De uns tempos para cá, o Festival do Rio tem se esmerado em apresentar desenhos animados em seu line up, procurando através destes retratar a diversidade de expressões na Sétima Arte. No ano passado, o cartoon argentino “Um time show de bola” (Metagol, de Juan José Campanella, 2013) chamou atenção. Nesta edição, os holofotes caem em cima de “Festa no céu” (The book of life, de Jorge R. Gutierrez, 2014), que foi exibido na noite desta sexta-feira (3/10), no Lagoon, com produção do celebrado roteirista e diretor Guillermo Del Toro (A Espinha do diabo, Círculo de fogo, a série Hellboy e o premiado O Labirinto do fauno). Realizador autoral, Del Toro parece querer seguir o caminho de outro cineasta que se aventura nas animações e que, como ele, também tem forte assinatura: Tim Burton. Nessa empreitada pelo desenho, o mexicano também flerta com o macabro, mas prefere ficar na superfície do colorido carnaval dos mortos – ao contrário diretor de “O estranho mundo de Jack” e “A noiva cadáver” – brincando com a mitologia do seu país de origem de forma menos soturna que o californiano.
Faz sentido. Povo que tem orgulho de sua história, os mexicanos celebram a morte com significado diferente da grande maioria das civilizações ocidentais, misturando a códigos da cristandade com sentidos impregnados de essência pré-colombiana. Para as culturas que dominaram a região antes da chegada dos espanhois, a morte não representa necessariamente tristeza, mas o encontro com ancestrais que, no dia de finados, descem (ou sobem) do além para visitar os entes queridos. Daí o famoso Dia de Los Muertos, espécie de carnaval popular, celebração com muita alegria, música, cor e comida, onde se comemora aqueles que passaram para o outro lado, sem precisar dividir o submundo entre céu o inferno.
(Fotos: Divulgação)
O próprio fascínio do México pelas caveiras sintetiza tudo isso e é tão visceral quanto a paixão que a cidade flamenga de Antuérpia detém por crânios: esqueletos são, antes de mais nada, a representação de que todos os seres humanos são iguais, independente de credo, raça, cor ou sexo. São tudo aquilo que está sob quilos de camadas de carne, pele, cultura e até preconceitos. Agora, “Festa no Céu” tenta trazer para a efervescência dos desenhos animados 3D um pouco dessa reflexão, tão necessário em tempos atuais, com um argumento que valoriza o amor do público local por essas histórias, trazendo à cena figuras importantes das superstições regionais, como la Catrina (ou Katrina), Mictlantecuhtli e o homem de cera mexicano, mais toda aquela confraria de tipos que marca o país, como toureiros, morenas de personalidade voluntariosa, bandidos do agreste e porquinhos.
Interessante enquanto exercício de descentralização das animações no eixo Estados Unidos-Canadá, o longa apresenta resultado visual exuberante acima da média (o que já vale a ida ao cinema), mas o desenvolvimento do enredo deixa a desejar, um pouco infantil demais para prender adultos em uma história que poderia render mais. Afinal, desde quando “A Bela e a Fera” (The Beauty and The Beast, 1991) possibilitou à Disney concorrer ao Oscar de ‘Melhor Filme’ ao lado de produções de carne e osso, os desenhos animados nunca mais foram os mesmos, se revelando também um importante filão a garantir bilheteria de todas as idades. Mas, se o objetivo é levar a criançada à sala de exibição, a simplicidade da trama possivelmente irá cativá-la junto com a eficiência na reprodução dos cânones de direção de arte e fotografia que regem o cinema fantástico atual, com movimentos de câmera surpreendentes.
Na versão brasileira, Thiago Lacerda dubla o mocinho – Manolo, um toureiro de tradição familiar que se recusa a participar da crueldade da matança nas arenas – faz seu trabalho com precisão, mas é a voz bem colocada e irresistível de Marisa Orth como a Katrina que rouba a cena, em um personagem que parece ter sido desenhado para ela.
Trailer oficial (Divulgação)
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