‘Em Los Angeles, personagens para latinos não proporcionam voz autêntica’, diz atriz Mina Nercessian, hoje roteirista


Morando em Los Angeles, a atriz e sobrinha de Stepan Nercessian, conta que que participou de algumas produções cinematográficas, como A Feiticeira, e vibra com a estreia nos streamings do Brasil do filme Solteira Quase Surtando, onde contracena com o tio. “Atuar com ele foi ótimo. É muito agradável tê-lo no set”, aponta a protagonista e roteirista do longa que teve sua exibição nos cinemas brasileiros interrompida em março por conta do coronavírus

* Por Carlos Lima Costa

O filme Solteira Quase Surtando, que mostra o encontro em cena de duas gerações da mesma família, o ator Stepan Nercessian com a sobrinha Mina Nercessian acaba de chegar aos stremings, no Brasil. No longa-metragem, além de atuar, ela é também a roteirista, funções que desenvolve nos Estados Unidos, onde está radicada há 24 anos. Este trabalho marca a estreia dela como roteirista no cinema nacional. “Atuar com ele agora foi ótimo. Meu tio é bem agradável de ter no set. Onde eu o via, estava cercado de pessoas contando histórias. Ele tem uma energia bacana, é engraçado. Sempre que falo que sou sobrinha dele, todos dizem que o adoram. No set vi o quanto realmente é querido, simpático e amoroso, não tem ego”, aponta a filha de dona Armenia, irmã mais velha do artista. E entrega um spoiler sobre a produção, que conta com a parceria da MGM. “No final da história, o personagem do meu tio dá uma azarada na minha personagem, foi muito engraçado”, conta ela, às gargalhadas.

Anteriormente, tio e sobrinha haviam contracenado uma única vez no curta A Vidente, realizado com baixo orçamento, há cinco anos. Ela estava filmando em uma praia, quando ele passou pelo local por acaso e a pedido dela fez uma participação de improviso. “Ganhamos um prêmio em Miami. Foi uma experiência ótima no primeiro roteiro que eu escrevi para o audiovisual”, assegura.

Mina está radicada há 24 anos nos Estados Unidos (Foto: Divulgação)

Mina está radicada há 24 anos nos Estados Unidos (Foto: Divulgação)

Desde pequena, Mina dizia que ia atuar. Ela fazia teatro no prédio aonde morava, escrevia peças, dirigia as outras crianças. “Meu pai me disse uma vez que eu queria ser atriz desde o útero da minha mãe. Não posso falar que foi por causa do meu tio, mas crescer em uma família de artistas influencia muito”, aponta. A inspiração veio por conta de todo um contexto familiar que presenciou e de histórias que ouviu falar. Uma delas foi a que revelou Stepan para o público brasileiro. “Meu pai, Xavier de Oliveira, é diretor de cinema e em seu primeiro filme como roteirista, produtor e diretor, o Marcelo Zona Sul, ele lançou o meu tio Stepan, que não era ator, era só um adolescente. Foi um filme realizado na garra e na coragem, sem imaginar que ia ser o sucesso que foi. Uma produção bem independente. Minha mãe que bordou os uniformes do figurino. A família toda se uniu em torno deste projeto”, explica.

Xavier, aliás, é um dos produtores de Solteira Quase Surtando, dirigido por Caco Souza. Rodado em 2016, o filme chegou aos cinemas em março deste ano. “Esperamos tanto tempo para lançar, veio a pandemia, fechou tudo, e ele acabou permanecendo somente duas semanas em cartaz. Uma pena, pois estava indo muito bem na bilheteria”, ressalta ela, contando ainda que nos Estados Unidos o longa vai direto para os streamings. “Os cinemas aqui continuam todos fechados. Para ser muito sincera, eu mesma não sou a favor de reabri-los neste momento. Levo o isolamento bem a sério. Desde março, eu praticamente não saí de casa. Sou do time das pessoas que acreditam que o vírus é perigoso e pode ser mortal para muita gente. Na minha família, estamos muito cautelosos”, conta Mina, radicada em Los Angeles.

