Terra, Joe Gardner faz de tudo para voltar ao próprio corpo (Foto: Divulgação)

É a troca de corpos que irá proporcionar aos personagens várias oportunidades de reflexão. A cena em que 22, no corpo de Joe, vai à barbearia na qual o músico é frequentador assíduo é uma das melhores do filme. Aos poucos, o pianista percebe o quanto era autocentrado e, até certo ponto, injusto com os outros, principalmente com a mãe. Paralelamente, 22 se dá conta que a vida na Terra não é tão ruim quanto imaginava. Quase como uma criança, a alma rebelde descobre prazeres simples, como sentir o vento soprar e se deliciar com sons e sabores.

No original, “Soul” traz as vozes de Jamie Foxx (Joe Gardner), Tina Fey (22), Angela Bassett (Dorothea Williams), Phylicia Rashad (Libba Gardner) e Donnell Rawlings (Dez), entre outros. A brasileira Alice Braga dubla um dos conselheiros chamados Jerry, que ficam no Pré-Vida (ou Grande Antes) ajudando a treinar as almas que virão para a Terra.

Alice Braga faz a voz de um Jerry, espécie de conselheiro de almas (Foto: Divulgação)

Em entrevista ao site da NBC News, Alice falou do filme. “Nós sempre pensamos: O que é a vida após a morte? Mas nunca pensamos em: Há algo que vem antes de chegarmos aqui?”, disse a atriz. “Acho que todos nós temos uma personalidade, mas tantas maneiras de reagir a coisas diferentes, e foi isso que realmente chamou minha atenção”, explicou. “Por meio das emoções, podemos nos conectar com as pessoas e fazer mudanças”, acredita ela.

Anunciado como o primeiro filme da Pixar com um protagonista negro, “Soul” gerou polêmica em Portugal: diferentemente do que aconteceu nos Estados Unidos e em outros países, foram escolhidos atores brancos para dublar personagens negros. A voz de Joe Gardner, por exemplo, é de Jorge Mourato, que deu entrevistas para a imprensa portuguesa afirmando que recusaria o papel, caso o convite estivesse sendo feito naquele momento. A Disney também se pronunciou, afirmando em nota que a empresa se esforça para ser inclusiva nas seleções de elenco, mas reconhece que há trabalho a fazer e está comprometida em diversificar os talentos em suas dublagens. Uma pena que uma produção tão sensível e delicada fique marcada pela falta de sensibilidade em ao menos um dos mercados onde foi lançada.

(Foto: Divulgação)