*Por Brunna Condini
Fazendo sua estreia no horário nobre da TV, Dandara Albuquerque vive Sandra, personagem bem-sucedida no ramo da gastronomia em ‘Mania de Você‘, que ofereceu o primeiro emprego de grande destaque para Viola (Gabz), uma das protagonistas da novela das 21h da Globo. A carioca de 35 anos celebra o avanço do protagonismo negro no audiovisual brasileiro. Segundo divulgado ano passado, foi a primeira vez na história da Globo que todas as novelas inéditas em exibição tiveram protagonistas negros. De acordo com dados do relatório ESG da empresa, a meta é colocar 50% de mulheres e negros à frente dos projetos até 2030. “Essa é uma forma de reconhecimento do talento de profissionais capacitados para espaços que só não foram ocupados antes por falta de oportunidades. Se durante um tempo, mulheres e pessoas negras tiveram oportunidades negadas por conta de preconceitos de gênero e raça, nada mais justo que equiparar esse fato daqui pra frente reparando os estragos. Vejo esse movimento como resultado de uma luta coletiva por equidade de direitos. E também é uma forma de refletir a realidade de nosso país que tem em sua grande maioria uma população que se declara negra, preta ou parda”, analisa ela, que este ano também fez sua estreia no humor, na última temporada da série ‘Cilada’, de Bruno Mazzeo, no Globoplay, e está em ‘Luz’, da Netflix.
A trama de João Emanuel Carneiro tem tido desempenho divulgado aquém do esperado desde a estreia, e de acordo com um levantamento, mesmo o público fiel do gênero não comprou a trama, achando, de forma geral, o enredo ‘pesado’. Tal fato, aponta que a novela vem sendo melhor avaliada entre jovens e pessoas que normalmente não acompanham folhetins. Sobre isso, a atriz comenta:
“Acho ousado falar sobre manias, obsessões, dependência emocional, relações tóxicas, dinâmicas abusivas, descortinar tabus e apontar o lado sombrio do ser humano. Mostrar tudo aquilo que, na maioria das vezes, tentamos esconder. É compreensível gerar um desconforto e incômodo. Existem muitas formas de abordar um mesmo tema e essa é a escolha do João Emanuel. Vejo a arte como uma ferramenta para entreter, gerar catarse, provocar reflexões, discutir sobre assuntos polêmicos, fazer denúncias. Na medida em que vemos um personagem vivendo determinada situação ou tendo algum comportamento que julgamos reprovável, nós telespectadores ganhamos a oportunidade de avaliar se nossas próprias atitudes se assemelham e mudá-las. Da mesma forma, quando um personagem age de uma forma bacana também serve de motivação e inspiração”, opina.
A novela é dinâmica, tem uma linguagem híbrida, onde cada capítulo tem um plot twist e parece ser o fim de um episódio de uma série de streaming. Talvez por isso os jovens estejam acompanhando mais a trama – Dandara Albuquerque
Acredita que as novelas estão sofrendo uma transformação ou seria a tal falada crise no gênero? “Acho que estamos passando por uma mudança nos hábitos e formas de consumir esses produtos. Com a influência da internet, nossa relação com o tempo passou a ser muito diferente. São muitos estímulos e distrações, então é difícil manter a atenção presa por muito tempo no mesmo foco. E com a variedade de produtos, seja na TV ou no streaming, a escolha fica mais difusa também. Acredito que o gênero, os autores, o elenco e todos os envolvidos no universo artístico estão passando por um momento de transformação e o convite é para se reinventar afim de acompanhar as necessidades e desafios dos novos tempos”.
É muito difícil viver de arte no Brasil. Não sei como é ser artista em outros lugares do mundo. Mas fato é que, vejo muito talentos desperdiçados por falta de oportunidades. Nossa profissão é muito instável. Mas ainda assim, vale muito a pena. Estou decidida a resistir aos desafios e permanecer na carreira, pois amo o que faço – Dandara Albuquerque
A escolha pela arte
Dandara fez Direito e só escolheu abraçar o ofício de atuar a partir de 2014, buscando um curso de Artes Cênicas, se formando em 2018, quando fez sua primeira novela na Globo, ‘Espelho da Vida’. “Sempre fui uma pessoa muito idealista. Daquelas que deseja deixar uma marca no mundo, transformar de alguma forma a vida das pessoas ao redor. E durante um bom tempo, acreditei que o Direito seria a ferramenta que eu usaria para ajudar na construção de uma sociedade mais justa. Inconscientemente também havia uma busca por segurança, estabilidade, seguir um caminho mais concreto e palpável. E ainda que eu tenha mudado não me arrependo de ter estudado Direito, pois essa escolha fez muito sentido para mim durante um bom tempo.No entanto, minha forma de contribuir agora é através da arte. Acredito mesmo que essa seja minha missão e por isso tenho muito respeito por esse ofício. É uma responsabilidade enorme tocar o coração das pessoas”.
Protagonismo negro: subjetividades e menos esteriótipos
Sobre a presença do protagonismo negro no audiovisual, ela pontua. “Quando falamos de subjetividade e humanidades, significa dizer que as histórias que contamos precisam contemplar e ser coerentes com nossas vivências. Nossas narrativas precisam ser contatadas a partir do nosso ponto de vista. Durante muito tempo, personagens negros e negras eram retratados em lugares de submissão e de forma estereotipada. Ou apenas em universos de dor, marginalidade e miséria. Infelizmente, essa realidade ainda existe. Mas nós somos muito mais do que isso. Vivemos amores, alegrias, dilemas existenciais, conflitos humanos. Queremos falar sobre sonhos, sucesso, ambições profissionais e tantos outros assuntos”.
Reconhecer que somos plurais, que temos opiniões diferentes, que somos seres contraditórios e complexos como todos os outros, é reconhecer nossa humanidade e subjetividade.É muito importante falar sobre racismo, mas esse não é o único assunto que temos a dizer – Dandara Albuquerque
E completa: “Por isso, para além do protagonismo negro na frente nas telas, é preciso que toda a engrenagem esteja alinhada e comprometida a combater o estrago que essa visão estereotipada e deturpada nos aprisionou ao longo dos anos. Precisamos ter autores e diretores negros, profissionais que nos representem em todas as esferas. Acredito que a arte é uma grande ferramenta de construção do imaginário coletivo e através dela podemos provocar a transformação que tanto queremos ver acontecer em nossa sociedade”.
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