Em Família: a novela de Manoel Carlos que conseguiu ser trágica na história e no apelo com o público


A última telenovela do autor conseguiu desapontar do início ao fim

*Por Júnior de Paula

Chega a ser triste dizer que Manoel Carlos não foi feliz em sua última novela, Em Família”, que chegou ao fim nesta sexta-feira (18/07). Autor de algumas das maiores novelas já apresentadas na televisão brasileira, como “Baila Comigo”, “Felicidade” e “História de Amor”, entre muitas outras, tanto ele quanto o público mereciam uma despedida melhor do universo das telenovelas. Maneco, para quem não sabe, já disse que esta seria a sua última e que, daqui para frente, se dedicará a projetos especiais, como minisséries aqui e ali.

Nas redes sociais, “Em Família” serviu apenas para ingrediente de críticas e brincadeiras negativas, a famosa “trollagem” dos internautas, sendo tão irrelevante a ponto de virar piada. Apesar de Manoel Carlos dizer que estava dentro da média, a audiência também não empolgou. Seu último capítulo rendeu 40 pontos no IBOPE, quatro menos do que “Amor à Vida” – antiga detentora do troféu de pior audiência – e um índice longe, beeem longe dos 53 alcançados por “Avenida Brasil”. Resumindo: foi o final de novela menos assistido dos últimos seis anos.

Nos bastidores, parece também que nem tudo foram flores. A rádio-corredor diz que Leonardo Nogueira e Jayme Monjardim, diretores geral e de núcleo  da novela, romperam relações, enquanto Gabriel Braga Nunes teria se estranhado com os colegas por trás das câmeras. Isso sem contar com o afastamento de Marília Carneiro, figurinista da novela, que abandonou a produção em meio ao processo, quando o drama já rolava solto nas telinhas.

Bruna Marquezine até tentou salvar a chatice mimada de Luisa (Foto: Divulgação)

Bruna Marquezine até tentou salvar a chatice mimada de Luisa (Foto: Divulgação)

Ninguém jamais saberá se as intrigas são verdadeiras ou não, já que tudo é negado e panos quentes são sempre colocados sobre estas histórias, como é de praxe nessas situações. Mas, só pelo fato de tantos boatos sobre desavenças existirem e terem surgido nos bastidores, fica um indício claro de que nem tudo correu às mil maravilhas ao apagar das luzes: nem na frente, nem atrás das câmeras.

Há quem diga que nem sempre foi um desastre e que tudo começou bem: os primeiros capítulos prometeram fortes emoções. Bem dirigidos, bonitos, com bom texto, ganchos realistas, personagens mais relacionáveis e até a possibilidade de que aparecessem bons conflitos psicológicos. Mas veio a a última passagem de tempo e então tudo virou samba: o artifício virou assunto recorrente entre o público, que observou o descompasso cronológico com uma sobrancelha erguida de incredulidade e não foi no bom sentido. Um bom – mau –  exemplo foi Julia Lemmertz, a Helena da vez, escalada para viver a filha de Nathália do Valle.

Julia Lemmertz e Nathalia do Valle: mãe e filha com cara de irmãs (Foto: Divulgação)

Julia Lemmertz e Nathalia do Valle: mãe e filha com cara de irmãs (Foto: Divulgação)

Shirley, a personagem de Viviane Pasmanter, começou fazendo barulho e prometendo ser um dos pontos altos da trama. Não decolou e acabou se transformando em uma vilã sem maldade, sem humor e sem muita função. E a culpa nem foi de Viviane, que fez o que pôde com o pouco que lhe era entregue. A relação lésbica entre Clara e Marina, personagens de Giovanna Antonelli e Tainá Muller, também não causou grandes comoções, nem com beijo, nem com casamento e nem com noite de amor. O núcleo dos idosos se transformou em uma piada sem graça e o caso de alcoolismo retratado por Felipe (Thiago Mendonça) foi tão raso quanto um shot de tequila. As outras tramas, que nem eram tantas assim, nem chegaram perto de empolgar.

O casamento de Clara e Marina (Foto: Divulgação)

O casamento de Clara e Marina (Foto: Divulgação)

Bruna Marquezine foi uma das poucas alegrias nascidas com “Em Família”, defendendo com muita dignidade sua mocinha mimada que poderia facilmente virar mais uma pedra no sapato da trama, caso o público a rejeitasse. Assim como Julia Lemmertz, que também fez com Helena tudo o que estava ao seu alcance, Bruna tentava transformar os diálogos escritos por Manoel Carlos em lampejos de sabedoria. Raramente funcionava. Apesar de a novela não ter sido unanimidade, é preciso destacar os diálogos de Maneco, uma marca registrada do autor. Era bonito ver a elegância no uso de palavras eruditas no dia a dia, mesmo que isso fugisse um pouco à realidade da maioria dos brasileiros.

Entre muitos erros e alguns acertos, a novela terminou sem grandes expectativas e sem grandes reviravoltas. Nem a morte dramática de Laerte (Gabriel Braga Nunes), assassinado por uma das muitas mulheres que teve durante a novela, em frente à igreja onde se casaria com Luiza (Marquezine), chocou. Morto sob a chuva, sem clímax, sem emoção, sob os olhares de quase todo o elenco, sem reação e sem muito sentido de ser. Uma boa metáfora para uma novela que se afogou muito antes de chegar à praia.

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A morte sem graça de Laerte (Foto: Divulgação)

* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura