Que trenzinho mais maravilhoso, gente! Os 23 anos de Amanda de Godoi parecem ser poucos para explicar todo o conhecimento, engajamento e postura da atriz que começou como revelação em “Malhação – Seu Lugar no Mundo” e agora estreia em “Tempo de Amar”, próxima novela das 18h da Globo. Pelo menos foi isso o que descobrimos depois de passarmos uma manhã deliciosa com Amanda fotografando para o novo editorial exclusivo do site HT. Neste encontro, que foi de Freud a Nietzsche, passando por internet, representatividade, reflexão sobre o cabelo e televisão, Amanda de Godoi mostrou que, de fato, não é só um talento promissor da telinha. Ela é mais. Muito mais. Desce que a gente te prova a grandiosidade dessa mineirinha que veio para o Rio de Janeiro em busca de um sonho e a cada dia escreve mais uma página desta história em seu caderninho. Para acompanhar essa entrevista, os cliques bafônicos são de Prema Surya no Bar Astor e Sub Astor, em Ipanema, com beleza de Nathalie Billio, styling de Tracy Rato e produção de moda de Victor Mazzei.
Em setembro, a faixa das 18h da Globo terá um salto no tempo. Sai de cena “Novo Mundo”, ambientada no século XIX, para a chegada de “Tempo de Amar”, que se passará em 1927. Na nova trama, Amanda de Godoi será Felícia, uma das três órfãs que saem de condições horríveis em Portugal em busca de uma oportunidade no Brasil, a terra da esperança. Na novela, Amanda integra o trio que ainda tem Jessika Alves e Giulia Gayoso. “Nós somos órfãs e moramos em Portugal na estalagem de uma tia nossa. Lá, a gente trabalha em condições horríveis em troca de comida e lugar para comer. Ou seja, se não há remuneração, é escravo”, contou. “Um dia passa uma madame na estalagem que elas moravam e trabalhavam oferecendo que as três viessem para o Brasil para estudar em um instituto para meninas. Aqui, elas teriam várias oportunidades e todas ficam maravilhadas com a chance de mudar de vida”, completou.
E elas vão. Na bagagem, Amanda de Godoi contou que cada uma leva suas experiências e personalidades. Na da Felícia, a mais jovem do trio, a atriz destacou que a esperança é o principal conteúdo. “A Felícia ainda é uma criança intrépida, que de fato não tem medo da vida e tem muita vontade de viver. Para a novela, eu descobri que existe toda uma mitologia que envolve o órfão. Quando a gente nasce, Freud diz que este é o momento mais traumático da nossa vida. Nós estávamos em um lugar quentinho e do nada precisamos aprender a respirar, comer etc. Então, esse corte do cordão umbilical é muito traumático e faz sempre com que a gente busque se religar à mãe. Pelo fato de a Felícia não ter os pais e nem a lembrança, ela acaba não tendo a quem se ligar e se torna uma menina muito livre e sem medo”, explicou Amanda que, na novela, os pais não aparecem desde o começo. “O que a gente sabe é que a mãe morreu antes de ver as meninas vivendo naquela situação”, completou.
Com essa alegria e espontaneidade, Felícia vem para o Brasil com o sonho de uma vida nova. Movida pela alegria de viver, apesar de seus sofrimentos desde a infância, Amanda contou que a personagem não terá medo dos riscos que a nova trajetória poderá lhe trazer. Das três órfãs, ela é a primeira a se animar com a proposta e mergulhar neste novo mar. Literalmente. Como bem definiu a atriz, Felícia é uma jovem que vive a descoberta dos limites. “Por ser a mais nova das três, a Felícia é a que mais se joga. Ela não tem muita noção dos ricos, dos traumas que isso pode gerar e é a que encara a vida com olhos bons, sem muita preocupação”, disse Amanda que já adiantou que o futuro em terras brasileiras pode não ser o que as jovens idealizavam. “Quando elas chegam no Rio de Janeiro, elas descobrem que o instituto pode não ser o que elas estavam esperando. Então, quando a gente passa a viver situações extremas, nós temos reações e comportamentos diversos. Pode ser que elas não queiram ficar ali ou que amem”, sugeriu a atriz que garantiu que as personagens irão passar por transformações avassaladoras.
O fato é que Felícia tem mostrado um novo universo à Amanda. Nesta novela, a atriz tem tido instigantes desafios, que vão da ambientação à narrativa, passando pela linguagem, jeitos e a própria história como pano de fundo. “O grande desafio é a gente conseguir se desligar de todas as informações que a gente tem do século XXI e, realmente, mergulhar nesse universo. Tem aquela história de quando a gente coloca a roupa do personagem a gente veste a nossa alma para ele e é bem isso mesmo. Porém, a gente precisa de um nível de concentração maior para conseguir esquecer o mundo que vivemos. E isso é muito interessante. Eu me sinto voltando no tempo”, contou a atriz que, na preparação, teve, entre outras experiências, aulas com historiadores para entender o panorama do país em 1927.
Nesse laboratório, Amanda de Godoi, de fato, estudou o novo trabalho. Como fiel escudeiro de sua interpretação como Felícia de “Tempo de Amar”, a atriz possui um caderninho escrito, personalizado e decorado por ela mesma. Pelas páginas, Amanda relata tudo o que aprendeu e que foi fundamental para criar esta órfã. “Eu acho que essa novela está me dando a oportunidade de aprender para uma nova personagem, mas também para a vida. Por isso, eu tenho um caderninho em que eu escrevo tudo o que eu considero importante dos encontros que tivemos com a direção, preparações e informações que me ajudaram a criar a personagem. Eu sinto que preciso de um tempo para conseguir assimilar tudo o que eu aprendi nessas experiências que tive com o elenco, com as minhas sensações e impressões daquela personalidade fictícia”, contou.
Em uma dessas páginas, Amanda de Godoi analisa a personagem sob a ótica da psicanálise e da filosofia. Inteligente e curiosa, como iremos falar daqui a pouco, a atriz trouxe o pensamento freudiano para entender os impactos da ausência dos pais na personagem e o nietzschiano, para achar o lado bom e o ruim de Felícia. “Eu usei muito os conceitos de Nietzsche na construção da Felícia nessa ideia de humanização da personagem, na relação entre o bem e o mal. Na novela, ela é super do bem, mas também foge de confusão. Então, no momento que ela tira essa responsabilidade de si, ela também acaba fugindo da ética e da moral. Por isso, acredito que nenhum personagem é certo ou errado. Somos humanos”, analisou.
Neste jogo em que todos temos defeitos e qualidades, “Tempo de Amar” mostra que isso vem de muitos anos. Apesar de ser ambientada ainda em 1927, a novela irá abordar questões que podem ser identificadas no cotidiano moderno. Para Amanda de Godoi, isso é uma chance de o entretenimento mostrar ao público de hoje comportamentos ruins que atravessam décadas. “Nós estamos fazendo uma novela de 1927, mas as questões são as mesmas de hoje em dia. A gente retrata o feminismo, o racismo e a alforria, por exemplo, que mostra que, mesmo com a assinatura da Lei Áurea, o negro ainda era olhado como marginal pela sociedade. Então, embora seja uma novela de 90 anos atrás, a gente aborda questões muito contemporâneas e é muito interessante que o público identifique isso. Afinal, como eu aprendi na preparação, se uma sociedade não conhece a sua história, ela corre o risco de repeti-la”, apontou.
Do panorama da sociedade para o individual de Amanda de Godoi, este não é um trabalho de repetição. Na verdade, está longe disso. Antes de “Tempo de Amar”, a atriz se destacou em “Malhação – Seu Lugar no Mundo” e se manteve no elenco da temporada seguinte, “Pro Dia Nascer Feliz”. Porém, se agora ela tem a missão de contar uma história dos anos 1920, antes Amanda era um reflexo contemporâneo. Outra diferença que a atriz apontou sobre a Nanda, seu trabalho anterior, para a Felícia, do atual, está na personalidade das próprias jovens. “A Nanda tinha uma questão muito marcante que, inclusive, me ensinou muito que era a autoconfiança dela. Além disso, os figurinos também me ajudaram a conhecer o meu corpo e me amar do meu jeito. Depois, eu entendi que a gente precisa se amar e ser autoconfiante independente da roupa que a gente usava. Por outro lado, a Felícia é muito ingênua, mas isso não a torna boba, frívola e nem idiota. Só que ela tem uma timidez comum da época que faz com que exista uma personalidade mais delicada”, detalhou.
Embora Felícia seja portuguesa, a atriz contou que a trama irá trabalhar com sotaque neutros. Sendo assim, Amanda poderia escolher entre as entonações de seu estado, Minas Gerais, ou destacar o lado carioca que já existe dentro de si. E adivinhem para qual caminho ela seguiu? “Eu sou mineira e, na minha vida, uso o meu sotaque. Mas eu me sinto exposta emprestando o meu jeito de falar para a personagem. Para mim, é como se fosse a Amanda ali. Então, na novela, eu estou adotando o ‘s’ do carioca, por exemplo. Mas sem o jeito cantando”, adiantou.
Ou seja, pelo que já percebemos, o caderninho de Amanda de Godoi para Felícia não é algo pequeno. Mas também, tem aqueles elementos que não cabem em uma folha de papel. Para a novela, a atriz passou por outra experiência fundamental, que mudou não só para a personagem, como também para ela. Depois de anos de cabelos longos, Amanda de Godoi teve que adotar um corte mais curto, em cima dos ombros. E foi aí que Felícia nasceu para ela. De acordo com a atriz, esta foi a principal engrenagem para a preparação da personagem. Porém, não foi só isso. De um corte de cabelo, Amanda de Godoi refletiu e extraiu muitas outras ideias, pensamentos e algumas conclusões, que a mostraram que nesta vida, nada é tão simples. “Quando eu cortei o meu cabelo, eu não só mudei o visual. Eu vivi muitas histórias com aqueles fios, que estavam comigo há anos. Nessa oportunidade, eu comecei a refletir e filosofar sobre o cabelo e entendi que não é um fio, é um manto. Quando a gente fica insegura, nós mexemos no cabelo e ele acaba se tornando uma bengala. Então, para mim, esse corte passou a significar um rompimento, uma transgressão. É como se eu tivesse deixado um passado e ficado totalmente aberta para o futuro”, analisou.
E um futuro de muitas ideias. Até aqui, Amanda de Godoi já se baseou nos pensamentos de Freud, Nietzsche, bíblicos e vários outros conceitos que estruturam seus posicionamentos – e não importa se são sobre política ou corte de cabelo. Não por coincidência, a atriz é uma eterna faminta por argumentos, que busca nos livros as explicações mais relevantes sobre os diversos assuntos que a cercam na vida. Aos 23 anos, Amanda é daquelas que acumula conhecimento e se torna uma excelente companhia quando se quer debater sobre qualquer tema. “O estudo é muito importante para qualquer profissão. Não só para a minha. É claro que a gente tem que ter uma vivência de cultura, conhecimento e abertura para que consigamos nos projetar em um mundo melhor. Mas não só no ambiente profissional. O estudo nos ajuda a ser um humano melhor e temos que propagar isso. Eu sei que hoje eu tenho uma visibilidade enorme na internet e eu preciso usar esse poder para atingir o público que me segue e causar alguma conscientização”, disse.
Por isso, Amanda de Godoi vai além da ideia de #lookdodia. Em seu Instagram, que hoje tem um alcance de 1,5 milhão de usuários, a atriz expõe posicionamentos e situações que a incomodam e podem promover novas formas de pensar em quem a segue. Mais do que ensinar ou dizer o que é certo ou errado, Amanda levanta a bandeira de que o importante é o debate em um cenário de respeito às ideias, por mais que sejam diferentes. “A visibilidade que eu reconheço que tenho por causa da internet e da televisão precisa ser usada de alguma forma. Na faculdade, eu aprendi que mais de 98% dos brasileiros têm um aparelho de televisão em casa. Então, com isso, eu acabo ganhando uma responsabilidade muito grande. Para mim, estar na tevê não é só estar arrumadinha em um panorama tão raso. Eu acredito muito em uma responsabilidade social do ator”, argumentou.
Neste sentido, a atriz já viu seu Instagram se tornar um grande pólo de ideias contrárias. Recentemente, Amanda de Godoi compartilhou a foto do jovem que, após assaltar um homem, teve a sua testa tatuada com a frase “eu sou ladrão e vacilão”. Na postagem, a atriz se posicionou dizendo que a tortura não é a melhor solução. Para ela, o assaltante deveria ter sido preso, e não sofrido uma exposição como essa. De parte de seus seguidores, ela recebeu comentários criticando sua opinião “em defesa do criminoso”. A experiência, como Amanda de Godoi nos contou, revelou para ela um outro problema em nossa sociedade contemporânea. “A intolerância que a gente vive, seja ela religiosa, sexual, racial ou de gênero, não é de hoje. Nós temos que estudar tudo isso para termos a noção do mal que isso faz para que a gente não permita que volte a acontecer. Às vezes a gente não consegue entender como Adolf Hitler conseguiu chegar ao poder falando absurdos como conhecemos do livro de história, por exemplo. Mas, em 2018, teremos Bolsonaro com falas tão extremas quanto. Então, será mesmo que estamos tão longe desse ódio e intolerância”, questionou a atriz que, no caso de sua postagem sobre o jovem tatuado, manteve os comentários, mesmo admitindo ter se assustado com a repercussão. “Também não acho certo praticar censura e apagar a foto do meu Instagram”, completou.
Apesar dos contras, Amanda acredita que os prós desta interação virtual sejam ainda mais relevantes para a evolução social. Sendo assim, ela garante que a experiência ruim com a postagem não a desanimou para futuros posicionamentos. “Eu cheguei há muito pouco tempo nessa vitrine da televisão. Então, como para mim tudo é novidade, eu me sinto muito motivada a estudar e procurar saber mais de vários assuntos para não me tornar uma pessoa burra. Não quero ser uma pessoa rasa e vazia. Se a gente está aqui para mudar o mundo, não podemos ficar só no Instagram. Porém, pelo pouco que eu já experimentei nesses dois anos, eu estou vendo o quanto é perigoso dar poderes às pessoas, assim como à internet. Por isso, eu sou da ideia que se precisa ter uma conscientização enorme para que a gente não caia nessa armadilha do narcisismo e hedonismo que, ao meu ver, não acrescentam em nada. Eu quero ir no sentido oposto. Eu quero trazer algo de novo para a vida das pessoas, seja no meu trabalho, no que eu posto ou no meu pensamento. Então, eu tento sempre tocar o coração das pessoas e provocar a reflexão”, explicou.
Mas Amanda de Godoi não é só tanta reflexão. Inserida em uma atmosfera de cabelos, roupas e maquiagens que envolvem a profissão, a atriz contou que este respiro também merece o seu espaço. Em um panorama tão intenso de notícias e problemas que nos cercam, por que esse contraponto não pode ter sua relevância? Aliás, a liberdade e a igualdade também são conceitos defendidos por Amanda em outra esfera. “Eu acho que o feminismo traz a liberdade de a gente fazer a selfie quando nós quisermos, mas também não seguir os padrões ou as imposições da sociedade. Para mim, o movimento traz a conscientização de que não é para a mulher se sobressair ao homem. Pelo contrário. A gente quer apenas igualdade em todos os sentidos: salarial, social e de poder também”, defendeu Amanda que, no assunto feminismo, não pode ter nomes como Freud e Nietzsche como referências teóricas. “Eu amo os dois, mas eles eram muito machistas. Eu sei que eram outros tempos e não estou aqui para defender. Mas é interessante a gente ver que pessoas que eram muito inteligentes e eu que sempre gosto de citar também tinham pensamentos errados. Ou seja, não eram deuses. Humanos erram e todos somos assim. Por isso eu não gosto de endeusar nenhum filósofo, dramaturgo, psicanalista ou qualquer outra pessoa que eu admiro. Todos temos defeitos”, concluiu.
E, para garantir que seus embasamentos nunca acabem e que estejam sempre atualizados, Amanda de Godoi contou que irá conciliar novela e faculdade neste semestre. Este mês, a atriz voltou a cursar Cinema na PUC-Rio e não escondeu a animação. “Eu fiquei com muita saudade da minha faculdade no período que estive em Malhação, em que os horários eram muito insanos. Mas eu e meus pais nos preocupamos muito com os meus estudos e eu decidi que tinha que voltar. Eu quero me formar. Fora que a faculdade não é só isso. Eu faço cinema, mas procuro por aulas de teatro e psicologia, por exemplo. É uma oportunidade incrível de a gente abrir a nossa cabeça”, contou a atriz que também busca esses novos horizontes com viagens.
Recentemente, Amanda de Godoi passou uma temporada em Nice, na França, para estudar e conhecer novos comportamentos e pensamentos. O resultado? De lá, a atriz voltou com uma bagagem muito maior e mais pesada, mas que não pode ser cobrada pela companhia aérea pelo excesso. “Quando a gente viaja, entendemos que não há uma cultura melhor que a outra. E, quando nos deparamos com outros lugares e outros comportamentos, nos tornamos mais toleráveis com o diferente. Eu acho importante eu ficar batendo nessa tecla que, por mais que a gente esteja no século XXI, na minha opinião, estamos muito retrógrados”, disse a atriz Amanda de Godoi. Eu não disse que era um trenzinho maravilhoso?
Créditos
Foto: Prema Surya
Beleza: Nathalie Billio
Styling: Tracy Rato
Produção de Moda: Victor Mazzei
Agradecimentos:
Bar Astor e Sub Astor
Documennta Comunicação
Sylvia Braconnot
Nova Comunicação
Sayonara Sarti
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