A última vez que esteve no Brasil foi justamente para participar das pré-estreias de seu projeto. “Fomos recebidos com muito carinho pelo público”, lembra ela. E recorda ainda o estranho retorno a Los Angeles. “Quando o voo aterrissou, quase todas as pessoas colocaram máscaras. Ao chegar no carro, meu marido tinha uma bolsa com roupa para eu trocar e ao chegar em casa me disse para não abraçar as crianças e ir direto para o banho. Aqui já estava um clima de estresse com a pandemia começando. Vim no limite. Muita tristeza. O pai do Gui Agustini, um dos atores do meu filme, foi uma das primeiras mortes do Brasil. Eu o conheci na nossa pré-estreia. Foi impactante, triste”, lembra.

Radicada nos Estados Unidos desde 1996, ela vem sempre ao nosso país. “Eu amo o Brasil, sou muito apegada. E tem a minha família: pais, tios, primos. Nós, os Nercessian, somos muito unidos”, frisa ela, que costuma visitar a terra natal duas vezes por ano. A família, aliás, é do que mais sente falta do Brasil.

Stepan e a sobrinha Mina Nercessian (Foto: Arquivo Pessoal)

Stepan e a sobrinha Mina Nercessian (Foto: Arquivo Pessoal)

Em Solteira Quase Surtando, Mina interpreta Bia, mulher independente que nunca ligou para casamento. Mas quando começa a entrar precocemente na menopausa, tenta encontrar alguém para engravidar. Uma história bem oposta a sua realidade. Aos 40 anos, Mina é casada há 16 com o empresário americano Robert Charles Milk e os dois são pais dos gêmeos Lucas e Ana Luiza, 14 anos, Matteo, 8, e do caçula, Marcelo, 6.  “Entre minhas amigas, fui exceção. Eu casei primeiro, fui a única que tive filhos. No mundo das minhas amigas foi uma coisa muito forte ver o tempo passando, porque três amigas passaram por infertilidade, tiveram que fazer tratamento, então, eu via isso que é uma injustiça da nossa vida biológica. E, às vezes, nem tratamento funciona. Tenho amiga que conseguiu e amiga que não conseguiu. Então, queria abordar esse tema da infertilidade feminina”, explica sobre o projeto que faz parte de uma trilogia.

Os outros serão Casada Quase Surtando e Divorciada Quase Surtando. “O segundo será mais baseado na minha vida. Vai falar muito sobre como se consegue equilibrar casamento, filho e carreira, que também é um dilema da mulher moderna”, pontua. E acrescenta: “Não vou falar que eu sempre equilibrei bem. Eu tento. Coloco muita prioridade na minha vida. Para coisas que acho que não valem a pena, digo não, seja na carreira ou na vida pessoal. Por exemplo, tenho quatro filhos, então, quase que semanalmente tem festa de aniversário de um amiguinho da escola. Então, uma coisa que resolvi não fazer mais é levar criança para festinha de aniversário. Meu marido que faz. Se fosse ter uma qualidade de tempo com eles era diferente,  mas eles vão estar lá brincando, correndo. Meu marido gosta de levar. Eu não levo e faço isso sem nenhuma culpa. Quando se tem uma carreira e quatro filhos, é preciso tomar decisões e não ficar se sentindo culpada”, analisa.

Quando viajou para rodar o filme no Brasil durante um mês, ouviu questionamentos de outras mulheres do tipo “você vai largar seus filhos aqui, leva pelo menos o pequenininho”. Marcelo tinha dois anos na época. Ao retornar, mais ladainha, como “você sentiu muita falta dele, como fez?”. Mina ficou ótima, trabalhava 16 horas por dia e falava com as crianças pelo Skype. “Ninguém fala essas coisas para um homem. Quando meu marido viaja, ninguém pergunta para ele se foi difícil ficar sem os filhos. Graças a Deus, tive o exemplo da minha mãe que viajou a vida inteira, teve uma carreira e foi uma excelente mãe. O equilíbrio, na verdade, muitas vezes, é você não se sentir culpada das suas escolhas. O mais importante. Quando estou com meus filhos, estou 100% com eles, brinco de lego, faço bolo com minha filha. Pior é estar em casa o tempo todo, mas no celular. Esta ausência presente é muito pior. A criança se sente mais desprezada”, crê.

