Todo mundo quer estar perto de Miá Mello. Divertida, inteligente, antenada ela é daquelas que fazem os outros se sentirem à vontade na sua presença e com desejo de ouvir suas histórias e comprar suas ideias. E foi assim durante todo o processo de elaboração desse editorial exclusivo do site HT, fotografado por Jorge Bispo, com styling de Aline Dias e beleza by Nathalie Billio, que se transformou em imagens lindas, complexas e poéticas, como é a própria Miá, que vocês podem ver e ler no papo que vem junto dessa viagem visual.
Com as séries Homens e A Vida Secreta dos Casais e os filmes O Palestrante e Uma Nova Chance para estrearem ano que vem, Miá não para. E não tem vontade alguma de parar, já que sua fome de se reinventar como atriz é uma constante. Formada em publicidade, ela trabalhava na área quando descobriu ser apaixonada pelo ofício de atriz. O insight aconteceu assim que começou a cursar teatro como lazer na faculdade Célia Helena, em São Paulo. Miá sempre sentiu que faltava algo e a atuação preencheu esse vazio. “Observando as pessoas no curso, eu falei: ‘Gente, não acredito que dá pra trabalhar com isso!’. Eu nunca me imaginei nesse lugar e me abriu esse novo portal. Sempre fui uma pessoa extrovertida que gostava de teatro da escola, de me relacionar, de brincar, de fantasiar, mas nunca imaginei como profissão. Então, foi muito libertador quando vi que podia funcionar para mim. Mas daí para realmente trabalhar foi um grande passo, uma luta que me sinto até corajosa e jamais teria feito sem o apoio da minha família”, diz Miá, que coloca os pais, Marcileni e Odilon Melo, como os maiores estímulos para o novo caminho que ela estava traçando. O percurso não foi só flores, mas Miá sente que viver essas dificuldades só a ajudou a perceber o quanto aquilo era para ela. “É uma carreira hiper difícil, eu recebi incontáveis nãos. Se não fosse de fato para eu fazer isso, eu já teria desistido há muito tempo. Acho que percebi que queria viver de arte por essa força de continuar, de seguir, de mudar. Eu já tinha um salário, tinha uma vida mais ou menos encaminhada. Então, recomeçar tudo do zero precisa ter muita vontade”, frisa.
Um momento que mudou tudo para a atriz? Dias depois de ter se formado, o comediante Paulinho Serra chama Miá para participar do grupo de humor Os Desnecessários, e, a partir daí, que ela encarou o seu primeiro grande desafio. “Ele foi me explicando que eram textos autorais. Eu falei: ‘Meu deus, como assim? Eu não sei se escrevo ou não!’. E todo mundo era super talentoso, como o Marcello Marrom, Rodrigo Capella, Eduardo Sterblitch. Todos tinham seus próprios números. Aí, comecei bem devagarinho como a mestre-de-cerimônias, até que fiz um número que deu super errado”, se diverte. O grupo tirou umas férias e quando Miá voltou ela foi tentando aos poucos. Quando criou uma esquete de novidades da semana, veio uma ideia de brincar com o fato de que uma marcha da maconha não teve coro, porque ninguém lembrou de ir: “O Paulinho foi muito sagaz e disse que esse era um nicho que eu podia explorar. Fui investindo nisso da pessoa lesada, atrapalhada. Ele abriu essa grande porta para mim. Era um momento bom do humor com tudo isso acontecendo”, lembra.
O grupo acabou ganhando uma notoriedade que ninguém esperava. Em uma certa noite no bar mexicano em que a turma fazia as apresentações, em São Paulo, os humoristas receberam uma visita ilustre: Jô Soares. Era uma quarta-feira, a casa estava cheia, Miá estava na porta resolvendo pendências da produção e, de repente, olha o apresentador saindo de um carro. Ela correu para contar para os amigos no camarim, mas claro, ninguém acreditou em Miá. “Ele super elogiou e gostou muito do meu trabalho. Até hoje nós temos uma relação. Eu guardo muita gratidão e amor, e ele não perde uma oportunidade de citar meu nome, falar bem de mim, de me elogiar. Acho que foi uma grande virada na minha carreira, porque foi muito especial ter Jô Soares me olhando e incentivando, dizendo que eu era muito talentosa”, afirma.
Apesar de ser conhecida por vários papéis com teor cômico, Miá, que hoje tem 37 anos, nunca imaginou que era nessa área que iria alçar seus mais significativos vôos. “Eu sempre fui uma pessoa extrovertida com riso solto, mas em nenhum momento eu pensava que iria fazer comédia. Inclusive, uma das melhores peças que participei no Célia Helena (escola de teatro de SP) foi uma adaptação do Plinio Marcos batizada ‘Mancha Roxa’, uma peça sobre o período inicial da AIDS, em que fizemos um comparativo com os presídios femininos. Enfim, foi a mais especial que fiz no curso. E eu amava. Eu gosto disso, sou visceral”, enfatiza. A artista acredita que foi algo natural, que veio das oportunidades que foram aparecendo e se sente realizada em trabalhar com algo que cutuca todas as questões do ser humano com crítica e leveza. “Eu amo atuar em comédia. Eu me sinto privilegiada de fazer algo que é importante para a sociedade, em que você pode apontar as coisas ruins, colocar uma lente de aumento nas mazelas do mundo. E as pessoas vão dar risadas, mas, depois, vão sair refletindo”, ressalta. A atriz almeja passear por todos os gêneros e aos poucos vai galgando outras etapas na carreira. Como referência, ela tem as atrizes nacionais que transitam pelo drama e humor. “Denise Fraga, Andrea Beltrão e Fernanda Torres têm trajetórias muito especiais, que eu admiro muito cada passinho. Eu quero beber nessa fonte, quero muito trabalhar junto. Uma hora tenho certeza que vai rolar e eu fico muito orgulhosa de poder dizer que elas são brasileiras. E quero chegar perto do que elas fizeram”, expõe.
Ela também ama ler! Não consegue sair de casa sem levar um livro na bolsa. Um reflexo dessa mente inquieta e criativa da atriz. Os últimos na sua cabeceira foram A Filha Perdida, de Elena Ferrante, e Desonra, de J. M. Coetzee. “Eu sou uma pessoa que não gosta de esperar, sou ansiosa, como todo mundo do século 21 é. Quando eu estou nervosa, não sabendo o que fazer, parece que eu fujo para esse mundo literário. É um refúgio. Me escondo nesse universo dos livros. Eu sou a pessoa que muda a bolsa conforme o tamanho do livro que estou lendo”, revela a atriz.
Outro grande hobby da atriz é ir ao cinema, algo que ela cultiva desde criança. Miá se derreteu na entrevista ao falar dos seus filmes favoritos, Annie Hall, de Woody Allen e Saneamento Básico ,de Jorge Furtado. “Meu sonho desde que comecei a fazer teatro era também atuar no cinema. Minha relação maior com a arte era a telona. Quando eu entrava no cinema, me dava aquela coisinha na barriga, eu não sei explicar, eu sentia um negócio muito bom”, conta. Então, imagina a felicidade que a atriz teve quando começou a gravar a série Meu Passado Me Condena, no Multishow, em 2012, e, antes mesmo de ir ao ar soube que a produção viraria longa-metragem. “Eu pensei não é possível, sabe?! Eu vou realizar meu sonho de uma maneira tão especial com esse grupo! Eu fiquei tão grata ao universo por essa oportunidade. É um filme muito feliz, a gente pensa em continuar fazendo”, conta a atriz entusiasmada. A franquia Meu Passado Me Condena levou milhões de espectadores ao cinema, um trabalho que ela tem muito orgulho de ter filmado com o amigo Fábio Porchat. “Ele é um cara de extrema relevância no cenário da comédia e do entretenimento, que admiro em mil sentidos. É pé no chão, empreendedor, sabe tudo que está acontecendo no set, e até hoje, de tudo que ele faz, que são milhares de trabalhos, o que as pessoas falam? Fábio e Miá em Meu Passado Me Condena! A gente brinca como é forte esse casal”, afirma Miá.
Mas o papel transformador na vida de Miá, com certeza, foi o papel de mãe. A atriz tem dois filhos, Nina, de 9 anos, e Antônio, de 1 ano, e acredita ter sido super importante como amadurecimento. “Eu nunca fui aquela pessoa que queria ser mãe, não cultivei esses sonhos. Porém, desde que eles nasceram, eu tenho certeza absoluta que sou uma pessoa muito melhor com o pé fincado no chão. A troca que tenho com as crianças é fundamental para a minha evolução. É essencial esse olhar, essa necessidade de assumir a vida adulta. Eu sou super moleca até hoje. Não deixei de ser, mas um lado meu se estabeleceu como adulta, como mãe, como progenitora”, conta a atriz. E os desafios de educar são incontáveis, mas ela tenta dar o melhor de si e não cair nas amarras da sociedade. “Tem mil dias complicados, não é fácil você ser mãe, educar. Não é fácil você ser uma pessoa melhor, porque tem que ser para educar. Não tem como você falar A e fazer B. Óbvio que nem tudo você vai fazer certo, até porque é impossível. Não é isso que eu prego, pois as mulheres já sofrem pressão suficiente. Mas a gente busca ser uma pessoa melhor como exemplo para eles”, ressalta.
Miá Mello é feminista, não se cala em debater as causas das mulheres, de levantar essa voz, e acredita que ainda há muito o que caminhar, mesmo com os avanços que conseguimos depois de anos e anos batalhando. “Eu acho que toda mulher se não é, deveria ser feminista. O mínimo que a gente exige com esse movimento é igualdade de direitos”, afirma. No meio da comédia, um ambiente predominantemente masculino, será que é fácil? Ela diz não lembrar de nenhuma situação específica, talvez por já estar tão enraizado, mas só de ser uma mulher em qualquer profissão já é uma luta em si. “Eu acho que ser mulher é uma luta por seu posicionamento. É uma luta por se fazer ouvir, em ganhar um salário igual, é uma luta por não sofrer assédio, por não sofrer brincadeirinhas… que no fundo são assédios. A gente vive essa luta desde que nasceu”, afirmou. A atriz ressalta que essas questões que estão sendo levadas em pauta trazem uma diferença clara no próprio dia a dia, mesmo que seja algo bem gradativo e com passos de formiguinha. “Cada vez mais as pessoas tão ganhando espaço para falar disso, estão sendo ouvidas, os homens até podem não ter mudado 100%, mas eu sinto na rua, que eles pelo menos estão com mais medo, estão repensando nas coisas para fazer, eu já acho que é um passo”, frisa.
Marília é seu nome de nascença, mas é chamada de Miá desde criancinha pelas irmãs. A atriz, que viveu numa casa com três mulheres, acredita que isso foi fundamental para ter pensamentos feministas tão firmes. “Era um universo feminino de mulheres bem fortes. Tanto minhas irmãs como minha mãe. Durante minha adolescência, meu pai sempre foi liberal, mas extremamente presente. Ele ficava junto, me deixava dirigir sozinha, viajar, namorar, sempre com responsabilidade. Então, dentro da minha casa, o ambiente era muito tranquilo”, disse. Miá tenta passar esse viés feminista ao máximo na educação de seus filhos, principalmente para evitar que pensamentos da sociedade machista enraízem nas crianças. “Com uma filha de nove anos não tem como ser isenta. Faz parte do meu projeto de educação. A Nina adora futebol, ela é super tomboy, menina moleca, pelo menos no inconsciente ela não tem essas limitações. Eu tenho orgulho que ajudei a construir isso com ela”, conta. Mas, quando Antônio nasceu uns anos depois, Miá admite que ficou um pouco desesperada por saber das dificuldades que podia enfrentar na criação de um menino. “É muito fácil, entre aspas, criar uma menina forte para vida, mas e criar um menino legal? Um homem bom? Um homem que se quiser fazer balé, tudo bem? Tenho certeza que os risinhos do balé não vão ser iguais aos do futebol da Nina”, diz a atriz, que logo se acalmou com esse desafio ao lembrar que tinha ao lado um grande aliado, o seu marido e diretor de TV, Lucas Melo. “O Lucas é um cara zero machista, um dos homens que eu mais admiro. Ele é super parecido com meu pai: homens sensíveis”. Casada com Lucas desde 2012, Miá disse que a base do casamento dos dois é a tranquilidade, sintonia e que eles extraem o que há de melhor um no outro. “Eu tenho certeza que vou ficar com ele para o resto da minha vida. Que grande falar isso, né? É um cara muito especial que nunca tentou me mudar, sempre me viu do jeito que sou. É uma relação tão simples e feliz!”, diz apaixonada.
Em relação aos tempos políticos atuais, em que a onda de ódio e a falta de diálogo tomou conta do país, a atriz é enfática: “Eu estou muito chocada com o que a gente está vivendo. É um período de polarização em que todo mundo está muito radical. Eu não consigo não abrir a boca se eu vejo alguma coisa que está errada. Mas procuro não falar muito, porque eu estou impressionada mesmo. Eu pago para não ver briga. Detesto briga e confusão. Fujo que nem diabo foge da cruz. Agora, tem momentos que você precisa se posicionar quando fica muito grave. Temos que entender o outro lado também, mas tem coisas que fogem da minha compreensão humana. Só se eu fosse Madre Tereza de Calcutá para conseguir entender esse lado do ser humano!”, afirma. Sobre planos futuros e os sonhos na carreira artística, ela tem muitos. “Quero muito fazer um filme dramático, tenso, um dramão, sabe? E quero atuar em novela, que nunca fiz. Mas eu sou uma artista privilegiada de conseguir poder viver de arte e de cinema principalmente nos dias atuais. Olhando para trás, eu me sinto muito orgulhosa da minha trajetória e de tudo que fiz”. E com certeza ainda vai fazer muito mais. Voa, Miá!
Equipe:
Fotografia: Jorge Bispo
Styling: Aline Dias
Make: Nathalie Billio
Assistente de Fotografia: Mari Cavalcanti
Agradecimentos:
Fabio Szwarcwald
Parque Lage
Escola de Artes Visuais
Camila Lamoglia
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