“Do do that voodoo that you do so well” (Faça mesmo aquele vudu que você faz tão bem). O refrão de “You do something to me”, de Cole Porter, que sublinha a história ao longo da projeção, já dá a deixa daquilo que Woody Allen quer dizer em seu novo filme, “Magia ao Luar” (Magic in the Moonlight, 2014). Afinal, nenhum vudu ou magia é mais poderoso do que um sorriso contagiante ou um olhar sedutor, e o verdadeiro milagre mesmo é viver. O cineasta está na sua zona de conforto, fazendo uma comédia romântica ambientada nos anos 1920, um período no qual, junto com as décadas de trinta e quarenta, se identifica perfeitamente e transita sem o menor embaraço. E a nova produção é mesmo deliciosa, estrelada por um Colin Firth arrebatador, cujo personagem – um cínico mágico britânico, tipo Houdini, daqueles que fazem seus números para uma plateia privilegiada em grandes teatros lotados e que, nas horas vagas, se dedica a desmascarar médiuns charlatões – é praticamente o alter ego do diretor: arguto, irônico, incrédulo da vida, estupefato com as idiossincrasias, mas também possuidor de profundo conhecimento sobre aquilo que se convencionou chamar de alma humana.
Trailer oficial de Magia ao Luar
O tema sobre a incredulidade no sobrenatural e a forma como as pessoas se apegam ao misticismo para dar vazão a carências, angústias e fugas interiores é recorrente na obra de Woody Allen, e adivinhos, cartomantes, pilantras munidos de bolas de cristal, prestidigitadores, mágicos de quermesse e toda a sorte de vigaristas costumam ser figurinha fácil nos seus longas. Quase sempre o recado é o mesmo: melhor ouvir a voz da sua intuição do que cair no conto de vigário dos ilusionistas, uma fraude. Dessa vez, pleno da maturidade que a velhice lhe confere, o realizador agora dá um passo além e tenta provar, através de sua perspicácia, aquilo que ele sempre fez desde a época em que revelava Nova York ao mundo com seu olhar ímpar: a vida em si é um grande mistério, muito mais do que um truque de mágica. E a grande carta no baralho, daquelas que embaralham a cabeça, é constatar que, a despeito de toda a lógica da razão, a imprevisibilidade dos sentimentos faz com que o mais cético cientista ponha de lado o pensamento cartesiano para se deixar fluir pela emoção. Sim, essa é a mais absoluta magia que existe na vida e na natureza do homem, e sem ela não é possível existir.
Como aquele que é chamado para descobrir um ato falho e revelar a todos as verdadeiras intenções de uma bela garota (Emma Stone, um pitéu e ótima atriz ao mesmo tempo) que se passa por vidente e pretende dar o golpe do baú no herdeiro de uma família de milionários americanos em férias em sua casa no sul da França, o protagonista Stanley rapidamente descobre que a existência é capaz de pregar truques impossíveis de prever, daqueles que jamais poderiam ser acomodados dentro de uma cartola.
O elenco em geral, sempre escolhido a dedo pelo cineasta, funciona que é uma beleza em um ambiente cujo figurino, a cargo de Sonia Grande, e cuja direção de arte, sob a batuta de Anne Seibel e Jean-Yves Rabier, são dois primores, fazendo a plateia lamber os dedos com vontade de viver no passado e esquecer que, naquela época, não havia televisão, celular, cartão de crédito, botox e todas as benesses da vida moderna, muito menos modernos boeings que abreviam o tempo das viagens transcontinentais. Exatamente como acontece quando se assiste a um episódio de “Downton Abbey”. Mas, como Woody Allen tanto já apregoou por aí, “a realidade é o único lugar onde se pode comer um bom bife”, e a fantasia cinematográfica que ele propõe na telona tem o exato objetivo de fazer o público se questionar sobre qual a mágica real que faz com que possamos tocar adiante nossas vidas cotidianas.
Entre todos os personagens, destaque absoluto para Eileen Atkins, que interpreta a vetusta Vanessa, a tia do ilusionista que mora na Provença e praticamente o criou. Personagens idosos que parecem viver em um mundo só seu, mas que, no fundo, tem por conta da sua experiência de vida todas as respostas para as perguntas que os mocinhos fazem ao longo da história, são outra presença constante na filmografia de Allen. E, por falar em presença, impossível não mencionar a magnética aparição de Ute Lemper cantando “Alles Schwindel”, logo no início do longa-metragem em um cabaré berlinense. Espetáculo à parte e imperdível, assim como o filme inteiro.
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