Mina não planeja mais aumentar a família. “Sempre quis ter quatro filhos, era o meu sonho”, diz. Os quatro nasceram em Los Angeles. “As crianças falam português, sendo que os dois mais velhos falam com sotaque. Quando fui mãe pela primeira vez eu controlava mais, só assistia TV em português. Depois, a coisa vai desandando. O mais novo entende, mas ele responde em inglês. Aqui em casa, o segundo idioma deles forte é o espanhol”, conta Mina. Seu marido, é filho de pai americano e mãe peruana, e seu nome é uma homenagem ao Rei da Jovem Guarda. “As músicas do Roberto Carlos fizeram parte do romance dos pais dele”, explica.

A mãe de Mina, trabalhava como oficial dos Direitos Humanos da ONU. Certa vez, foi encontrá-la em El Salvador, onde estava em uma missão. Faltava um ano para cursar a faculdade e ai disse que gostaria de estudar teatro nos Estados Unidos. Após duas semanas na faculdade, conheceu o marido em uma festa no norte da Califórnia. Ele estudava Relações Internacionais. Posteriormente, com ele e com a mãe, abriram a Novica. Com plataforma digital onde vendem artesanato para o mundo inteiro. “A empresa já ganhou vários prêmios humanitários, porque já tirou muita gente da pobreza. Muitos puderam comprar casa e carro pela primeira vez. Vimos claramente o impacto delas na vida dos artesãos no mundo. Quem deu o dinheiro para começar, de parceria foi a National Geographic”, lembra ela e se diverte que, por conta do trabalho que a mãe desenvolvia na ONU, eles brincando a chamavam de Indiana Jones da ONU.

Nos EUA, Mina esteve no elenco de filmes como A Feiticeira (Foto: Divulgação)

Nos EUA, Mina esteve no elenco de filmes como A Feiticeira (Foto: Divulgação)

Nos Estados Unidos, Mina participou de algumas produções cinematográficas como A Feiticeira, com Nicole Kidman. “Trabalhei duas semanas no set, com ela, com o Will Ferrell, a Shirley Maclaine. Foi uma experiência incrível, mas o meu papel foi diminuído na edição”, lembra. Ela atuou ainda em séries como Las Vegas e Reno 911. Foi a insatisfação de perceber os tipos de papéis que eram escritos para as latinas que a fez retornar a faculdade para estudar roteiro, em 2015. “Comecei a achar que o problema não era com o diretor ou produtor, o problema era a falta de roteiristas latinos, por isso que não proporciona uma voz autêntica”, frisa. E crê que o projeto mais bacana que desenvolveu foi o LOL – Latina On The Lose.  “Antes disso não sabia que tinha esse talento para escrever”, admite.

No Brasil, fora o recente filme, fez um pequeno papel no filme Adágio Ao Sol, dirigido por seu pai. Através dos anos, tem ido mesmo ao Brasil para ver a família, não com a mentalidade de fazer contatos com a Globo, por exemplo, de correr atrás de uma novela. “Mas me sinto  conectada com o Brasil, porque escrevo para o país. Eu e minha parceira de roteiro, a Dani Valente, estamos desenvolvendo uma série. Escrevemos comédia e temos uma sintonia muito boa”, completa.

Nos Estados Unidos, Mina obteve o Green Card, o que lhe dá os direitos civis e o poder de votar nas eleições. “Não só voto, mas faço campanha, sou bem ativa politicamente aqui nos Estados Unidos. Sou 100% democratas. Não só faço campanha para o Biden, mas também não estou nada satisfeita com o governo do Trump. Achei que foi um retrocesso muito grande para os Estados Unidos em várias questões. Esse ano a gente tira ele”, torce.

Mesmo longe do Brasil, mensalmente faz uma doação para o Retiro dos Artistas, cujo presidente é seu tio Stepan. “Essa organização é muito querida no nosso coração. Quando vou ao Brasil tento ir lá, já fui a algumas festas juninas, é um trabalho muito gratificante para o meu tio. Os moradores o adoram. É muito legal ver o impacto do antes e do depois, como ele mudou drasticamente aquele lugar”, analisa Mina.